29 junho 2008

Tatuagem

Maria Teresa Horta

Ossifico a dor
o dia

Tatuagem
de tatuar o espaço
livre

onde a queda
a neve
ou o meio-dia
multiplica

a multiplicação
do sangue
um sulco claríssimo

um regresso de
células nas veias

qualquer coisa
de vário
ou de estanho

a moleza branca
de um calor
rosado

Tatuagem feita
vezes quatro

aquidade espessa
de chuva sem
passagem

olhos animais de cornos
azuis

e perfilados
com lágrimas por dentro
ou neve ossificada

Tatuagem
tatuo no ventre um filho
Mãe depois e nunca
verificada

Mãe de ovários
duros
e peitos madrugada
com um amante
por noite

um animal

uma harpa

Ou qualquer coisa
de bom
de esquecimento
de sono

o para sempre estar deitada
as pernas
sementes várias

o para sempre estar escolhida
entre mulheres
sem imagem

Tatuagem
violada
que se traz sob um dos
braços

uma agudeza
de água
epiderme rouca e parca

Partida
sem ser viagem

ou despedida
ou embarque

Tatuar
de tatuagem

sede de queda
oxidada

Fonte (para as primeiras oito estrofes): Melo e Castro, E. M. 1973. O próprio poético. SP, Quíron. Poema originalmente publicado em 1961.

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