26 setembro 2018

A antiguidade das interações

Stefan Cunha Ujvari

O termo ‘globalização dos microrganismos’ ganhou importância nos últimos anos. A população se deu conta de que, com a aviação, um doente pode dar a volta ao redor do mundo em período curto de tempo. Com isso, as epidemias se disseminariam pelo planeta com maior facilidade. A pneumonia asiática de 2003 partiu do Sudeste Asiático e alcançou a Europa e a América. O mundo prendeu a respiração diante do receio de uma epidemia globalizada. As manchetes dos jornais da imprensa escrita e falada não pouparam espaços para tal epidemia. Hoje, as notícias enfocam a ‘gripe aviária’. Esperamos uma nova pandemia mundial de gripe a qualquer momento. Teríamos então uma epidemia mundial semelhante à ‘gripe espanhola’ de 1918. Atualmente, a velocidade de disseminação global de uma epidemia seria surpreendente. Porém, podemos contar outra história de globalização das epidemias que vem ocorrendo há muito mais tempo e de maneira despercebida. Iniciou-se desde o nosso nascimento na África e perdura até os dias atuais. Sua velocidade lenta e progressiva depende da locomoção humana. No início caminhava a passos lentos, mas, nas últimas décadas, ganhou velocidade.

Os primeiros hominíneos ancestrais do homem moderno surgiram em algum momento há sete milhões de anos. A ciência aponta a África como local de origem desses primeiros bípedes. Separaram-se do animal ancestral que originaria a linhagem dos chimpanzés. O estudo do material genético dos micro-organismos mostra que os primeiros hominíneos não estavam sós. Vírus ancestrais do herpes labial e genital humano os acompanhavam e saltaram para as próximas espécies que surgiriam enquanto as anteriores se extinguiam. Os vírus seguiam firmes nas novas espécies emergentes. Saltaram e evoluíram nos Australophitecus, nos Homo erectusH. ergasterH. habilis e assim por diante, até chegarem ao homem moderno africano. A posição ereta e bípede, característica dos hominíneos, fez o herpes vírus presente nos genitais se isolar geograficamente dos labiais. As posteriores mutações diferenciaram geneticamente os herpes labiais e genitais encontrados hoje em dia. Cálculos realizados nas diferenças genéticas desses dois tipos de vírus herpes chegaram a uma forma inicial de vírus há oito milhões de anos, muito próxima do surgimento dos primeiros bípedes que a transportavam.

Aquele animal ancestral comum aos chimpanzés e humanos apresentava vírus herpes que também foi transferido para a linhagem originária dos chimpanzés. Hoje, esses primatas também apresentam seus herpes em lábios e genitais geneticamente semelhantes aos nossos.

Provavelmente, o papilomavírus humano (HPV) seguiu o mesmo caminho. Encontramos vírus semelhantes ao HPV em primatas, o que sugere a existência de vírus no animal ancestral comum aos homens e chimpanzés.

Os ancestrais humanos africanos adquiriram parasitos dos animais herbívoros, que começaram a caçar nas savanas africanas. Adquirimos formas iniciais de tênias. A genética mostra semelhança entre nossas tênias e as presentes em felinos, canídeos e hienas africanos. Nesse caso, não adquirimos as tênias na domesticação do porco ou gado. Já havíamos nos infectado em solo africano e as passamos aos porcos e gados posteriormente, quando os domesticamos.

Formas de bactérias causadoras de tuberculose, descobertas em Djibouti, revelam sua antiguidade genética e, provavelmente, foram precursoras da atual Mycobacterium tuberculosis. Nesse caso, a tuberculose já acometia ancestrais humanos bem antes do nosso surgimento. Acometia o Homo erectus. Acreditávamos que a M. bovis presente no gado transferiu-se aos humanos com a domesticação desses animais. Porém, essa teoria caiu por terra com a descoberta das bactérias de Djibouti, e com trabalhos que comparam a sequência genética das micobactérias e colocam a M. bovis como umas das últimas a evoluir.

Parasitos intestinais circulavam nos primeiros Homo sapiens que surgiram e eram adquiridos pela água e por alimentos contaminados.

Nascemos portando agentes infecciosos e adquirimos novos agentes ainda em solo africano. Estávamos prontos para iniciar a globalização dos microrganismos no momento de nossa partida da África para conquistar o planeta.

Fonte: Ujvari, S. C. 2008. A história da disseminação dos microrganismos. Estudos Avançados 22: 171-82.

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