A reportagem sobre o general
José Nilo Tavares
Eu era pesquisador do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) e
repórter político do Binômio. Em
novembro de 1961, trocando opinião com o chefe de reportagem do jornal, Guy de Almeida, meu amigo e ex-colega de turma na Faculdade de Ciências Econômicas da
UFMG, ficou resolvido que eu faria uma matéria sobre a atuação do general João
Punaro Bley, comandante da ID-4 de Belo Horizonte, e, portanto, comandante de
todas as unidades militares federais sediadas na capital, que tinha sido
francamente hostil à posse do vice-presidente, João Goulart no lugar do
ex-presidente Jânio Quadros, quando este renunciara poucos meses antes. O
ex-interventor do Estado Novo no Espírito Santo já estava em plena campanha
golpista contra o Governo Goulart e o ‘perigo comunista’, o que resultaria no
movimento de 64.
Tomei o avião para o Rio e ali me encontrei com alguns amigos militares e
também visitei o grande historiador Nélson Werneck Sodré, um especialista em
história militar. A partir desses contatos comecei a levantar a chamada ‘vida
pregressa’ do general, tendo obtido endereços de pessoas no estado do Espírito
Santo, contemporâneas da interventoria de Bley e testemunhas das violências
praticadas por ele contra seus adversários políticos, principalmente [os] de
posições progressistas.
Em Vitória entrevistei várias daquelas pessoas, pesquisei os arquivos
públicos da cidade, li jornais da década de 30 e alguns livros importantes para
meu trabalho, como o recém-editado Vargas,
o maquiavélico, do escritor Afonso Henriques. Retornei ao Rio, conferi as
informações e ainda ouvi outras fontes comprovando o passado antidemocrático do
general.
Retornando a Minas, acertei com o Guy os detalhes da reportagem, tendo tido
toda a liberdade para sua redação. Ficou acertado também que, por resguardo de
minha integridade pessoal, a matéria não seria assinada.
Principiei o trabalho evocando trecho da fala do general Bley numa
conferência pronunciada na Associação Comercial, em Belo Horizonte, na qual –
junto com clara pregação golpista – ele afirmava que a memória do povo era
curta, referindo-se ao movimento comunista de 1935. Reptei, observando que não
era tão curta assim, tanto que o povo capixaba, passados vinte anos da ditadura
estado-novista, lembrava-se perfeitamente das arbitrariedades cometidas por ele
contra seus adversários políticos.
As consequências da reportagem, de repercussão internacional, estão
registradas pela história. Se me fosse dado retornar ao passado, aos idos de
1961, reescreveria aquela matéria, que resultou em anos de exílio para os
responsáveis pelo Binômio e dura clandestinidade
para o repórter depois do golpe de 64? Creio que sim, como creio que a luta
pela verdade e pelo direito de livre manifestação do pensamento e das ideias
sempre vale a pena ser travada.
Fonte: Rabêlo, J. M. 1997. Binômio: edição histórica. BH, Armazém de Idéias & Barlavento Grupo Editorial.
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