Exausta
Maria Alberta Menéres
Exausta à beira do
remorso à beira
do rio do remorso do silêncio
do roxo da montanha do
remorso
da folha de combate mesmo
à sombra
da planta do remorso venenível
da água enfeitiçada onde
mais dura
e escura há uma areia do
remorso
Magoadamente às vezes não
sei quando
talvez porque de leve as
vozes voltam
ao quarto do remorso e
sem remorso
escutam a cor tranquila do
quadrado
removido de noite para a
chuva
e aberto nos meus olhos
sem remorso
Magoadamente às vezes não
sei quando
remo remo no dorso do remorso
A distância é um grito do
avesso
decomponho o minuto em
trinta passos
e de novo de súbito o primeiro
segundo movimento
despenhando
o sangue do remorso já na curva
veia obscura obcecada do
remorso
e a certeza inútil: hino
útil
de agora ter o alimento
humano
o braço o breve a sede o leite nervo
do remorso excessivo de
mais nada
de ser até demais dizer
de nada
– o nada certo e lento no
entanto
dor ou solstício e no
entanto a dor
do sol do estio
do vestígio
magoadamente às vezes não
sei quando
Fonte: Silva, A. C. &
Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em
livro em 1978.
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