19 abril 2013

Retrato de um jovem compositor

Maynard Solomon

Beethoven era de baixa estatura, cabeça volumosa e cabeleira farta, eriçada e negra como carvão, emoldurando um rosto rubicundo onde a varíola deixara suas marcas. A testa era ampla e fortemente sublinhada por sobrancelhas hirsutas. Alguns contemporâneos dele opinam que Beethoven era “feio” e até “repulsivo” mas são muitos os que assinalaram a animação e a expressividade de seus olhos, capazes de refletir os sentimentos mais íntimos com extraordinária acuidade – ora cintilantes, cheios de brilho, ora toldados por uma indefinível tristeza. A boca era pequena e delicadamente desenhada. Tinha dentes brancos, que ele habitualmente esfregava com um guardanapo ou lenço. O queixo sólido era dividido por uma fenda profunda. De compleição robusta, tinha ombros largos, mãos fortes e peludas, dedos curtos e grossos. Sua constituição levou algum tempo para ganhar contornos cheios e arredondados, tendo ele permanecido magro até aos 30 e poucos anos. Carecia totalmente de elegância física; seus movimentos eram desgraciosos e canhestros, derrubava e quebrava coisas constantemente, e era propenso a entornar seu tinteiro sobre o piano. Ries perguntava-se como é que Beethoven conseguia barbear-se, pois suas faces andavam sempre cheias de cortes. Embora, após sua chegada a Viena, ele anotasse em seu diário o nome e endereço de um professor de dança, nunca conseguiu  aprender a dançar no compasso da música. “Todos os seus modos”, escreveu Frau Bernhard, “privavam pela ausência de sinais de polimento exterior; pelo contrário, era rude em sua maneiras e conduta”.
[...]

Na companhia de estranhos, Beethoven era “reservado, formalista e aparentemente soberbo”. Haydn não era o único que o considerava arrogante e despótico. Um depoimento fala-nos de sua “estudada rudeza” e diz que isso sugeria estar Beethoven “interpretando um papel”. O exterior defensivo mascarava uma frágil sensibilidade para as descortesias, reais ou imaginadas. Abandonaria ruidosamente um jantar aristocrático, tomado de intempestiva fúria, porque não lhe fora reservado assento na mesa principal. As atenções exageradas (ou falsas) perturbavam-no igualmente; numa ocasião, abandonou de súbito a casa de campo de um certo barão porque este o irritava “com sua excessiva delicadeza, e não suportava mais ser indagado, todas as manhãs, se estava passando bem”. Cherubini chamava-lhe “um urso grosseiro”; Goethe qualificou-se mais tarde como “uma personalidade profundamente bravia e insubmissa”.  Seus amigos mais chegados sofriam seus caprichos de humor e repentinas fúrias, as quais, na maioria das vezes, eram seguidas de expressões de ilimitado arrependimento. Seu mau gênio cruzava, ocasionalmente, a fronteira da violência física. Viram-no lançando ao rosto de um garçon uma entrée que não tinha pedido e cobrir uma governanta de ovos que ele achava terem-lhe sido servidos insuficientemente frescos.
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Fonte: Solomon, M. 1987 [1977]. Beethoven: vida e obra. RJ, Jorge Zahar.

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