15 dezembro 2018

História contemporânea


Enquanto a Europa ardia,
nós apodrecíamos.
(Heil Hitler, galhardetes, mocidade
e os VV da liberdade)
Fantochadas!

Mil novecentos e quarenta.
(Não esqueçam)
Amávamos a pátria com delírio.

Eu apanhei uma sova
por causa da Inglaterra,
porque era parvo, fiel
e lusitano.
A Espanha era ibérica...
(Não esqueçam)

Entretanto, outros e outros,
de antes e depois,
assumiam postos.
Repetiam passos dados.
Condenados.

E nós de Peniche ao Porto,
a pé,
novos peregrinos. (Não esqueçam)

Social, o colectivo
é o mote do dia
(repetido).

O indivíduo
esse não (senão
quando habitar arbitrários
lugares vários).

Era doutrina encerrada
em discursos
com as patas no ar
em vez de apertos de mão.

Ó meritória
condição a nossa
de novos Amadizes!

Outrora havia prodígios.
Aos quinze,
era a Índia.
Aos dezassete, o Japão.
Aos trinta
tínhamos dado a volta ao mundo
e voltado à terra, entre
Almada e a Caparica,
para escrever um livro:
Peregrinação!

Agora há que ver a vida
como ela é. (Não esqueçam)
Eu quis ir ao México.
Quis ir a Paris.
Era proibido.

Consegui tarde Timor,
ilha perdida.

Mas tanta sublimação
do super ego
no ego.
Mas tanta fastidiosa
inibição, intervenção...

Foi preciso ter pecado,
unir-me a mim próprio, todo,
para descobrir o mundo.

Há que ver a vida
como ela é. (Não esqueçam)

E merda para a Inglaterra,
bêbeda invertida,
maga, soleníssima,
terra onde nasci. (Não esqueçam)

Mas nós somos portugueses.
Não esqueçamos.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1971.

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