Um (outro) fim de tarde no Paraíso
F. Ponce de León
Sábado de céu azul, com poucas nuvens, após uma semana de tempo nublado. Estamos na primeira metade da primavera e, embora a estação das chuvas ainda não tenha chegado para valer, a terra não está tão seca como estava no fim do inverno. Sol quente e umidade, eis a receita para um crescimento vigoroso: folhas novas surgem de um dia para o outro e sementes adormecidas logo germinam.
As primeiras chuvas da primavera lavam a vegetação, removendo a camada marrom de poeira que cobria a folhagem, principalmente aquela que margeia as estradas mais movimentadas. É um banho revigorante, durante o qual todos os personagens – árvores, arbustos, trepadeiras, ervas miúdas – que atravessaram o inverno sem perder as folhas parecem se esbaldar.
Nessa época do ano, a trilha sonora produzida por um emaranhado de grilos, cigarras, rãs e aves interdependentes ganha timbres ainda mais nítidos, principalmente à noite. É também quando colunas cada vez mais numerosas de vagalumes saem em revoadas noturnas, pontilhando e iluminando o céu. Em noites de céu claro, é fácil confundir vagalumes com estrelas da Via Láctea.
Faltam algumas horas para escurecer e a trilha sonora que ouvimos agora é outra: o cocoricó de galos – o nosso e o de alguns vizinhos, ao longe – e as notas que saem das teclas de um piano, embalando a todos aqui em casa. São os dedinhos de anjo de Alicia de Larrocha, traduzindo para nossos ouvidos a caligrafia serena de Schubert.
Ouvindo a música e vendo o jogo de sol e sombras em volta da casa, fico a imaginar que uma rajada mais forte de vento – como aquela que passou por aqui ontem à tarde – virá daqui a pouco e nos levará para cima... Um vôo por sobre o cafezal e a floresta logo adiante, subindo as montanhas. Lá de cima, acenamos para os vizinhos e dizemos adeus a um país de trilha sonora decadente e desafinada.
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