08 março 2017

Exausta

Maria Alberta Menéres

Exausta à beira do remorso   à beira
do rio do remorso   do silêncio
do roxo da montanha do remorso
da folha de combate mesmo à sombra
da planta do remorso   venenível
da água enfeitiçada onde mais dura
e escura há uma areia do remorso
Magoadamente às vezes não sei quando
talvez porque de leve as vozes voltam
ao quarto do remorso e sem remorso
escutam a cor tranquila do quadrado
removido de noite para a chuva
e aberto nos meus olhos sem remorso
Magoadamente às vezes não sei quando
remo   remo no dorso do remorso
A distância é um grito do avesso
decomponho o minuto em trinta passos
e de novo   de súbito o primeiro
segundo movimento despenhando
o sangue do remorso   já na curva
veia obscura obcecada do remorso
e a certeza inútil: hino útil
de agora ter o alimento humano
o braço o breve  a sede o leite nervo
do remorso excessivo de mais nada
de ser até demais dizer de nada
– o nada certo e lento no entanto
dor ou solstício e no entanto a dor
do sol   do estio   do vestígio
magoadamente às vezes não sei quando

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1978.

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