09 julho 2014

Do idiota

Henriqueta Lisboa

1.
Os olhos são da infância, os mesmos:
lagos com reflexos de arco-íris.
Luas crescentes de surpresa
pelos vergeis que iluminam.

Oásis tenros que esperam
– talvez há séculos – o instante
de serem colhidas as tâmaras
que nem os anjos percebem.

Como a lâmpada de Aladino
contra as lufadas acesa,
os olhos guardam a inocência
suspensa por sobre o abismo.

2.
As mãos pousam no ombro amigo.
Ó doce fluido magnético!
Acenos de trigal ao zéfiro;
auras do círculo infinito

no qual em rosas a água e o fogo,
o céu e a terra se entrelaçam;
guirlandas contornam mares,
névoas desprendem chuvas de ouro.

As mãos ignoram que profundas
garras possui a carícia.
Como pesaria uma pluma
sobre o espírito!

3.
O peito é como o dos pássaros
procurando repouso.
Uma cruz esconde o tesouro
de pérola, magnólia e nácar.

Ergue-se um punhal contra o peito:
violino sob o toque do arco
arqueja e desfere os jactos
um trinado mais célere.

A que imprevisíveis mundos
poderá conduzir,
pássaro nas grades, a tua
música para víboras!

Fonte: Lisboa, H. 2001. Melhores poemas. SP, Global. Poema publicado em livro em 1958.

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