11 janeiro 2015

Um poder sem precedentes

Bertrand Jordan

Acordei com um troar surdo. Em algum lugar no alto-mar, uma ventania levantou violentas ondas cuja ressaca vem bater nos rochedos, um pouco abaixo de mim. Deitado acima do mar invisível, animalzinho frágil feito de carne, osso e sangue, sinto-me bem pequeno na noite imensa. O mundo dos homens, meu mundo, me parece bem distante, como se eu estivesse perdido no infinito do espaço e do tempo... Isso não passa de uma ilusão, meus semelhantes estão bem próximos, e seu poderio só faz aumentar... Eu mesmo contribuí para ele, sem necessariamente avaliar na época tudo o que estava em jogo.

Pois há bem pouco tempo acrescentamos a nossos poderes materiais o poder de intervir no ser vivo. Não nos contentamos mais em ler as mensagens inscritas no DNA, em destrinçar os mecanismos que animam a célula: aprendemos a modificar o genoma dos organismos. Na verdade, esses métodos, designados sob o nome global de engenharia genética, foram inicialmente utilizados com fins de pesquisa de base: foi recortando o DNA humano em fragmentos, isolando cada um deles numa bactéria, que conseguimos, a partir de meados dos anos 1970, proceder a seu estudo aprofundado; foi assim que isolei e depois decifrei ‘meu’ gene de histocompatibilidade... Mas essas técnicas também são empregadas na realização de verdadeiras ‘manipulações genéticas’: extração de um gene no DNA de uma espécie, seguida de sua inserção no genoma de uma outra a fim de conferir propriedades novas ao organismo transgênico assim obtido. Sabemos que a transferência de genes não é um fenômeno inédito: há milhões de anos essas trocas são produzidas no interior das espécies ou entre espécies vizinhas, e às vezes até mesmo entre reinos diferentes, bactérias e plantas, por exemplo. Os genomas, ao contrário do que se pensava ainda recentemente, dão com freqüência provas de plasticidade, os genes ‘saltam’, se inserem, se mutilam, são transportados por vírus...
[...]

Fonte: Jordan, B. 2003. O espetáculo da evolução. RJ, Jorge Zahar.

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