Do livro para internet e da internet para o livro
Joelma Santana Siqueira
LEÓN, F. Ponce de. Poesia contra a guerra. Viçosa: Ed. do
Autor, 2015.
O livro Poesia contra a guerra (2015) é uma
antologia de 100 poemas escritos em português por 100 escritores, em
comemoração aos nove anos do blogue que lhe é homônimo. O organizador do volume
e criador do blogue é o biólogo Felipe A. P. L. Costa, especializado em
entomologia e ecologia, colaborador regular no Observatório da Imprensa e autor do livro Ecologia, evolução & o valor das pequenas coisas, lançado em
segunda edição em 2014. Na antologia, ele assina F. Ponce de León, codinome
usado nos trabalhos dedicados à poesia e a outras artes. Essa breve introdução
visa destacar que se trata de um livro de poesia organizado por uma pessoa
cujos interesses de leitura transitam por diversas áreas de conhecimento. Não
se trata de um livro de poesia organizado por um crítico literário, mas por um
leitor atento à poesia e ao objeto livro.
O nome do blogue foi
explicado por León em uma postagem de 13 de novembro de 2006, exatamente um mês
depois do blogue ter ido ao ar:
é ao
mesmo tempo uma alusão e uma homenagem ao movimento Poets against the war. Desde o início, porém, o objetivo era não
apenas reunir poemas contra a guerra,
mas sim todo e qualquer material literário (“poesia”) que pudesse ser erguido
ou evocado contra a estupidez, a feiúra e a insanidade das guerras –
características que parecem acompanhar a história de nossa espécie desde o
passado mais remoto. Nesse sentido, caberia aqui um pedido de desculpas a todos
aqueles visitantes que vêm até aqui atrás apenas de “poemas sobre guerra”,
“poemas de guerra” ou assemelhados.
De fato, quem acessa o
blogue depara-se com poemas, letras de música, textos reflexivos de pensadores
diversos. Textos que, possivelmente, para León, distanciam o leitor do que é
destruição. Na antologia, o organizador selecionou apenas 100 poemas e os
dispôs em três partes de acordo com intervalos de tempo relacionados às datas
de nascimento dos autores: os nascidos antes de 1501; os nascidos entre 1501 e
1800; e os nascidos após 1800. As partes são quantitativamente desiguais, há
mais autores na segunda do que na primeira e muito mais na terceira do que na
segunda. O poema que abre a obra, “Ora faz ost’o senhor de Navarra”, como
informa León (2015, p. 7), “escrito nos primeiros anos do século 13 (talvez
antes)”, “seria o poema mais antigo que se conhece no âmbito da lírica
galego-portuguesa”. Como este, os poemas galegos ou portugueses arcaicos, sete
ao todo, foram vertidos para o português moderno no Apêndice da obra. As notas
de rodapé que acompanham cada poema apresentam informações sobre as fontes
consultadas e demonstram o zelo do organizador que, a outros critérios de
seleção, acrescentou esses três: “i) publicar apenas poemas originalmente escritos em português”; “ii)
selecionar um poema de cada autor”; e
“iii) incluir apenas autores cuja obra esteja em domínio público”.
A reunião dos poemas nas
três partes acima citadas permite-nos ler em conjunto poetas cronologicamente
próximos entre si. Por exemplo, na segunda parte, dedicada aos “Autores
nascidos entre 1501 e 1800”, encontram-se, em sequência, os poemas “Fermoso
Tejo meu, quão diferente”, de Francisco Rodrigues Lobo, e “Se queres ver do
mundo um novo mapa”, de Bernardo Viera Ravasco. Muitos leitores de poesia podem
lembrar-se sem dificuldade de dois outros poemas atribuídos a Gregório de
Matos, “Triste Bahia” e “Neste mundo é mais rico o que mais rapa”, respectivamente.
Na sequência, Gregório de Matos é o próximo poeta reunido nesta segunda parte,
com o poema “Desenganos da vida humana, metaforicamente”.
No contexto da poesia
seiscentista, a leitura de poemas de diferentes poetas contemporâneos entre si
permite-nos perceber com mais facilidade o que João Adolfo Hansen (2004, p. 32-3)
destacou sobre o que é mais estranho ao poeta desse período: “a originalidade
expressiva, sendo a sua invenção antes uma arte combinatória de elementos
coletivizados repostos numa forma aguda e nova que, propriamente, expressão de
psicologia individual ‘original’, representação realista-naturalista do
‘contexto’, ruptura estética com a tradição etc.”. Em Sátira e engenho, um estudo de fôlego sobre Gregório de Matos e a
Bahia do século XVII, cuja primeira edição é de 1989, Hansen recuperou poemas
atribuídos a outros escritores contemporâneos do poeta baiano, mas não é o que
se passa comumente em muitos livros que abordam a literatura produzida no
Brasil colonial e destacam Gregório de Matos como autor de uma poesia original
em nossas letras.
Ainda na segunda parte da
antologia de León, há poemas de autores consagrados, como José de Santa Rita
Durão e Cláudio Manuel da Costa, mas também de autores praticamente
desconhecidos, como os brasileiros José Elói Ottoni, Tenreiro Aranha e Domingo
Borges de Barros. Pode-se objetar que esses são autores “menores”, mas não se
pode negar a importância do conhecimento da poesia dos autores não consagrados
para o próprio desenvolvimento da historiografia literária. Nesse sentido, vale
muito a leitura do poema “Ao chegar à Bahia indo de New York”, de Domingos
Borges de Barros.
A terceira e mais
numerosa parte da antologia inicia-se com o poema “A dança dos partidos”, do
mineiro Correia de Almeida, e encerra-se com o poema “Sanatório”, do também
mineiro Ascânio Lopes. Essa parte contém um número maior de poetas esquecidos,
como o mineiro José Joaquim Correia de Almeida, a galega Rosália de Castro
Dias, o rio-grandense-do-sul Antônio Vicente da Fontoura Xavier, o alagoano
Sebastião Cícero Guimarães Passos e a norte-rio-grandense Auta de Souza etc.
Na antologia há muitos
poemas de poetas conhecidos, como Camões, Bocage, Gonçalves Dias, Olavo Bilac
etc. Mas, em alguns casos, nem sempre os poemas escolhidos são os mais
conhecidos do grande público. O interesse do organizador da antologia por
reunir poetas consagrados ao lado de outros esquecidos foi explicado,
ironicamente, com a citação de um trecho de Carolina Michaëlis na contracapa do
volume:
Daria
por bem empregados os meus esforços, se conseguisse dois intuitos: que cada
leitor, embora leia indiferente e por alto dezenas de poesias, pare comovido
diante de algumas; e que pouco a pouco a opinião pública se fixe naquelas que
merecem, de facto, a qualificação de obras-primas
da lírica portuguesa. Até hoje o aplauso unânime dos cultos ainda não consagrou
senão certos nomes de reputação
universal.
De minha parte, posso
dizer que a leitura dos poemas da antologia Poesia
contra a guerra, agradou-me bastante. Alguns poemas mais, outros menos, mas,
como já se disse por ai e eu concordei, “a poesia é a voz do dissonante, do
novo e do impossível”. E a tecnologia, se bem utilizada, não nos distancia da
leitura ou do livro, pelo contrário, pode nos aproximar deles.
Referência citada
HANSEN, J. A. Sátira e engenho: Gregório de Matos e a
Bahia do século XVII. São Paulo: Ateliê Editorial; Campinas: Ed. Unicamp,
2014.
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