22 dezembro 2013

Vida e evolução

Theodosius Dobzhansky

Um homem é constituído por aproximadamente sete octilhões (7 x 1027) de átomos, agrupados em cerca de dez trilhões (1013) de células. Essa aglomeração de células e átomos tem algumas propriedades assombrosas: é viva, experimenta alegria e sofrimento, discrimina entre belo e feio, distingue o bem do mal. Há muitas outras aglomerações vivas de átomos que pertencem a pelos menos dois ou talvez quatro milhões de espécies biológicas. O mais notável é que os indivíduos de cada uma dessas espécies são construídos de tal modo que são capazes de viver e de se reproduzir em ambientes determinados. Em outras palavras, cada espécie é adaptada a um certo modo de vida. Como isso aconteceu? Como é possível que aglomerações de átomos realizem todas essas coisas?

Dois tipos de respostas têm sido propostos. Os vitalistas admitem que os corpos vivos são formados por intervenções de forças ocultas, que têm recebido variados nomes: enteléquia (Aristóteles, Driesch), vis essentialis (C. F. Wolff), psiquê ou direcionalidade inerente (Sinnott). Os mecanicistas, por outro lado, alegam que todas as estruturas e processos biológicos são configurações altamente elaboradas de fenômenos físicos e químicos. A vida pode ser compreendida sem que seja necessário admitir poderes transcendentais.

Muitas vezes, porém nem sempre, o vitalismo concorda com o criacionismo, i.e.,  com a crença de que o mundo, como um todo, e as espécies vivas em particular, foram criados há alguns milhares de anos atrás [sic] e, desde então, permanecem essencialmente inalterados. Lamarck, Darwin e outros depois deles expuseram uma concepção diferente: o mundo vivo que hoje observamos foi modelado durante bilhões de anos de história evolutiva. Os organismos que vivem hoje evoluíram gradualmente de antepassados que, em geral, eram cada vez mais diferentes de seus descendentes à medida que remontamos a um passado cada vez mais remoto. Alguns vitalistas não negam a evolução, mas querem crer que ela seja guiada na direção de fins predestinados, por forças inescrutáveis. Darwin pensou de outro modo. Ele postulou a seleção natural como um processo que impele e dirige as mudanças evolutivas. As pesquisas posteriores justificaram, no conjunto, sua opinião. A seleção natural é um fenômeno estritamente biológico, no sentido de que é uma conseqüência da vida, e existe exclusivamente no mundo vivo. [...] A seleção natural é uma configuração de eventos físicos, dependente da vida e restrita à vida. Corpos vivos que evoluíram sob o controle da seleção natural podem ser descritos como máquinas, embora máquinas de um tipo muito especial. (Para um ponto de vista contrário, veja Polanyi 1968.)
[...]

Fonte: Dobzhansky, T. 1973 [1970]. Genética do processo evolutivo. SP, Polígono & Edusp.

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