Pelos 40 anos da morte de García Lorca
Claudio Willer
Eu vi pouca coisa nos
jornais & revistas sobre os 40 anos da morte de
García Lorca
algumas manifestações e
homenagens & uma notícia interessante (na Veja)
detalhando as
circunstâncias – só isso
o resto, notas esparsas
perdidas nos textos
quase ninguém lembrou
passou despercebido
ninguém quis lembrar
porque as pessoas não
querem mais lembrar
e desistiram de falar
pois esta é a era do
silêncio
silêncio de covas rasas e
túmulos lacrados e circunscritos
silêncio vigiado e preso
silêncio de poeiras há
pouco assentadas
pois todos estão mudos e
perplexos
alguns mortos incomodam
demais
e ninguém quer saber
ninguém quer ver
ninguém quer saber o que
tem a ver
apenas este silêncio
selado esponjoso grávido
de escorpiões &
maresias & tempos & memórias
& vítimas do fascismo
silêncio sem preces nem
retaliações
silêncio de palavras
costuradas
sexos guilhotinados
uivos espalhados pelas
madrugadas
silêncio fantasiado de
escafandrista
silêncio de pupilas
desorbitadas
tímpanos perfurados unhas
arrancadas
gritos em corredores
estreitos
jorros de silêncio
naufrágios de silêncio
silêncio de cascos
estilhaçados de tartaruga
desabando sobre o mundo
silêncio sobre o que foi
o que é
e o que se sabe
silêncio com endereço
certo e data marcada
silêncio vômito do tempo
e ejaculação precoce
silêncio de feltro
estiletes & punhais
dentro da noite
& anteparos &
mesas cirúrgicas
& corpos &
anêmonas & brônquios
& sangue
recém-coagulado pelas paredes
silêncio maior que o
mundo e mais pesado que o tempo
silêncio de eletrodos
& poções mágicas
silêncio de sorrisos
oblíquos
rostos cúmplices
olhares de viés
silêncio conivente e
sussurrado
silêncio fantasma à
cabeceira
passos de silêncio
atmosferas de silêncio
perseguições na quietude
do tempo presente
convulsões inesperadas
silêncio carregado de
alucinações
que nos perseguem
encapuzadas
silêncio de vértebras e
rins e palavras ocultas e soterradas
e vigiadas
junto ao corpo de
Federico García Lorca
assassinado por alcaguetes
e tropas fascistas
em um campo de Granada em
agosto de 1936
desde então ciosamente
guardado
por uns poucos fantasmas
carcomidos e fosforescentes
para que ninguém chegue
perto
e tenha a coragem de
romper o lacre
e soltar as palavras
a serem lançadas contra a
opacidade do mundo
... ... ... ... ... ...
... ... ... ...
e acharam tudo muito
bonito
gostaram demais dos
textos
de fato, era um grande
poeta
e ficou por isso mesmo
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