Queixas noturnas
Augusto dos Anjos
Quem foi que viu a minha
Dor chorando?!
Saio. Minh’alma sai
agoniada.
Andam monstros sombrios
pela estrada
E pela estrada, entre
estes monstros, ando!
Não trago sobre a túnica
fingida
As insígnias medonhas do
infeliz
Como os falsos mendigos
de Paris
Na atra rua de Santa
Margarida.
O quadro de aflições que
me consomem
O próprio Pedro Américo
não pinta...
Para pintá-lo, era
preciso a tinta
Feita de todos os
tormentos do homem!
Como um ladrão sentado
numa ponte
Espera alguém, armado de
arcabuz,
Na ânsia incoercível de
roubar a luz,
Estou à espera de que o
Sol desponte!
Bati nas pedras dum
tormento rude
E a minha mágoa de hoje é
tão intensa
Que eu penso que a
Alegria é uma doença
E a Tristeza é minha
única saúde.
As minhas roupas, quero
até rompê-las!
Quero, arrancado das
prisões carnais.
Viver na luz dos astros
imortais,
Abraçado com todas as
estrelas!
A Noite vai crescendo
apavorante
E dentro do meu peito, no
combate,
A Eternidade esmagadora
bate
Numa dilatação
exorbitante!
E eu luto contra a
universal grandeza
Na mais terrível
desesperação
É a luta, é o prélio
enorme, é a rebelião
Da criatura contra a
natureza!
Para essas lutas uma vida
é pouca
Inda mesmo que os músculos
se esforcem;
Os pobres braços do
imortal se torcem
E o sangue jorra, em
coalhos, pela boca.
E muitas vezes a agonia é
tanta
Que, rolando dos últimos
degraus,
O Hércules treme e vai
tombar no caos
De onde seu corpo nunca
mais levanta!
É natural que esse
Hércules se estorça,
E tombe para sempre
nessas lutas,
Estrangulado pelas rodas
brutas
Do mecanismo que tiver
mais força.
Ah! Por todos os séculos
vindouros
Há de travar-se essa
batalha vã
Do dia de hoje contra o
de amanhã,
Igual à luta dos cristãos
e mouros!
Sobre histórias de amor o
interrogar-me
É vão, é inútil, é
improfícuo, em suma;
Não sou capaz de amar
mulher alguma
Nem há mulher talvez
capaz de amar-me.
O amor tem favos e tem
caldos quentes
E ao mesmo tempo que faz
bem, faz mal;
O coração do Poeta é um
hospital
Onde morreram todos os
doentes.
Hoje é amargo tudo quanto
eu gosto;
A bênção matutina que
recebo...
E é tudo: o pão que como,
a água que bebo,
O velho tamarindo a que
me encosto!
Vou enterrar agora a
harpa boêmia
Na atra e assombrosa
solidão feroz
Onde não cheguem o eco
duma voz
E o grito desvairado da
blasfêmia!
Que dentro de minh’alma
americana
Não mais palpite o
coração – esta arca,
Este relógio trágico que
marca
Todos os atos da tragédia
humana! –
Seja esta minha queixa
derradeira
Cantada sobre o túmulo de
Orfeu;
Seja este, enfim, o
último canto meu
Por esta grande noite
brasileira!
Melancolia! Estende-me a
tua asa!
És a árvore em que devo
reclinar-me...
Se algum dia o Prazer
vier procurar-me
Diz a este monstro que eu
fugi de casa!
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