Zona biográfica
Paulo Teixeira
Agora que o mundo deslizou como uma bola
das mãos de deus e cruza a noite vazia
dos espaços sabemos que a morte nos espera
disposta como uma refeição à nossa mesa.
Rendemos à sorte de cada minuto as nossas
vidas e corremos de monte em monte como
correria uma canção levada pelo vento.
A janela do comboio desenha, alisada
pelo gelo e o fogo, as ermas paisagens conhecidas
(ao longe, vê, a cinza e o sangue novo do crepúsculo).
Alma, era este o mundo, a imagem que retenho,
ao inspirar, nos meus brônquios. Quando o ar
se evadir da minha boca sei que perdi tudo,
é outro o mundo e sou eu, crê-me, a sua testemunha.
Nada nos resta senão lembrar as coisas tocadas
e suprimidas nesse mapa de ausência compassiva:
Praga, Hamburgo, Leipzig, Viena, essa obscura
zona biográfica onde largamos o passado
e perdemos a pauta dos horários futuros.
Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1991.
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