Margaret Sanger
Num dia quente de julho de 1912, fui chamada a um apartamento de Grand Street. Minha paciente era uma pequena e fraca judia russa, de vinte e oito anos, aproximadamente, com as feições especiais a que o sofrimento dá expressão de madona. O apertado apartamento de três aposentos estava em triste estado de confusão. Jake Sachs, motorista de caminhão pouco mais velho que a mulher chegara à casa para encontrar os três filhos chorando e ela inconsciente devido aos efeitos de um aborto provocado por ela mesma. Chamara o médico mais próximo que, por sua vez, mandara chamar-me. O que Jake ganhava era insignificante, e quase tudo era consumido na manutenção dos filhos, não muito fortes, se bem que sempre limpos e devidamente alimentados. A habilidade da mulher ajudara o casal a economizar um pouquinho, e o marido preferiu empregar as economias chamando uma enfermeira ao invés de mandá-la para um hospital.
O médico e eu preparamo-nos para a tarefa de lutar contra a septicemia. Jamais eu trabalhara tão depressa, e nunca tão concentradamente. Os dias e noites abafados foram transformados num inferno letárgico. Parecia impossível que pudesse haver tal calor, e cada porção de alimento, gelo e drogas tinha que ser transportada através de três lances de escadas.
Jake era mais bondoso e compreensivo que muitos maridos que conheci. Amava os filhos e sempre ajudara a mulher a banhá-los e vesti-los. Levava a água para cima e descia com o lixo antes de sair, pela manhã, e fez tudo o que pôde por mim enquanto, ansiosamente, observava o estado da enferma.
Após quinze dias, a melhora da sra. Sachs estava à vista. Os vizinhos – geralmente fatalistas quanto aos resultados de um aborto – ficaram verdadeiramente alegres pelo fato de ela ter sobrevivido. A sra. Sachs sorria frouxamente a todos que a iam ver, mas não podia reagir às sinceras congratulações. Parecia estar mais abatida e ansiosa do que deveria estar, e passava muito tempo meditando.
Ao final de três semanas, quando eu me preparava para deixar a frágil paciente retomar sua vida difícil, ela, finalmente, falou de seus receios.
– Outra criança acabaria comigo, não acha?
– Ainda é cedo para falar sobre isso – contemporizei.
Quando o médico veio fazer sua última visita, falei com ele:
– A sra. Sachs está bastante preocupada com a possibilidade de ter outro filho.
– Com toda a razão – respondeu o médico. E postando-se diante dela disse: – Outra brincadeira dessas, jovem, e não haverá necessidade de mandar chamar-me.
– Eu sei, doutor – respondeu ela timidamente, hesitando como se precisasse de toda a coragem para falar. – Mas que posso fazer para evitá-lo?
O médico era homem bondoso e trabalhara muito para salvá-la, mas acidentes como esse eram tão comuns que ele havia muito perdera toda e qualquer delicadeza que pudesse ter tido. Riu-se com vontade.
– Você quer guardar o bolo e, também, comê-lo, não é verdade? Bem, isso não pode ser feito. – Pegando o chapéu e a maleta, para sair, completou: – Diz a Jake para dormir no telhado...
Olhei rapidamente para a sra. Sachs. Mesmo através de minhas lagrimas repentinas pude ver estampada em seu rosto uma expressão de completo desânimo. Olhamos, simplesmente, uma para a outra. Nada dissemos até que a porta se fechou após a saída do médico. Ela, então, levantou as mãos magras, de veias azuis, e uniu-as implorando:
– Ele não pode entender. É somente um homem. Mas a senhora entende, não é verdade? Por favor, diga-me qual é o segredo, e não direi a pessoa alguma. Por favor!
Que poderia eu fazer? Não podia empregar as frases convencionalmente confortadoras que não serviriam de conforto. Fiz, em vez disso, o que foi possível para seu bem-estar físico e prometi voltar dentro de alguns dias para, novamente, conversar com ela. Logo depois, enquanto ela dormia, saí na ponta dos pés.
Noite após noite a imagem da sra. Sachs apareceu diante de mim. Inventei, a mim mesma, todas as espécies de desculpa por não ter voltado. Estava ocupada com outros casos; não sabia, na realidade, o que dizer a ela ou como convencê-la de minha ignorância; sentia-me impotente para evitar tais monstruosas atrocidades. O tempo passou, e nada fiz.
Três meses depois, certa noite, o telefone tocou e a voz agitada de Jack Sachs implorou-me que fosse imediatamente à sua casa; a mulher estava doente, de novo, pelo mesmo motivo. Por um instante doido pensei em mandar outra pessoa mas, naturalmente, apressei-me a vestir o uniforme, apanhei a maleta e saí. Quando em caminho, ansiei por um desastre no metrô, por uma explosão, por qualquer coisa que me impedisse de entrar novamente naquela casa. Nada, porém, aconteceu, nem mesmo para atrasar-me. Entrei pela porta miserável e subi, mais uma vez, as escadas familiares. Lá estavam as crianças, coisinhas tão novas...
A sra. Sachs estava em estado de coma e morreu dez minutos depois. Cruzei-lhe as mãos imóveis sobre o peito, lembrando-me quando elas haviam implorado, pedido humildemente o conhecimento a que tinha direito. Cobri o pálido rosto como o lençol. Jake soluçava e passava as mãos pelos cabelos, puxando-os como doido. Sem parar, ele gemia:
– Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus!