24 setembro 2018

O poço


Amigos, silêncio.
Estou vendo o poço.

No fundo profundo eu me vejo
presente. Não é
a cacimba de estrelas. Amigos, é o poço.

Apenas o poço. A vela na lama
como um dedo de fogo.
Ânsia de afogado,
suspiros em bolhas.
O susto no sono.
A sombra descendo sobre os aposentos,
o suor nos espelhos. A sombra
abafando a criança, a sombra fugindo.
A mão pesada sobre a boca torta,
o grito parado no rosto.
O copo d’água em goles trêmulos...

Amigos, silêncio.
Eu vejo o poço.

O vento da hora morta. Os avós sorrindo,
tão meigos sorrindo. E a morte tão viva!
(Minha mãe não esperou a guerra,
não sabe notícias do mundo.
Não pergunta, não responde).

A tosse acordando os irmãos,
e eu, pela madrugada, carregado nos ombros de meu pai.

Fonte: Rivera, B. 2003. Melhores poemas de Bueno de Rivera. SP, Global. Poema publicado em livro em 1944.

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