Camões dirige-se aos seus contemporâneos
Jorge de Sena
Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras,
as imagens,
e também as metáforas, os
temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma
língua nova,
no entendimento de
outros, na coragem
de combater, julgar, de
penetrar
em recessos de amor para
que sois castrados.
E podereis depois não me
citar,
suprimir-me, ignorar-me,
aclamar até
outros ladrões mais
felizes.
Não importa nada: que o
castigo
será terrível. Não só
quando
vossos netos não souberem
já quem sois
terão de me saber melhor
ainda
do que fingis que não
sabeis,
como tudo, tudo o que
laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu
nome. E mesmo será meu,
tido por meu, contado
como meu,
até mesmo aquele pouco e
miserável
que, só por vós, sem
roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada:
nem os ossos,
que um vosso esqueleto
há-de ser buscado,
para passar por meu. E
para outros ladrões,
iguais a vós, de joelhos,
porem flores no túmulo.
Fonte: Silva, A. C. &
Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em
livro em 1963.
0 Comentários:
Postar um comentário
<< Home