Poema
Nuno Júdice
Os poetas a quem a morte surpreende,
quando jovens, juntam-se
algures noutra superfície.
De noite, os seus uivos
atingem o celeste rebordo
da esfera; um ouvido mais
atento distinguirá,
de entre os mil ruídos da
temível noite,
o seu coro de imprecação
e choro.
De dia, adormecidos sob a
terra, dissolvem-se
na humildade e nas
raízes. Só os seus olhos,
na feroz abertura das
pálpebras, ainda brilham
e mexem. No entanto, se
alguma imagem da passada
vida os atormenta e obceca,
tornam-se baixos
e baços. Uma escura
lágrima cai em terra,
e o lodo assim formado me
serve de alimento.
Os meus lábios e a minha
língua adquirem
a sua consistência, e o
meu corpo lamacento
volta-se para baixo, de
onde surge um barulho
de mãos e de pés,
um barulho de vento nos
órgãos vazios.
Fonte: Silva, A. C. &
Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em
livro em 1975.
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