02 junho 2016

Uma inscrição nas ruínas

Lesya Ukrainka

“Eu, rei dos reis, do sol filho predileto,
construí-me este túmulo opulento para que o
mundo inteiro me recorde e a excelsa glória
meu nome cubra eternamente...”
Segue uma inscrição e ninguém consegue decifrar
o nome, já não há um sábio que possa lê-la.
Apagou-a por acaso algum xeique invejoso
ou o tempo cruel, com soberana mão?
Ninguém sabe. Belos caracteres
relatam com muitos detalhes as glórias
deste rei de nome ignoto e mostram em desenhos
suas façanhas:
Eis aqui o senhor, sentado no alto trono, e a
gente com oferendas muito valiosas, submissa vem,
as cabeças baixas, e aquele rei, qual ídolo de
pedra, sentado está, de plumas recoberto seu rosto
se parece a Tutmés, a Ramsés e a todos os tiranos.
Ao lado, pegando pelos cabelos com uma mão,
vários sublevados. O curvo alfanje brande ameaçante,
parece o turvo rosto de Tarak, ou de Menfet, ou
de qualquer tirano.
Igual aspecto tem ao flechar aves, caçar cisnes ou
matar leões. E corre no seu carro sobre os mortos,
e goza sem recato em seus haréns.

Seus súditos envia à batalha e, cruel, tortura o povo
com trabalho horrível, esgotante, denigrinte, que ao
nome odiado deve fazer famoso.
A gente vai em legiões incontáveis, como ondas do mar,
ao campo bélico e marca a rota triunfal do soberano
com vermelho sangue que por toda parte derrama, e cai
ao pé dos corcéis reais.
E aquele que fica vivo logo morre ceifado pelo
feroz trabalho de escravo.
O rei deseja fazer de seu túmulo seu próprio monumento:
“Morre, escravo!”. E este cava o solo, arrasta pedras,
tijolos faz do brando barro, constrói muros e cinzela
estátuas enormes, como burros de carga, e cria assim
algo grande, incomparável, que o mundo haverá de admirar
eternamente: lavrados, ornamentos e pinturas.
E cada pedra, estátua, coluna, pintura, ornamento e escultura,
com lábios invisíveis diz altivo:
“Feito pelo povo egípcio, que assim glorificou-se eternamente!”

Morreu faz muito tempo o rei tirano,
e só resta dele essa inscrição.
Cantores, sábios, não procureis em vão do rei o nome
ignoto ali apagado:
o destino fez do seu túmulo frio um monumento ao povo –
Que morra o rei!

Fonte: Freire, C. 2004. Babel de poemas: uma antologia multilíngüe. Porto Alegre, L&PM.

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