Medusa de fogo
Cassiano Ricardo
A simples bulha surda
do meu coração batendo
poderá te acordar.
Mesmo a penugem da lua
que cai sobre o ombro nu
das árvores, tão de leve,
poderá te acordar.
A simples caída da bolha
d’água sobre a folha,
por ser fria como a neve,
poderá te acordar.
Só porque a rosa lembra
Só porque a rosa lembra
um grito vermelho,
retiro-a de diante do
espelho
porque – de tão rubra –
poderá te acordar.
E se nasce a manhã,
calço-lhe logo pés de lã,
porque ela, com seus
pássaros,
poderá te acordar.
Mesmo o meu maior silêncio,
Mesmo o meu maior silêncio,
o meu mudo pé-ante-pé,
de tão mudo que é,
não irá te acordar?
não irá te acordar?
Ó medusa de fogo,
conserva-te dormida.
Com o teu fogo ruivo e
meu,
qual monstruosa ferida.
Como data esquecida.
Como data esquecida.
Como aranha escondida
num ângulo da parede.
Como uma água-marinha
que morreu de sede.
E eu serei tão breve
que, um dia, deixarei
também, até de respirar,
para não te acordar.
Ó medusa de fogo,
dormida sob a neve!
Ó medusa de fogo,
dormida sob a neve!
Fonte: Ricardo, C. 2003. Melhores poemas de Cassiano Ricardo. SP, Global. Poema – com a dedicatória ‘A Cândido Mota Filho’ – publicado em livro em 1960.
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