11 maio 2018

A reportagem sobre o general

José Nilo Tavares

Eu era pesquisador do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) e repórter político do Binômio. Em novembro de 1961, trocando opinião com o chefe de reportagem do jornal, Guy de Almeida, meu amigo e ex-colega de turma na Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, ficou resolvido que eu faria uma matéria sobre a atuação do general João Punaro Bley, comandante da ID-4 de Belo Horizonte, e, portanto, comandante de todas as unidades militares federais sediadas na capital, que tinha sido francamente hostil à posse do vice-presidente, João Goulart no lugar do ex-presidente Jânio Quadros, quando este renunciara poucos meses antes. O ex-interventor do Estado Novo no Espírito Santo já estava em plena campanha golpista contra o Governo Goulart e o ‘perigo comunista’, o que resultaria no movimento de 64.

Tomei o avião para o Rio e ali me encontrei com alguns amigos militares e também visitei o grande historiador Nélson Werneck Sodré, um especialista em história militar. A partir desses contatos comecei a levantar a chamada ‘vida pregressa’ do general, tendo obtido endereços de pessoas no estado do Espírito Santo, contemporâneas da interventoria de Bley e testemunhas das violências praticadas por ele contra seus adversários políticos, principalmente [os] de posições progressistas.

Em Vitória entrevistei várias daquelas pessoas, pesquisei os arquivos públicos da cidade, li jornais da década de 30 e alguns livros importantes para meu trabalho, como o recém-editado Vargas, o maquiavélico, do escritor Afonso Henriques. Retornei ao Rio, conferi as informações e ainda ouvi outras fontes comprovando o passado antidemocrático do general.

Retornando a Minas, acertei com o Guy os detalhes da reportagem, tendo tido toda a liberdade para sua redação. Ficou acertado também que, por resguardo de minha integridade pessoal, a matéria não seria assinada.

Principiei o trabalho evocando trecho da fala do general Bley numa conferência pronunciada na Associação Comercial, em Belo Horizonte, na qual – junto com clara pregação golpista – ele afirmava que a memória do povo era curta, referindo-se ao movimento comunista de 1935. Reptei, observando que não era tão curta assim, tanto que o povo capixaba, passados vinte anos da ditadura estado-novista, lembrava-se perfeitamente das arbitrariedades cometidas por ele contra seus adversários políticos.

As consequências da reportagem, de repercussão internacional, estão registradas pela história. Se me fosse dado retornar ao passado, aos idos de 1961, reescreveria aquela matéria, que resultou em anos de exílio para os responsáveis pelo Binômio e dura clandestinidade para o repórter depois do golpe de 64? Creio que sim, como creio que a luta pela verdade e pelo direito de livre manifestação do pensamento e das ideias sempre vale a pena ser travada.

Fonte: Rabêlo, J. M. 1997. Binômio: edição histórica. BH, Armazém de Idéias & Barlavento Grupo Editorial.

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