08 novembro 2006

Saudade dos aviões da Panair (Conversando no bar)

Fernando Brant

Lá vinha o bonde no sobe-e-desce ladeira

e o motorneiro parava a orquestra um minuto

para me contar casos da campanha da Itália

e do tiro que ele não levou

levei um susto imenso nas asas da Panair

descobri que as coisas mudam e que tudo é pequeno nas asas da Panair


E lá vai menino xingando padre e pedra

e lá vai menino lambendo podre delícia

e lá vai menino senhor de todo o fruto

sem nenhum pecado, sem pavor

o medo em minha vida nasceu muito depois

descobri que minha arma é o que a memória guarda dos tempos da Panair


Nada de triste existe que não se esqueça

alguém insiste e fala ao coração

tudo de triste existe e não se esquece

alguém insiste e fere no coração

nada de novo existe nesse planeta

que não se fale aqui na mesa de bar


E aquela briga e aquela fome de bola

e aquele tango e aquela dama da noite

e aquela mancha e a fala oculta

que no fundo do quintal morreu

morria a cada dia dos dias que eu vivi

cerveja que tomo hoje é apenas em memória dos tempos da Panair

a primeira Coca-Cola foi me lembro bem agora, nas asas da Panair

a maior das maravilhas foi voando sobre o mundo nas asas da Panair


Em volta dessa mesa velhos e moços

lembrando o que já foi

em volta dessa mesa existem outras falando tão igual

em volta dessas mesas existe a rua

vivendo seu normal

em volta dessa rua uma cidade sonhando seus metais

em volta da cidade


Fonte: encarte que acompanha o LP do álbum Minas (1975), de Milton Nascimento


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