Os metalúrgicos e eu
Henfil
São Paulo, 16 de abril de 1980.
Mãe,
A senhora já viu Kramer X Kramer? Eu vou ver se pego a sessão das 8 pra poder depois assistir Sacco e Vanzetti na das 10. Tranquilo, porque os metalúrgicos estão reivindicando por mim.
Arrumei minha estante e separei um livro de Reich e dois romances policiais pra ler neste fim de semana. Claro que vai dar tempo. Os metalúrgicos estão em greve por mim.
Segunda-feira vai ter um concerto de jazz com um grupo de reggae quentíssimo. Vai estar lotadíssimo. Acho que vou conseguir lugar. Tudo bem, os metalúrgicos estão fazendo piquete por mim.
Terça tenho transa do corpo e aula de dança das 9 às 11. Vou ficar podre. Tomo banho e cama. Os metalúrgicos estão fazendo vigília no sindicato por mim.
Quarta deve ter algum jogão na Taça de Ouro. Vou ficar de plantão, na última hora a Bandeirantes sempre transmite. Relax: os metalúrgicos estão sendo presos por mim.
Quinta nobre é Chico City. Não sei se fico ou se vou ver um debate sobre os novos partidos lá no Tuca. Bom, se não der pra ir, encontro o pessoal depois lá no Bar Bosa prum chope com filé. Lembrar de embrulhar o que sobrar, porque os metalúrgicos estão passando fome há 25 dias por mim.
Sexta-feira é dia de pagamento. Se não saiu o reajuste de 15%, nem minha estabilidade no emprego, nem 100% por hora extra... êpa! É porque os metalúrgicos não lutaram direito por mim.
Fonte: Henfil. 1980. Cartas da mãe. RJ, Codecri.
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