A primeira madrugada ninguém esquece
Geraldo Mayrink
O Binômio, vermelho e branco, chegava a Juiz de Fora nas manhãs de domingo. No dia 18 de agosto de 1960 eu fui o primeiro a comprá-lo. Lá estava, em quase meia página, o roteiro dos filmes da semana, assinado por mim. Na primeira página havia uma chamada sobre a nova seção. Com o meu nome, nos dois lugares. Levei o jornal para casa e o exibi para a família, com escassa repercussão. Tinha 18 anos. Esta é a história no seu começo.
O que se seguiu determinou minha vida. Eu não me decidia sobre que vestibular fazer, trabalhava num escritório e à noite ia fanaticamente ao cinema. Tínhamos um cine-clube, pomposamente chamado Centro de Estudos Cinematográficos de Juiz de Fora. A cidade tinha quatro jornais diários e nenhuma crítica de cinema que prestasse. A gente não se conformava. Éramos muito metidos. Trilíngues, embora macarrônicos, líamos os Cahiers du Cinéma, Sight and Sound e Bianco e Nero. Um dia criamos coragem e fomos ao Binômio, bravo jornal de oposição municipal, estadual e nacional, e entregamos o texto de uma crítica ao filme ‘Quero viver’, no qual protestávamos veementemente contra a instituição de pena de morte. Com sua elegância e verve, o redator-chefe do jornal, Fernando Zerlottini, recebeu-nos à porta do jornal, na célebre rua Halfeld. Estava com pressa para ouvir em casa o noticiário do meio-dia e meia da rádio JB, mas teve tempo de dar uma olhada no catatau e proclamar: “Mas é grande demais. Agora vocês vão ver o que é problema de espaço em jornal!”
Quer dizer, estava contratado. E ganhando uns trocados. Depois, me chamaram para ser repórter. Larguei o emprego no escritório para poder dormir até tarde. Aí, peguei minhas primeiras madrugadas de redação (que me acompanham até hoje), às quintas-feiras, coroadas com as primeiras farras pós-fechamento no restaurante Rio-Lima, que não existe mais. Em seu lugar está o Brasão, frequentado por Itamar Franco, cujo escritório de engenharia ficava ao lado das duas salinhas do Binômio. Itamar era informante político do jornal. Vivendo e aprendendo desde pequeno.
O resto é o resto. Uma lição: minha primeira reportagem, sobre a praça da Estação, foi considerada péssima pelo Zerlottini (“Não passa de um relatório, um rol de dados”, ele disse), mas fui salvo pelo Zé Pedro, que observou: “Agora você já sabe que é possível sempre fazer a mesma coisa de outro jeito”. E uma certeza: não esqueci o conselho. Não tenho feito outra coisa na vida profissional a não ser procurar fazer tudo igual de outro jeito. Ainda não fui apanhado.
Fonte: Rabêlo, J. M. 1997. Binômio: edição histórica. BH, Armazém de Idéias & Barlavento Grupo Editorial.
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