Balada do concurso de Blois
François Villon
Morro de sede perto da fonte,
Quente como fogo, tirito de frio,
Estrangeiro me sinto no meu país;
Junto ao braseiro, sinto escalafrios.
Nu como um verme, vestido como um presidente;
Chorando rio e desesperançado espero;
Reconforto-me com o mal da desgraça;
Regozijo-me e prazer nenhum sinto;
Sou poderoso sem poder e sem força;
Bem-amado e rejeitado por todos.
Nada me é certo senão o incerto;
Obscuro, exceto o que é evidente;
De nada duvido a não ser da certeza,
E em cada acidente a ciência encontro;
Ganho tudo, permaneço perdedor.
Ao fim do dia digo: “Deus lhe dê boa-noite!”
Deitado, tenho muito medo de cair.
Tenho muito do que nada tenho.
Herança espero e não sou parente de ninguém;
Bem-amado e rejeitado por todos.
De nada necessito, embora pareça
Procurar bens e isso não pretenda;
Aquele que mais docemente me fala é o que mai me irrita;
E o que mais me engana é o mais verdadeiro.
Amigo verdadeiro é o que me convença
Que um cisne branco é um corvo negro;
Quem me maltrata crê fazer-me um favor
Verdade e mentira, hoje, para mim é igual.
Retenho tudo, nada sei conceber:
Bem-amado, rejeitado por todos.
Príncipe clemente, agora talvez queiram saber
Que eu entendo muito, sem ter sentidos nem saber:
Parcial sou e a toda lei me submeto.
Que sei eu a mais? Meus compromissos vencer,
Bem-amado, rejeitado por todos.
Fonte: Freire, C. 2004. Babel de poemas: uma antologia multilíngüe. Porto Alegre, L&PM. Poema publicado em livro em 1489.
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