13 julho 2011

Meio metro


Sou um homem pequeno:
meio metro de altura.
Mas caminho ereto:
sem quase exagero.
Por isso me julgam no caminho certo:
um homem simples:
pouca estatura; nenhum complexo.

Mas há engano de perspectiva.
Sou muito difícil:
apesar de pouco.
Tive início quando nasci.
E até hoje não me refiz:
o
ter começado no momento exato,
para os outros –
não para mim.
Para mim foi:
brusco.
Para os outros:
tácito.

Pronunciei as primeiras palavras
logo
as segundas.

Depois de muito esforço consegui
articular finalmente:
“mundo”.

Aí me deram as costas e disseram:
“ele já fala”.
Eu gritei.
Passaram-me uma pequena luz aconselharam:
“conta até cem”.

O sono não veio. Nunca veio.
Depois do número cem
contei os outros números.
Alguém me avisou:
“cuidado.
Tem o problema
da infinitude”.

Muito tarde.
Continuo,
dizendo números.

No intervalo entre os números,
falo.
É complicado. Confunde.
Faço uma pergunta simples e respondem:

“Não posso dizer de cabeça.
A soma é muito grande”.
E se insisto que se trata de palavras,
Retrucam:
“Mas elas são tão improváveis!”
Impossível somá-las: diluem-se.

Não sou compreendido. Nunca o fui.
Pedi sono e dois dedos de prosa
E recebi foi um impulso –
precipito-me
principalmente
depois que passei de cem.
“É um problema de disciplina”
insiste o médico da família.
“Feche os seus olhos e aguarde”.

“Não consigo” – respondo –
“Sinto cócegas”.

“Em que parte?”

A pergunta me ofende.
Todos sabem que sou casto.
Como posso eu conhecer o meu corpo
se a contagem me impede que pare
e respire fundo?

“É orgulho”
diz o padre.
“O infinito não é para o homem”.

Isto eu sei. Sempre o soube.
Desde o dia em que:
nascido de parto natural
bati de ponta cabeça/contra a vida –
sem artifício.

Mas não fui eu que a quis –
esta procura do longe.
Quiseram-na por mim os outros.
Escondidos.
Pergunto:
os outros que são
o mundo?
Estou só.
Nenhum laço.
Desatamento ao contrário.

O mundo
não corre o risco de vir ao mundo
(eu que corri)
pois que é o próprio.

Em decorrência não teme a vida.
Já que não veio.
(eu que a temo).
E ainda que vindo
Não poderia; nascido
Bater de ponta-cabeça

Pois que nunca está para baixo
Tampouco está para cima.
A cabeça além disso, lhe falta.
Outro argumento/de peso (ausente?)

Comigo é o oposto.
Ou estou com a cabeça de um lado
Ou estou com ela de outro.
(Será isto por causa da altura?
Se meio-metro é medida pouca
Ao menos que seja vária).

E se caio apesar de mínimo
Um tombo faz sempre barulho

Já o mundo...

Que enorme meu Deus
Que fácil...

É redondo!

Fonte: Hollanda, H. B., org. 2001 [1976]. 26 poetas hoje, 4ª edição. RJ, Aeroplano.

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