História contemporânea
Enquanto a Europa ardia,
nós apodrecíamos.
(Heil Hitler, galhardetes, mocidade
e os VV da liberdade)
Fantochadas!
Mil novecentos e quarenta.
(Não esqueçam)
Amávamos a pátria com delírio.
Eu apanhei uma sova
por causa da Inglaterra,
porque era parvo, fiel
e lusitano.
A Espanha era ibérica...
(Não esqueçam)
Entretanto, outros e outros,
de antes e depois,
assumiam postos.
Repetiam passos dados.
Condenados.
E nós de Peniche ao Porto,
a pé,
novos peregrinos. (Não esqueçam)
Social, o colectivo
é o mote do dia
(repetido).
O indivíduo
esse não (senão
quando habitar arbitrários
lugares vários).
Era doutrina encerrada
em discursos
com as patas no ar
em vez de apertos de mão.
Ó meritória
condição a nossa
de novos Amadizes!
Outrora havia prodígios.
Aos quinze,
era a Índia.
Aos dezassete, o Japão.
Aos trinta
tínhamos dado a volta ao mundo
e voltado à terra, entre
Almada e a Caparica,
para escrever um livro:
Peregrinação!
Agora há que ver a vida
como ela é. (Não esqueçam)
Eu quis ir ao México.
Quis ir a Paris.
Era proibido.
Consegui tarde Timor,
ilha perdida.
Mas tanta sublimação
do super ego
no ego.
Mas tanta fastidiosa
inibição, intervenção...
Foi preciso ter pecado,
unir-me a mim próprio, todo,
para descobrir o mundo.
Há que ver a vida
como ela é. (Não esqueçam)
E merda para a Inglaterra,
bêbeda invertida,
maga, soleníssima,
terra onde nasci. (Não esqueçam)
Mas nós somos portugueses.
Não esqueçamos.
Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1971.
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