Saldos no Vietname
Bombas de esferas:
cachos de bombas nascem de uma só bomba-mãe.
Cada bomba-filha ejecta, à altura de homem,
300 esferas que vão penetrar na carne aos ziguezagues.
Parente deste sanguinário jogo de berlinde
é o jogo das setas: um polegar de tamanho,
aletas que lhes permitem
entrar em parafuso carne dentro,
pontas de arpão,
o que torna a sua extracção muito difícil.
(Agora, as setas, quando já no corpo
– é um melhoramento! – fragmentam-se.)
Também há projécteis de plástico
não detectáveis pelos raios X;
e a bomba dita de nuvem explosiva.
Quando entra em cena o seu papel é este:
introduzir, primeiro, por escâncaras ou frinchas,
no teatro onde está a actuar,
uma expansiva nuvem de etileno.
Só depois explode: então, o fogo
pega-se ao etileno e... cai o pano!
E mais uma invenção: as minas-aranhiços,
que desenrolam patas de 6 metros
quando tocam no chão.
Ai de quem tropeçar numa das patas:
nem a mosca da alma terá tempo
de se evolar!
A TV veio também colaborar
com “directos” bem sofisticados:
realizador-bombista, o pessoal-piloto
a um só tempo fabrica e realiza a própria acção
e faz-vê, em grande plano, o seu desfecho.
Outros sinetes deixou o americano
no texto Vietname.
Um dos mais velhos: a incandescente lepra
à procura de pessoas que se chama napalm;
um dos mais novos: a bomba
devoradora de todo o oxigénio
250 metros em derredor
do ponto onde cair.
E onde o americano espera nunca estar.
Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1958.
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