01 maio 2014

Monólogo de um bisturi

Henrique Castriciano

“Primeiro o coração. Rasguemo-lo. Suponho
Que esta mulher amou: tudo está indicando
Que morreu por alguém este ser miserando,
Misto de Treva e Sol, de Maldade e de Sonho.

Isso não me comove: adiante! Risonho
Fere, nevado gume! e, ferindo e cortando,
Aço, mostra que tudo é lama e nada, quando
Sobre os homens desaba o Destino medonho...

Fere este braço grego! E as pomas cor de neve!
E as linhas senhoris que a pena não descreve!
E as delicadas mãos que o pó vai dissolver!

Mas poupa o ventre nu, onde repousa um feto:
Por que hás de macular o sono fundo e quieto
Desse verme feliz que morreu sem nascer?”

Fonte: Martins, W. 1978. História da inteligência brasileira, vol. 5. SP, Cultrix & Edusp. Poema – com a dedicatória ‘A Papi Junior’ – publicado em livro em 1903.

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