O visionário
Gilberto Mendonça Teles
E vai a sombra da cruz
se projetou no horizonte
e veio vindo nos campos,
roçando estradas e rios,
aplainando num só corpo
as depressões e montanhas
e endireitando as veredas
e os caminhos.
Sombra imensa
que foi desfazendo as trevas,
serrando troncos cansados,
cegando os olhos das feras,
abrindo os olhos das aves
e as cobras todas queimando,
multiplicando os insetos
e os frutos multiplicando,
fazendo peixe das folhas
e nas pedras assoprando
um pensamento de amor.
Então as pedras tremeram,
se levantaram cantando
e foram seguindo o rumo
da sombra que se afastava
para o seu rumo nenhum.
Mas quando a sombra chegou
à linha-d’água da praia
e como um pássaro leve
se deslizou pelo mar,
o vento que não soprava
se pôs furioso a soprar
e as águas que eram um só corpo
tiveram que separar-se:
um grande túnel de vidro
foi devorando o silêncio
da sombra que se entregava
pousando o braço direito
nos ombros da humanidade
Fonte: Pinto, J. N. 2004. Os cem melhores poetas brasileiros do século, 2ª edição. SP, Geração Editorial. Poema publicado em livro em 1962.
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