13 maio 2018

Mamãe faz (sempre) o melhor?

Felipe A. P. L. Costa

Os insetos da ordem Lepidoptera (~ 150 mil espécies, das quais uns 10 % são borboletas e os 90% restantes, mariposas) são ditos holometábolos. Insetos holometábolos exibem um ciclo de vida complexo, durante o qual atravessam estágios distintos: ovo, larva (chamada lagarta, no caso dos lepidópteros), pupa e adulto. Em muitas espécies de lepidópteros, o estágio adulto é relativamente breve, enquanto a duração somada dos estágios imaturos (ovo, larva, pupa) chega a ocupar mais de 75% de todo o ciclo de vida.

O estágio larval é a principal fase de alimentação e crescimento; em alguns casos, parte do alimento estocado pela larva é gasto pelo adulto, sendo este incapaz de se alimentar (adultos podem ser desprovidos de aparelho bucal). Larvas de lepidópteros são majoritariamente folívoras, alimentando-se de tecidos foliares de determinadas espécies de plantas; os adultos costumam ingerir alimentos líquidos (e.g., néctar) ou pastosos (e.g., frutos em decomposição).

O xis da questão aqui seria o seguinte: como as larvas são relativamente imóveis, não podendo percorrer grandes distâncias, principalmente quando recém-eclodidas, são as fêmeas grávidas que devem colocar seus ovos sobre uma planta hospedeira adequada – i.e., uma planta que ela mesma não consome, mas que deve servir de alimento e abrigo temporário para a sua prole. A distribuição dos imaturos na vegetação, portanto, é determinada em boa medida pelo comportamento de oviposição das fêmeas grávidas.

Sítios de oviposição

De modo geral, as evidências sugerem que as mães procuram e selecionam ativamente por sítios de oviposição adequados para a sobrevivência e o crescimento da prole. Em alguns casos, porém, há certo descompasso entre as plantas escolhidas pela mãe e o desempenho dos imaturos, o que gerou uma série de controvérsias e, o mais importante, motivou uma série de estudos e abordagens novas sobre o assunto.

A sequência de comportamentos que leva uma fêmea grávida à oviposição pode ser dividida em três etapas: (1) procura de um hábitat adequado; (2) procura de plantas hospedeiras potenciais; e, por fim, (3) avaliação da ‘capacidade de suporte’ de hospedeiras individuais.

A visão parece desempenhar o papel mais importante nas duas primeiras etapas, tanto na avaliação de características gerais do hábitat como para guiar a fêmea em direção a objetos de cores e formas particulares. Fêmeas de algumas espécies formam imagens de procura da planta hospedeira, concentrando assim sua atenção apenas em uma ou outra espécie mais abundante. Isso encurta o tempo de procura e avaliação, elevando as chances de a fêmea encontrar plantas mais vulneráveis na população de hospedeiras. A importância da química foliar, durante a etapa final de avaliação, parece ser um fenômeno geral e bem-estabelecido, embora seu papel nas duas primeiras etapas ainda não esteja muito claro.

Após o encontro de uma hospedeira potencial, a decisão final de colocar ou não ovos sobre a planta pode ainda ser influenciada por uma série de fatores, incluindo o porte da planta, o grau de senescência ou depauperação de suas partes, a vegetação circundante, a presença de coespecíficos, a presença de inimigos naturais ou a presença de parceiros mutualistas. Ademais, o comportamento de oviposição pode ser afetado também por fatores internos, como a experiência pregressa e a quantidade de oócitos maduros que as fêmeas carregam.

Uma combinação particular desses fatores vai determinar o grau de adequabilidade de uma planta hospedeira para uma fêmea em particular. Duas ou mais espécies de plantas quase sempre diferem entre si quanto ao grau de adequabilidade como hospedeiras para os descendentes de uma mesma borboleta e, por isso, podem ser classificadas em uma hierarquia de adequabilidade. Se essas diferenças são consistentes e afetam de modo significativo o crescimento e a sobrevivência dos imaturos, elas então podem ser convertidas em pistas confiáveis, as quais então passarão a ser utilizadas pelas fêmeas grávidas no processo de seleção do sítio de oviposição.

Coda

As diferenças nas preferências de oviposição entre populações de uma mesma espécie ou até entre borboletas de uma mesma população podem ser grandes e significativas. Tal variabilidade, no entanto, abrange ao menos dois componentes: (1) diferenças na ordem hierárquica de aceitação das plantas hospedeiras, que é a ordem em que as plantas são aceitas quando uma fêmea grávida procura por sítios de oviposição; e (2) diferenças nos limites de aceitação das plantas hospedeiras (= especificidade), que podem ser quantificados pelo intervalo de tempo durante o qual uma planta é aceita, em detrimento de plantas em níveis hierárquicos inferiores.

A ordem hierárquica e a especificidade podem ser consideradas como os componentes pré-pouso da preferência. No cômputo final, os componentes pré-pouso, interagindo com o comportamento pós-pouso das fêmeas e mais a distribuição e a abundância relativa de diferentes espécies de hospedeiras, determinam o uso efetivo das plantas presentes em um hábitat.

Como se vê, a vida de uma mãe – mesmo quando estamos a falar de borboletas – é repleta de demandas, muitas das quais conflitantes entre si...

Fonte (extraído e adaptado de): Costa, F. A. P. L. 2004. Plantas hospedeiras, insetos folívoros e o terceiro nível trófico. (Manuscrito disponível aqui.)

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