23 janeiro 2007

A um rato morto encontrado num parque

Mário Cesariny

Este findou aqui sua vasta carreira

de rato vivo e escuro ante as constelações

a sua pequena medida não humilha

senão aqueles que tudo querem imenso

e só sabem pensar em termos de homem ou árvore

pois decerto este rato destinou como soube (e até como não soube)

o milagre das patas – tão junto ao focinho –

que afinal estavam justas, servindo muito bem

para agatanhar, fugir, segurar o alimento, voltar atrás de repente, quando necessário


Está pois tudo certo, ó “Deus dos cemitérios pequenos”?

Mas quem sabe quem sabe quando há engano

nos escritórios do inferno? Quem poderá dizer

que não era para príncipe ou julgador de povos

o ímpeto primeiro desta criação

irrisória para o mundo – com mundo nela?

Tantas preocupações às donas de casa – e aos médicos – ele dava!

Como brincar ao bem e ao mal se estes nos faltam?

Algum rapazola entendeu sua esta vida tão ímpar

e passou nela a roda com que se amam

olhos nos olhos – vítima e carrasco


Não tinha amigos? Enganava os pais?


Ia por ali fora, minúsculo corpo divertido

e agora parado, aquoso, cheira mal.


Sem abuso

que final há-de dar-se a este poema?

Romântico? Clássico? Regionalista?


Como acabar com um corpo corajoso e humílimo

morto em pleno exercício da sua lira?


Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema originalmente publicado em 1957.

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