A um púlpito quebrado
Lúcio de Mendonça
Ao livre pensador Angelo Agostini.
Estás inofensivo, estás vazio,
Velho caixão malvado,
Que trazias de Roma, consignado
Às multidões beatas
O preconceito estúpido e sombrio
E o dogma bestial, de quatro patas.
Tu nunca foste compassivo e terno:
Ao pobre, quase nu,
Que lhe dizias tu?
Os terrores dramáticos do inferno!
Por todos os três lados,
Blasfemavas feroz contra o Progresso,
Que foi 93? foi um possesso,
Crivado de pecados;
A Liberdade, um sonho sedicioso;
A Ciência, uma cínica atrevida;
Só a Religião é que é a vida,
E a reza, o largo porto bonançoso.
Da Imprensa tu disseste mais horrores
Do que Mafoma disse do toicinho...
É o pestífero ninho
Dos abutres do mal e da impiedade,
Covil de pecadores
Que têm de arder por toda a eternidade.
Hoje, caída em ruínas a capela,
Estás à chuva e ao vento e ao sol aberto...
Estás melhor, decerto.
Hoje, em lugar do círio, vês a estrela.
Do mau cheiro de incenso desinfecto,
Agora perfumou-te
A viva aragem fresca da campina;
E tens por vasto, radioso teto
A cúpula divina,
A constelada abóbada da noute.
Em vez do órgão fanhoso, ouves agora
O cântico das aves,
As músicas da aurora.
E sobre as tuas traves,
Donde escorria a onda das asneiras,
Gemem de amor as pombas forasteiras.
Novo padre Jacinto, sacudiste
O teu jugo católico romano,
E em vez de velho púlpito tão triste,
És um digno caixão, livre e profano.
E, pois te restituíste
À grande comunhão da natureza,
Acharás, com certeza,
Um fim mais nobre, donde te provenha
De ser útil a esplêndida alegria:
Acabarás em lenha
Para aquecer de um pobre a noite fria.
Fonte (última estrofe): Martins, W. 1978. História da inteligência brasileira, vol. 4. SP, Cultrix & Edusp. Poema publicado em livro em 1889.
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