Bilu
Augusto Meyer
Tu vais na cerração como o fantasma branco.
Levanta a gola – que frio!
O salgueiro se debruça para a sombra do teu vulto.
Rente do muro velho cresce a relva.
Tudo é puro como o sol vai nascer.
Verônica do amor eterno sinos sinos
da infância e a pandorga que soltavas lá no morro.
da infância e a pandorga que soltavas lá no morro.
Toda cidade acordava como um vale caiado.
Apito! as fábricas chamaram.
Clareia a névoa sobre o rio bocejo róseo.
Ladra ladra o guaipeca a bordo.
As ilhas nascem das águas:
ilhas ilhas perdidas, me chamo Robinson Crusoé,
ó ilhas, levai minhas mágoas,
ó águas, lavai minhas mágoas!
Ladra ladra o guaipeca a bordo.
As ilhas nascem das águas:
ilhas ilhas perdidas, me chamo Robinson Crusoé,
ó ilhas, levai minhas mágoas,
ó águas, lavai minhas mágoas!
Os leiteiros já passaram na rua vazia.
Olha o pão louro na vidraça como um sol.
A criadinha mulata namora o portuga.
Batem os tampos da carroça: pão!
Começa a bruxaria da luz em cada canto,
casas nascem, ruas crescem,
o morro tem sol mas tudo em torno está na sombra.
Fura a claridade a vela de um veleiro.
Balseiros se agacham para o mate matutino,
fizeram fogo na praia, mal se enxerga a chama.
Tu também estás preso na engrenagem, Bilu,
tua cabeça trabalha como um jogo de roldanas.
Vai tocando: o teu destino foi gravado na areia.
Tudo é poema, criança.
Você não sabe nada, felizmente:
saber é saber que não se sabe.
O minuano é muito mal educado.
Quem foi que ensinou as corruíras?
O veio d’água corre para o arroio...
Tudo é puro como as águas do alto-mar.
Ó terra terra
beijos polens respirações marés...
Cada gesto meu reproduz o milagre,
no pulso ouço bater a força obscura,
sou carregado na infinita adoração.
Porque eu não sei me emparedar.
Penso nas vidas que virão.
Quero o mal e quero o bem.
Quem botou esta luz irredutível nos meus olhos?
Manhã.
A estrela pálida morreu.
Manhã.
A estrela pálida morreu.
Fonte: Meyer, A. 2002. Melhores poemas de Augusto Meyer. SP,
Global. Poema publicado em livro em 1929.
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