20 agosto 2010

Nada os meus olhos deixarão na cinza

António Franco Alexandre

nada os meus olhos deixarão na cinza
das vastas folhas envidraçadas: nem
o astrológico número das horas
autorizadas pela autoridade e sua penumbra.
a “penumbra da autoridade” vem vestida
de muitos horizontes com, aqui ou além, um barco
de velas estilhaçadas, ou a capa de um livro
de viagens na vitrina.
então o amor mistura-se com as coisas breves,
os pássaros, o rumor dos alicates na gaveta branca.
foi esta a sua história? esta canção pertence-lhe?
a “greve” alourou-lhe as sobrancelhas? estes olhos
têm o plástico ao contrário. e o ruído
das torneiras no balde, mesmo
à beira do precipício,
é um inconveniente que convém manter
sob vigilância.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1979.


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