Mamãe faz (sempre) o melhor?
Felipe A. P. L. Costa
Os insetos da ordem
Lepidoptera (~ 150 mil espécies, das quais uns 10 % são borboletas e os 90% restantes,
mariposas) são ditos holometábolos. Insetos
holometábolos exibem um ciclo de vida complexo, durante o qual atravessam estágios
distintos: ovo, larva (chamada lagarta, no caso dos lepidópteros), pupa e
adulto. Em muitas espécies de lepidópteros, o estágio adulto é relativamente breve,
enquanto a duração somada dos estágios imaturos (ovo, larva, pupa) chega a
ocupar mais de 75% de todo o ciclo de vida.
O estágio larval é a
principal fase de alimentação e crescimento; em alguns casos, parte do alimento
estocado pela larva é gasto pelo adulto, sendo este incapaz de se alimentar (adultos
podem ser desprovidos de aparelho bucal). Larvas de lepidópteros são majoritariamente
folívoras, alimentando-se de tecidos foliares de determinadas espécies de plantas;
os adultos costumam ingerir alimentos líquidos (e.g., néctar) ou pastosos
(e.g., frutos em decomposição).
O xis da questão aqui
seria o seguinte: como as larvas são relativamente imóveis, não podendo
percorrer grandes distâncias, principalmente quando recém-eclodidas, são as
fêmeas grávidas que devem colocar seus ovos sobre uma planta hospedeira
adequada – i.e., uma planta que ela mesma não consome, mas que deve servir de
alimento e abrigo temporário para a sua prole. A distribuição dos imaturos na
vegetação, portanto, é determinada em boa medida pelo comportamento de oviposição
das fêmeas grávidas.
Sítios de oviposição
De modo geral, as
evidências sugerem que as mães procuram e selecionam ativamente por sítios de
oviposição adequados para a sobrevivência e o crescimento da prole. Em alguns
casos, porém, há certo descompasso entre as plantas escolhidas pela mãe e o
desempenho dos imaturos, o que gerou uma série de controvérsias e, o mais
importante, motivou uma série de estudos e abordagens novas sobre o assunto.
A sequência de
comportamentos que leva uma fêmea grávida à oviposição pode ser dividida em
três etapas: (1) procura de um
hábitat adequado; (2) procura de
plantas hospedeiras potenciais; e, por fim, (3) avaliação da ‘capacidade de suporte’ de hospedeiras individuais.
A visão parece
desempenhar o papel mais importante nas duas primeiras etapas, tanto na
avaliação de características gerais do hábitat como para guiar a fêmea em
direção a objetos de cores e formas particulares. Fêmeas de algumas espécies
formam imagens de procura da planta hospedeira,
concentrando assim sua atenção apenas em uma ou outra espécie mais abundante.
Isso encurta o tempo de procura e avaliação, elevando as chances de a fêmea encontrar
plantas mais vulneráveis na população de hospedeiras. A importância da química
foliar, durante a etapa final de avaliação, parece ser um fenômeno geral e
bem-estabelecido, embora seu papel nas duas primeiras etapas ainda não esteja
muito claro.
Após o encontro de uma hospedeira
potencial, a decisão final de colocar ou não ovos sobre a planta pode ainda ser
influenciada por uma série de fatores, incluindo o porte da planta, o grau de
senescência ou depauperação de suas partes, a vegetação circundante, a presença
de coespecíficos, a presença de inimigos naturais ou a presença de parceiros
mutualistas. Ademais, o comportamento de oviposição pode ser afetado também por
fatores internos, como a experiência pregressa e a quantidade de oócitos
maduros que as fêmeas carregam.
Uma combinação particular
desses fatores vai determinar o grau de
adequabilidade de uma planta hospedeira para uma fêmea em particular. Duas
ou mais espécies de plantas quase sempre diferem entre si quanto ao grau de
adequabilidade como hospedeiras para os descendentes de uma mesma borboleta e,
por isso, podem ser classificadas em uma hierarquia de adequabilidade. Se essas
diferenças são consistentes e afetam de modo significativo o crescimento e a
sobrevivência dos imaturos, elas então podem ser convertidas em pistas confiáveis, as quais então passarão
a ser utilizadas pelas fêmeas grávidas no processo de seleção do sítio de
oviposição.
Coda
As diferenças nas
preferências de oviposição entre populações de uma mesma espécie ou até entre
borboletas de uma mesma população podem ser grandes e significativas. Tal variabilidade,
no entanto, abrange ao menos dois componentes: (1) diferenças na ordem hierárquica de aceitação das plantas hospedeiras,
que é a ordem em que as plantas são aceitas quando uma fêmea grávida procura
por sítios de oviposição; e (2)
diferenças nos limites de aceitação das plantas hospedeiras (= especificidade),
que podem ser quantificados pelo intervalo de tempo durante o qual uma planta é
aceita, em detrimento de plantas em níveis hierárquicos inferiores.
A ordem hierárquica e a
especificidade podem ser consideradas como os componentes pré-pouso da preferência. No cômputo final, os componentes
pré-pouso, interagindo com o comportamento pós-pouso das fêmeas e mais a
distribuição e a abundância relativa de diferentes espécies de hospedeiras, determinam
o uso efetivo das plantas presentes em um hábitat.
Como se vê, a vida de uma
mãe – mesmo quando estamos a falar de borboletas – é repleta de demandas, muitas
das quais conflitantes entre si...
Fonte (extraído e adaptado de): Costa, F. A. P. L.
2004. Plantas hospedeiras, insetos folívoros e o terceiro nível trófico. (Manuscrito
disponível aqui.)
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