Um estado muito interessante
Zulmira Ribeiro Tavares
Conheço o meu país
no escuro – pelo tato.
E se me amarram as mãos nas costas
conheço pelo cheiro.
E se me tapam o nariz
ainda assim conheço o meu país
pelo que dele sobra
à minha volta.
Não conheço o meu país pela boca.
Não conheço o meu país pelos ouvidos.
Não conheço o meu país pelos olhos.
O que a boca solta o ouvido não encontra,
o papel não grava, o olho não recorta.
Conheço o meu país
mas não o conheço de dentro.
Também não o conheço de fora.
Conheço-o de lado.
Quer dizer que o conheço
sem relevo.
Muito curioso esse país rasante
como um vôo rasteiro.
Meu país bicho-de-concha
para dentro de sua casca
sem contorno.
Muito curioso esse país no escuro
sem local exato de pouso
para os dedos.
Muito curioso esse país de cheiros
sem apoio.
Muito curioso
e muito interessante.
O termo é este.
Um país interessante
é como uma mulher em estado interessante?
Uma mulher em estado interessante
sempre acaba
em trabalho de parto?
inevitavelmente? não há outra saída
além daquela prevista na barriga?
Um país muito barrigudo
é uma mulher inchada –
de basófia ou filhos?
A comparação não cabe, entre pessoas
estados, de corpo, alma
e federativos?
Ou cabe até demais?
É isto mesmo.
Tudo cabe em um país.
Ou não?
Como tirar a dúvida?
Por exclusão
do que primeiro?
estados? almas? pessoas?
o que fica? sobra? federação? filhos?
O que faço
se não controlo as respostas
pela boca; assobio?
Deixo passar em brancas nuvens
o que o olho não viu
se tinha cores?
Por que não me conformo
pelo meu país a gastar menos.
a só usar uma narina e um dedo?
Por que o anseio
de vir a conhecer a raiz dos cheiros
relevos posição dos corpos mares rios
rotas ares esquadrias?
Tão sentimental vou indo
olhos de leitura sem legenda
e boca sem sentenças
indo estou voltando
ao ponto de partida.
No escuro meu país é simples.
Dois sentidos bastam.
E sobram.
Sem nenhum sentido
meu país teria
a mais perfeita ordem.
Fonte: Hollanda, H. B., org. 2001 [1976]. 26 poetas hoje, 4a edição. RJ, Aeroplano.
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