19 setembro 2015

Non me posso pagar tanto

Afonso X

Non me posso pagar tanto
            do canto
das aves, nen de seu son,
nen damor nen d’am[b]içon,
nen d’armas – ca ei espanto,
            por quanto
mui [mui] perigosas son –
come d’un bon galeon,
que m-alongu’e muit’aginha
d’este demo da Campinha
u os alacrães son.
Ca dentro no coraçon
senti d’eles a espinha!

E juro, par Deus lo santo,
            que manto
non tragerei nen granhon,
nen terrei d’amor razon,
nen d’armas – porque quebranto
            e chanto
ven d’elas ced’a sazon –
mais tragerei un dormon,
e irei pela marinha,
vendend’azeit’e farinha;
e fugirei do ponçon
do alacran, ca eu non
mi sei outra meezinha.

Nen de lançar a tav(o)lado
            pagado
non sõo, se Deus m’ampar,
oimais, nen de bafordar.
O andar de nout(e) armado,
            sen grado
o faço et o roldar!
Ca mais me pago do mar
que de seer cavaleiro,
ca eu foi ja marinheiro
e quero-m’oimais guardar
do alacran encontrar
que me foi [picar] primeiro.

E direi-vus un recado:
            pecado
ja mais me pod’enganar
que me faça ja falar
en armas, ca non m’é dado.
            Doado
m’é de ar én razõar,
pois las non ei de provar.
Ante quer’andar sinlheiro
e ir come mercadeiro
algũa terra buscar
u me non possan culpar
alacran negro nen veiro.

Fonte: Vasconcelos, CM. 2004 [1904]. Glosas marginais ao cancioneiro medieval português de Carolina Michaëlis de Vasconcelos. Coimbra, Acta Universitatis Conimbrigensis. Poema datado de meados do século 13.

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