18 setembro 2015

O mito do altruísmo

Robert A. Wallace

Jamais alguém fez qualquer coisa por qualquer outra pessoa. [...]

Anos atrás, quando eu estava brincando com a idéia de altruísmo (sem ter um nome para ela), abordei o assunto em uma classe de escola dominical. O assunto estava sendo discutido de maneira bastante vaga, com os habituais lugares comuns e gestos de concordância que precedem o jantar de domingo. Mas alguma coisa parecia não estar muito certa, por isso tentei definir os limites do fenômeno, levando-o a seus extremos. Imaginei um caso em que alguém poderia decidir quem iria para o Céu: ele próprio ou uma pessoa amada. (Como se pode ver, eu estava um pouco influenciado pela minha formação como fundamentalista sulino.) A pessoa não escolhida arderia eternamente no Inferno. Agora, para que ninguém pudesse colher recompensas ocultas, como os benefícios de aprovação ou os sentimentos de martírio, havia armadilhas. Uma vez tomada a decisão, a pessoa escolhida aparecia repentinamente no Céu, sem a menor lembrança de qualquer decisão, e a outra iria para o Inferno, absolutamente sem a menor idéia de como fora parar lá. De fato, uma vez tomada a decisão, a memória de todas as partes seria totalmente obliterada. Ninguém seria capaz de lembrar a existência de qualquer outra pessoa. Ademais, Deus de nada se lembraria a respeito. O prêmio e o castigo seriam definitivos. Não haveria remorso, nem consolos.

Perguntei, retoricamente, quantas pessoas seriam altruístas em tais condições e tenho de admitir que me causaram alguma surpresa a força e veemência das respostas lançadas em rancoroso coro. Uma pequena informação que pude tirar de tudo aquilo foi que, se decidisse ir para o Inferno dentro de uma proposição fantástica como aquela, um indivíduo desejaria o consolo de saber que a pessoa amada estava no Céu, lembrando que era querida por ele. A questão toda era mórbida demais para merecer algo além de passageira consideração por parte de qualquer um, mas eu achei que aprendi alguma coisa fazendo a pergunta. Primeiro, pessoas se tornam reflexamente irracionais na defesa de suas vacas sagradas; mas, ainda mais importante, fiquei sabendo (pelas poucas respostas racionais apresentadas) que altruísmo tem limites e graus. Comecei também a suspeitar que, quando alguma coisa dói, a pessoa deseja que doa em seu melhor interesse.
[...]

Fonte: Wallace, R. A. 1985 [1979]. Sociobiologia – O fator genético. SP, Ibrasa.

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