Esquecimento e negligênica em ciência
Oliver Sacks
1.
Na história das idéias, podemos olhar para trás ou para a frente – traças as primeiras etapas, as sugestões e as antecipações daquilo que hoje pensamos; ou insistir na evolução, nos efeitos e influências do que pensamos outrora. De qualquer modo suporemos que a história se revelará numa linha contínua, um avanço, uma abertura como a árvore da vida. No entanto, o que quase sempre descobrimos está muito longe de um desdobramento majestoso, muito longe de uma linha contínua em qualquer sentido. Tentarei ilustrar essa conclusão por meio de algumas histórias (que poderiam multiplicar-se ao infinito) sobre quão bizarros, complexos, contraditórios e irracionais costumam ser os processos de descoberta científica. Todavia, para além dos volteios e anacronismos na história da ciência, para além das vicissitudes e acasos, talvez exista um esquema geral e inteligível.
Comecei a notar como a história científica pode ser enganosa quando vivenciei o meu primeiro amor, a química. Lembro-me nitidamente de que, garoto ainda e lendo a história da química por F. P. Armitage, ex-professor de minha escola, aprendi que o oxigênio só fora descoberto na década de 1670, por John Mayow, juntamente com uma teoria da combustão e da respiração. Mas a obra de Mayow foi esquecida e desapareceu de vista durante um século de obscurantismo (e devido à teoria absurda do flogístico), de sorte que o oxigênio só foi redescoberto cem anos depois, por Lavoisier. Mayow morreu com 34 anos: “Se tivesse vivido um pouco mais”, acrescenta Armitage, “não se pode duvidar de que anteciparia os trabalhos de Lavoisier e sufocaria no nascedouro a teoria do flogístico”. Seria isso uma exaltação romântica de John Mayow, uma leitura fantasiosa da estrutura do empreendimento científico – ou de fato, como sugere Armitage, a história da química poderia ter sido diferente?
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Fonte: Sacks, O. 1997. Escotoma: esquecimento e negligência em ciência. In: Silvers, R. S., org. Histórias esquecidas da ciência. RJ, Paz e Terra.
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