08 setembro 2015

Balada da neve

Augusto Gil

Il pleure dans mon coeur
Comme il pleut sur la ville.
Verlaine

Batem leve, levemente,
Como quem chama por mim...
Será chuva? Será gente?
Gente não é certamente
E a chuva não bate assim...

É talvez a ventania;
Mas há pouco, há poucochinho,
Nem uma agulha bulia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do caminho...

Quem bate assim levemente
Com tão estranha leveza,
Que mal se ouve, mal se sente?...
Não é chuva, nem é gente,
Nem é vento com certeza.

Fui ver. A neve caía
Do azul cinzento do céu
Branca e leve, branca e fria...
– Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e quando passa
Os passos imprime e traça
Na brancura do caminho...

Fico olhando esses sinais
Da pobre gente que avança
E noto, por entre os mais,
Os traços miniaturais
Duns pezitos de criança...

E descalcinhos, doridos...
A neve deixa inda vê-los
Primeiro bem definidos,
– Depois, em sulcos compridos,
Porque não podia erguê-los!...

Que quem já é pecador
Sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
Por que lhes dais tanta dor?!...
Por que padecem assim?!...

E uma infinita tristeza,
Uma funda turbação
Entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na natureza...
– E cai no meu coração.

Fonte (versos 14 e 15): Cunha, C. 1976. Gramática do português contemporâneo, 6ª edição. BH, Editora Bernardo Álvares. Poema – com a dedicatória ‘A Vicente Arnoso’ – publicado em livro em 1909.

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