31 dezembro 2023

A polêmica origem de 'feito nas coxas'

Rafael Rigolon [*].

Há pouco tempo, voltei a Ouro Preto, onde pude ver ao vivo um guia de turismo explicando a origem da expressão feito nas coxas. Eu, que sempre lutei contra as pseudoetimologias, confesso que hesitei e não tive coragem de contestá-lo naquela ocasião. Os demais turistas o escutavam boquiabertos, fascinados, surpresos com tamanha ‘revelação’. Não seria eu a estragar o momento.

O guia precisava de atenção e os turistas, de boas histórias. Apesar de reprovável, compreendo perfeitamente a motivação dele em propagar a história de que os escravos moldavam as telhas em suas coxas. Como cada pessoa é de um tamanho, as coxas são diferentes e as telhas saíam irregulares. Daí as goteiras nos telhados... Por isso, para algo malfeito (feito sem capricho ou às pressas) dizemos que foi feito nas coxas. Historinha boa de ouvir. Não recrimino o guia.

Agora, quando as novas cartilhas do bom comportamento (para não dizer censura) apresentam essa pseudo-história como justificativa para que deixemos de usar a expressão, sob o risco de sermos tachados de racistas (mesmo sem saber, mesmo sem intenção, mesmo fora de contexto, mesmo discordando), aí a sensação é de revolta mesmo. Tratar desses assuntos aqui também gera uma tensão danada. Ocorre que, se não pusermos a mão no vespeiro de vez em quando, o vespeiro só irá crescer. Então, analisemos o caso.

As telhas de cerâmica eram mesmo fabricadas por escravos, mas não, as coxas deles não serviam de molde. Não precisamos ir longe no raciocínio para concluir que não seria algo produtivo fazê-las assim. De acordo com um famoso artigo do professor José La Pastina Filho, da UFPR, publicado na revista Arqueologia, em 2006, as telhas coloniais brasileiras tinham de 0,45 a 0,8 m de comprimento. Ora, usando a coxa de um homem de 1,80 m de altura como molde, só se poderia fazer telhas de 0,36 m de comprimento. A primeira conclusão que tiro é: o inventor dessa história de coxas como molde não entendia nem de telhas nem de coxas.

Ainda que fossem telhas pequenas, o escravo cujas coxas estavam a servir de molde teria de ficar algum tempo imobilizado, de modo que as peças começassem ao menos a secar, o que, no fim das contas, implicaria mais tempo parado do que manipulando a massa. Por que usar as coxas de alguém como molde, quando troncos ou até bananeiras eram abundantes e serviriam melhor a esse fim?

Uma explicação alternativa é que a falta de padrão na fabricação das telhas teria levado alguém a comentar que elas “pareciam ter sido feitas nas coxas”. Pareciam... Então, a comparação, meramente metafórica, teria crescido a ponto de dar vida à história.

Outras hipóteses foram propostas para dar alguma luz a esse mistério fraseológico. Já vi quem afirmasse que a telha poderia ter sido feita num cocho (um tronco escavado), palavra parecida com coxa.

O grande professor Cláudio Moreno, em 2007, aventou que a expressão poderia estar relacionada ao sexo intercrural (entre as coxas), uma prática sexual em que não há penetração, mais frequente no passado, quando a virgindade era mais valorizada. Justamente por ser considerado algo ‘incompleto’, ‘malfeito’, a expressão teria daí surgido.

Uma hipótese explicativa mais simples, com a qual simpatizo bastante, é a de que a expressão tenha simplesmente derivado do ato de se escrever sobre as coxas. Uma escrita à mão numa folha de papel sem um anteparo adequado por baixo resulta numa caligrafia irregular ou mais feia. Escrever em cima das coxas é um reflexo de uma ação apressada, sem as condições ou o tempo necessários, tal como a expressão sugere.

No Brasil, dizemos também feito em cima das coxas. Em Portugal, usa-se a expressão feito em cima dos joelhos com o mesmo sentido. Curiosamente, por lá, também corre uma pseudoexplicação com aquelas tais telhas desiguais, mas os escravos seriam do Império Romano.

Por aqui, temos registros antigos como, por exemplo, um de 1893, onde o doutor Joaquim de Almeida Leite Moraes (1835-1895) critica o Código Penal Brasileiro (1890), qualificando-o como “uma obra precipitada, escripta em cima dos joelhos, e ao correr da pena...” (p. 151). Parece-me mais condizente para a explicação de fazer nas coxas.

No fim das contas, sou de opinião que obras precipitadas, escritas nas coxas e ao correr da pena, são esses manuais de censura da fala baseados em afirmações sem fundamento. Amparadas pelas frágeis colunas da pseudoetimologia e do anacronismo, essa política do cerceamento e da patrulha termina se revelando um grande desserviço à necessária luta antirracista.

Ainda que fosse verdade, que os escravos do Brasil tivessem mesmo moldado as telhas em suas coxas, seria ilógico condenar uma palavra ou uma expressão apenas por sua origem. É um raciocínio feito nas coxas.

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NOTA.

[*] Artigo extraído e adaptado de 50 Pseudoetimologias Para Deixar de Compartilhar, livro que, ao lado de 100 Etimologias Para Curtir e Compartilhar, acaba de ser lançado pelo autor. Ambos já estão disponíveis para aquisição. Para adquirir os volumes ou para mais informações, faça contato pelo endereço rafael.rigolon@ufv.br. Para conhecer outros artigos do autor, visite @nomescientificos (Instagram).

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REFERÊNCIAS CITADAS.

‘O Código Penal de 1890’, por Joaquim de Almeida Leite Moraes, na Gazeta Juridica (1893); ‘Eram as telhas feitas nas coxas das escravas?’, por José La Pastina Filho, na revista Arqueologia (2006); ‘Nas coxas’, por Cláudio Moreno, no jornal Zero Hora (jan. 2007); ‘Como surgiu a expressão? ‘Fazer as coisas em cima do joelho’’, do canal Zig Zag, no YouTube (mai. 2013).

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28 dezembro 2023

Visceral vs. somático

Alfred S. Romer & Thomas S. Parsons

En capítulos ulteriores emplearemos a menudo las palabras ‘visceral’ y ‘somático’; por ejemplo, estructuras esqueléticas viscerales y somáticas, músculos viscerales y somáticos, nervios viscerales y somáticos. Las estructuras viscerales se relacionan principalmente con el intestino y sus anexos (sobre todo la faringe); las estructuras somáticas son las del tubo ‘externo’ del cuerpo […]. Podría suponerse que las dos palabras sólo poseen significación topográficas; sin embargo, es muy probable que la diferenciación entre la visceral y lo somático entrañe una larga historia filogenética.

Fonte: Romer, A. S. & Parsons, T. S. 1981 [1978]. Anatomia comparada, 5ª ed. México, Interamericana.

26 dezembro 2023

Troy

Sinéad O’Connor

I’ll remember it
In Dublin in a rainstorm
And sitting in the long grass in summer
Keeping warm
I’ll remember it
Every restless night
We were so young then
We thought that everything we could possibly do was right
Then we moved stolen from our very eyes
And I wondered where you went to
Tell me, when did the light die?

You will rise
You’ll return
The Phoenix from the flame
You will learn
You will rise
You’ll return
Being what you are
There is no other Troy
For you to burn

And I never meant to hurt you
I swear I didn’t mean those things I said
I never meant to do that to you
Next time I’ll keep my hands to myself instead
Oh, does she love you?
What do you want to do?
Does she need you like I do?
Do you love her?
Is she good for you?
Does she hold you like I do?

Do you want me?
Should I leave?
I know you’re always telling me that you love me
But just sometimes I wonder if I should believe
Oh, I love you
God, I love you
I’d kill a dragon for you, I’ll die

But I will rise
And I will return
The Phoenix from the flame
I have learned
I will rise
And you’ll see me return
Being what I am
There is no other Troy
For me to burn

And you should’ve left the light on
You should’ve left the light on
Then I wouldn’t have tried and you’d never have known
And I wouldn’t have pulled you tighter
No, I wouldn’t have pulled you close
I wouldn’t have screamed, “No, I can’t let you go”
If the door wasn’t closed
No, I wouldn’t have pulled you to me
No, I wouldn’t have kissed your face
You wouldn’t have begged me to hold you
If we hadn’t been there in the first place
Oh, but I know you wanted me to be there, oh, oh, oh
Every look that you threw told me so
But you should’ve left the light on
You should’ve left the light on

When the flames burn away
But you’re still spitting fire
Make no difference what you say
You’re still a liar
You’re still a liar
You’re still a liar

Fonte: álbum The lion and the cobra (1987), de Sinéad O’Connor.

24 dezembro 2023

Madonna col Bambino


Simone Martini (1284-1344). Madonna col Bambino. 1326.

Fonte da foto: The Metropolitan Museum of Art.

22 dezembro 2023

Quando os bandos se encontram

Paul Shepard

A cortesia une bandos de caçadores. Quando se encontram, geralmente nos limites que separam suas áreas respectivas, são pacíficos e cordiais. Devido à proximidade territorial e devido ao fato de a questão da escolha do companheiro e do casamento ser muitas vezes parte desses encontros, são situações muito carregadas. As tensões são amortecidas por procedimentos fixos, por cerimônias mais ou menos formais e por torneios de habilidade e coragem. Esses procedimentos variam muito, permitindo vários tipos de envolvimento pessoal e de conflito nas regras que prevalecem e conduzem à harmonia. O encontro é motivo de celebração; danças, trocas de informações, companheirismo, galateio e comércio têm lugar... À diferença dos agricultores, suas populações não têm problemas crônicos de espaço. Desde que os homens não são territoriais por natureza, os caçadores não repelem os bandos invasores.

Fonte: Montagu, A. 1978. A natureza da agressividade humana. RJ, Zahar. Excerto de livro originalmente publicado em 1973.

21 dezembro 2023

Inteligência biológica: uma definição

Harry J. Jerison

A inteligência biológica em adultos representativos de uma espécie é a consequência comportamental da capacidade de processamento de informação neural disponível, além daquela necessária para o controle das funções gerais do corpo.

Fonte: Jerison, H. J. 1985. Issues of brain evolution. In: R. Dawkins & M. Ridley, eds. Oxford Surveys in Evolutionary Biology. Oxford, Oxford UP.

19 dezembro 2023

Herança cultural transespecífica

Felipe A. P. L. Costa [*].

Quando se encontra alguém por aqui, a gente fica feliz, pois sente que pode ajudá-la. [...] Não há gente ruim na taiga. A maioria das pessoas ruins está onde estão muitas outras pessoas. Lá elas podem roubar. Mas por aqui elas não sobreviveriam. A taiga limpa você. Este lugar faz você refletir sobre as suas ações. Limpa a sua alma.
– Sergei Khlebnikov [1].

RESUMO. – Muitos itens que integram o nosso universo cultural estão conosco desde sempre. Alguns foram inventados antes mesmo do surgimento da linhagem humana (H. s. sapiens). Certas tecnologias, mais especificamente, foram criadas por espécies (agora já extintas) anteriores à nossa. Foi o caso do uso do fogo, um traço cultural que nós herdamos – fenômeno que bem poderia ser rotulado de herança cultural transespecífica.

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1. ANIMAIS DEPENDENTES DE TECNOLOGIA.

A vida moderna – para o bem ou para o mal – está assentada no uso generalizado de tecnologias. Trata-se de um universo amplo, rico e heterogêneo, no interior do qual encontramos desde as ferramentas de pedra lascada até as modernas quinquilharias descartáveis.

A históra da humanidade tem sido moldada pelo conhecimento tecnológico, tanto em escala evolutiva (~300 mil anos) como em termos civilizacionais (< 10 mil anos) [2]. Mas que não haja dúvidas: produzir tecnologia não é uma exclusividade da espécie humana. Outros animais também produzem tecnologia.

O que é próprio da nossa cultura – e talvez seja único entre os animais – é o grau de dependência que estabelecemos com os artefatos que produzimos. Como anotou Lewin (1999, p. 309): “[O]s seres humanos são os únicos animais que se tornaram dependentes dos frutos da tecnologia, incluindo os povos com os modos de subsistência mais simples” [3].

2. HERANÇA TRANSESPECÍFICA.

Diferentemente do que imaginam alguns, tecnologia não é sinônimo de novidade ou de modernidade. Basta ver as invenções que datam de tempos imemoriais. Há casos de tecnologias cujos primórdios são anteriores ao surgimento da espécie humana [4]. A confecção de roupas talvez pudesse ser lembrada. Dois bons exemplos, contudo, são o controle do fogo e a confecção de ferramentas [5].

Estabelecidas antes do surgimento do H. s. sapiens, o uso do fogo e a confecção de ferramentas são tecnologias que ilustram bem o tipo de tradição que poderia ser rotulada aqui de herança cultural transespecífica – leia-se: tradições que abrigam itens amplamente usados hoje em dia, os quais, no entanto, não foram inventados por nós, mas sim por espécies (agora já extintas) anteriores à nossa.

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NOTAS.

[*] O presente artigo foi extraído e adaptado do livro A força do conhecimento & outros ensaios: Um convite à ciência (no prelo). Outros trechos da obra já foram anteriormente divulgados – e.g., Livros, lentes & afins; Revolução Agrícola, a mãe de todas as revoluções; O que é cultural, afinal?; Quem quer ser um cientista?; A terceira via: Algumas notas sobre o método científico; As origens da política; Nervos, cérebros e comportamento. II. Podemos aprender com os nossos erros; e Ciência, tecnologia, negócios.

Sobre a campanha Pacotes Mistos Completos (por meio da qual é possível adquirir, sem despesas postais, os quatro livros anteriores do autor), ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para adquirir os quatro volumes ou algum volume específico ou para mais informações, faça contato com o autor pelo endereço felipeaplcosta@gmail.com. Para conhecer outros artigos ou obter amostras dos livros anteriores, ver aqui.

[1] Trecho do depoimento de Sergei Khlebnikov, então guarda-florestal em uma unidade de conservação da Khakassia (Sibéria), ao documentário Agafia’s taiga life (2013), dirigido por Pavel Baydikov. (Fala original em russo; tradução a partir da legenda em inglês; ver nota 3.)

[2] A depender do contexto, o adjetivo humano é usado neste livro (1) em alusão aos humanos modernos (H. s. sapiens); ou (2) em alusão às espécies do gênero Homo. Não são raros os achados arqueológicos com idade estimada superior aos achados de fósseis de H. s. sapiens. Por exemplo, Barham et al. (2023) relatam o encontro de artefados com idade estimada em 450-500 mil anos. O material (cinco peças de madeira atribuídas ao H. helmei) foi encontrado em um tradicional sítio arqueológico às margens do Kalambo, rio que desemboca no lago Tanganica e que marca a fronteira entre o SO da Tanzânia e o NE de Zâmbia. Peças ainda mais antigas já foram encontradas no Oriente Médio (780 mil anos), mas os novos achados representam um novo marco para a arqueologia africana.

[3] Exemplo dramático e relativamente recente é o caso da família russa Lykov – pai, mãe e dois casais de filhos. Entre 1937 e 1978, a família viveu no meio do nada, sem contato com o mundo exterior. No início de 1937, por motivos políticos e religiosos, os Lykov fugiram para as montanhas Sayan, uma região remota e desabitada, no sul da Sibéria. A família contava então com quatro integrantes – os pais, Karp (1901-1988) e Akoulina (1900-1961), e os dois primeiros filhos, Savin (1927-1981) e Natalia (1934-1981). Para sobreviver longe da civilização por tanto tempo, eles tiveram de desenvolver técnicas e artefatos para caçar, pescar, arar a terra etc. Sem isso, a família teria sucumbido rapidamente. Por fim, eles fincaram raízes às margens da confluência dos rios Erinat e Abakan, a ~240 km de distância da cidade mais próxima (Abakan). Os dois filhos mais novos nasceram ali, Dmitri (1940-1981) e Agafia (nascida em 1943). Em 1978, a família foi descoberta por geólogos que estavam a fazer prospecções na região. Na época, a família morava em uma cabana de um único cômodo. Não há fotos da mãe com o grupo, pois ela havia morrido de fome, em 1961. A partir de então, os Lykov meio que se converteram em um misto de lenda e atração turística. Duas das três mortes ocorridas em 1981 foram atribuídas a problemas renais e a terceira, a uma pneumonia. Única sobrevivente, Agafia vive hoje em uma casa moderna e confortável, no mesmo sítio onde nasceu. Embora continue a realizar plenamente as tarefas do dia a dia, ela agora conta com a ajuda de gente (incluindo estrangeiros) que vai até lá para visitá-la. Ela também continua sendo uma defensora fervorosa do fundamentalismo religioso que herdou – os pais eram velhos crentes (ou abakumitas), uma dissidência da Igreja Ortodoxa Russa. O lado ruim dessa história, eu diria, é que a saga do Lykov e, em especial, o testemunho de vida dado por Agafia são presas fáceis para líderes religiosos oportunistas. Sobre os Lykov (em inglês), ver aqui (livro), aqui (artigo) e aqui (vídeo).

[4] Sobre a definição e a abrangência taxonômica do gênero Homo, eis o comentário de Cela-Conde & Ayala (2003, p. 7684; tradução livre): “Em seu Systema Naturae, Carolus Linnaeus colocou a espécie humana no gênero Homo, embora tal colocação transmitisse um significado taxonômico diferente do atual. Linnaeus distinguiu entre o Homo diurnus, com diferentes formas correspondentes aos humanos europeus, americanos, asiáticos e africanos, e o Homo nocturnus, correspondente ao orangotango. Com o passar do tempo, o gênero Homo adquiriu a conotação atualmente associada a esse táxon, que inclui apenas uma espécie vivente, o Homo sapiens, e alguns de seus parentes hominídeos próximos. Algumas formas fósseis agora incluídas em Homo receberam inicialmente diferentes identificações taxonômicas em nível de gênero, como Pithecanthropus, Sinanthropus [...], entre outros.”

[5] Sobre os primórdios da indústria lítica, ver Rogers & Semaw (2009); sobre o controle do fogo, Roebroeksa & Villa (2011); sobre roupas, Reed et al. (2004). Um quarto exemplo possível seria a realização de rituais fúnebres, envolvendo o enterro deliberado do corpo de companheiros mortos (e.g., Berger et al. 2023).

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REFERÊNCIAS CITADAS.

++ Barham, L & mais 13. 2023. Evidence for the earliest structural use of wood at least 476,000 years ago. Nature 622: 107-11.

++ Berger, LR & mais 36. 2023. Evidence for deliberate burial of the dead by Homo naledi. eLife 12: RP89106.

++ Cela-Conde, C. & Ayala, FA. 2003. Genera of the human lineage. Proceedings of the National Academy of Sciences 100: 7684-9.

++ Lewin, R. 1999 [1998]. Evolução humana. SP, Atheneu.

++ Reed, DL & mais 4. 2004. Genetic analysis of lice supports direct contact between modern and archaic humans. PLoS 2(11): e340.

++ Roebroeksa, W. & Villa, P. 2011. On the earliest evidence for habitual use of fire in Europe. Proceedings of the National Academy of Sciences 108: 5209-14.

++ Rogers, MJ & Semaw, S. 2009. From nothing to something: the appearance and context of the earliest archaeological record. In: M Camps & P Chauhan, eds. Sourcebook of Paleolithic transitions, Heidelberg, Springer.

* * *

17 dezembro 2023

Aqueduto


Leandro Joaquim (1738-1798). Lagoa do Boqueirão e aqueduto da Carioca. ~1790.

Fonte da foto: Wikipedia.

15 dezembro 2023

Por ver-te

Maria Firmina dos Reis

   Por ver-te
Tudo – tudo eu daria:
   A vida, a alma, oh céus!
   Te of’receria.

Por ver-te inda uma vez
   Meu coração
   Anseia desejoso!
Por ver-te a mim rendido de afeição,
   Por ver-te venturoso.

Por ver-te – a paz, que gozo, – o ar, que gira
   Em todo o firmamento,
Eu quisera me fossem denegados,
   Só por ver-te um momento.

Por ver-te, ind’eu quisera aniquilado
O céu, o mar, a terra, o ar, o vento;
Quisera, pendurados nos abismos,
Ver os astros perderem o movimento.

Quisera que em meu leito, a horas mortas,
Tétrico, espectro mina, sinistramente,
Me viesse despertar – depois a morte,
Meus dias terminassem – duramente.

Por ver-te, tudo isso me causara,
Não pesar – alegria.
Por ver-te uma só vez durante a vida,
Por ver-te inda um só dia.

Fonte: Morais-Filho, J. N. 1975. Maria Firmina dos Reis: Fragmentos de uma vida. São Luís, Governo do Estado do Maranhão. Poema publicado em livro em 1861.

13 dezembro 2023

Egito: nacionalismo e ditadura

Anouar Abdel-Malek

O regime militar instaurado no Egito desde 1952 tem sido analisado em termos extraordinariamente divergentes. Tanto observadores quanto especialistas têm demonstrado a tendência em dar ênfase a dois aspectos principais desse regime: nacionalismo e ditadura. A despeito de muitas diferenciações, a esquerda europeia tem-se aproximado das conclusões, gerais e mais adversas, que fazem parte da concordância de exame por parte de eminentes analistas políticos do Ocidente. A diferença fundamental é que, enquanto a direita sentiu, e ainda sente, ódio profundamente arraigado pelo ‘nasserismo’, a esquerda procura ainda uma saída para a sua confusão, enquanto, ao mesmo tempo, deplora a repressão política contra a esquerda egípcia.

Fonte: Abdel-Malek, A. 1969 [1964]. In: Miliband, R. & Saville, J., orgs. Problemas e perspectivas do socialismo. RJ, Zahar.

12 dezembro 2023

17 anos e dois meses no ar

F. Ponce de León

Nesta terça-feira, 12/12, o Poesia Contra a Guerra completa 17 anos e dois meses no ar.

Desde o balanço anterior – ‘17 anos e um mês no ar’ – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Arne Naess, Galileu Galilei, John W. Dyckman, Juan Carlos García Borrón, Michael Casey, Osip Mandelstam, Ricardo Antunes, Roberto Munehisa Shimizu e Robin Horton. Além de material de autores que já haviam sido publicados antes.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes artistas: Hipólito Caron, João Batista da Costa e João Timóteo da Costa.

11 dezembro 2023

O poder das palavras

Robin Horton

Em quase todas as concepções tradicionais africanas do mundo que conhecemos, há uma característica dominante: a convicção no poder das palavras. Ditas em circunstâncias determinadas, elas dão uma existência real aos acontecimentos ou estados a que se referem.

Os exemplos mais espetaculares dessa convicção encontram-se nas mitologias da criação onde se diz ter o Ser Supremo feito o mundo a partir do caos pronunciando os nomes de todas as coisas que há. Essas mitologias aparecem sobretudo no Egito antigo e entre os povos do Sudão ocidental.

Fonte: Horton, R. 1979. In: Deus, J. D., org. A crítica da ciência, 2ª ed. RJ, Zahar. Extraído de artigo originalmente publicado em 1967.

09 dezembro 2023

Covid-19 – Em 2023, a inércia e a doença já mataram 14,1 mil brasileiros

Felipe A. P. L. Costa [*].

RESUMO. – Este artigo atualiza as estatísticas (mundiais e nacionais) a respeito da pandemia divulgadas em artigo anterior (aqui). Em escala planetária, já foram registrados 699 milhões de casos e 6,948 milhões de mortes [1]; em escala nacional, 38,11 milhões de casos e 708 mil mortes. Só este ano (1/1-2/12/2023), foram registrados em todo o país 1,75 milhão de casos e 14,1 mil mortes. As estatísticas brasileiras, claro, já foram muito piores. Mas nós ainda não ‘zeramos o problema’. O vírus segue a circular, enquanto a doença segue a fazer vítimas, sobretudo entre aqueles que nunca se vacinaram. Não fuja da vacina. De resto, se estiver se sentindo ‘gripado’ (dor de cabeça, febre, tosse etc.), não saia de casa sem usar máscara.

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1. ESTATÍSTICAS MUNDIAIS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES.

Levando em conta as estatísticas obtidas no fim da manhã de hoje (8/12), eis um balanço da situação mundial.

(A) – Em números absolutos, os 20 países mais afetados estão a concentrar 74% dos casos (de um total de 698.996.100) e 69% das mortes (de um total de 6.948.328) [2].

(B) – Nesses 20 países, ao menos 499 milhões de indivíduos receberam alta, o que corresponde a 96% dos casos. Em escala global, receberam alta ao menos 669 milhões de indivíduos.

(C) – Os 20 primeiros países da lista podem ser arranjados em 12 grupos (países cujas estatísticas estão congeladas há vários meses, estão indicados por um *): (a) Entre 100 e 110 milhões de casos – Estados Unidos; (b) Entre 45 e 50 milhões – Índia; (c) Entre 40 e 45 milhões – França*; (d) Entre 35 e 40 milhões – Alemanha e Brasil; (e) Entre 30 e 35 milhões – Coreia do Sul e Japão*; (f) Entre 25 e 30 milhões – Itália; (g) Entre 20 e 25 milhões – Reino Unido e Rússia; (h) Entre 15 e 20 milhões – Turquia*; (i) Entre 12 e 15 milhões – Espanha*; (j) Entre 10 e 12 milhões – Austrália, Vietnã, Taiwan e Argentina; (k) Entre 8 e 10 milhões – Países Baixos; e (l) Entre 6 e 8 milhões – México, Irã e Indonésia.

2. ESTATÍSTICAS BRASILEIRAS: SEMANA 26/11-2/12.

De acordo com as estatísticas divulgadas pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde, em 5/12, foram registrados em todo o país na semana passada (26/11-2/12) mais 28.222 casos e 232 mortes.

Teríamos chegado assim a um total de 38.106.633 casos e 708.021 mortes.

Olhando apenas para os números deste ano (1/1-2/12), já foram registrados 1.749.532 casos e 14.072 mortes. São, em média, 5.222 casos e 42 óbitos por dia (ou 36.557 casos e 294 óbitos por semana).

3. CODA.

A pandemia adormeceu. O que ajuda a explicar porque vários países interromperam a divulgação das estatísticas.

Entre nós, a pandemia também arrefeceu. Ocorre que o vírus segue a circular e a doença, claro, segue a fazer vítimas, sobretudo entre aqueles que nunca se vacinaram. No cômputo final, eu diria que as estatísticas (em especial a de mortes) ainda estão acima do nível que a sensatez classificaria como aceitável – número de mortes, digamos, comparável ao da gripe (ver aqui).

Não fuja da vacina. De resto, se estiver se sentindo ‘gripado’ (dor de cabeça, febre, tosse etc.), não saia de casa sem usar máscara. Não custa repetir: Máscaras e vacinas seguem sendo as melhores armas que nós temos para (i) impedir a ocorrência de surtos locais; e (ii) impedir o surgimento de novidades evolutivas que venham a promover uma nova e repentina escalada dos números. (Lembrando que a vacina combate a doença, mas não impede o contágio. O que pode impedir o contágio é o uso correto de máscara facial.)

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NOTAS.

[*] Há uma campanha de comercialização envolvendo os livros do autor – ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para mais informações ou para adquirir (por via postal) os quatro volumes (ou algum volume específico), faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.

[1] As estatísticas mundiais estão a ser extraídas agora do painel Worldometer: Coronavirus (Dadax, EUA), e não mais do painel Mapping 2019-nCov (Johns Hopkins University, EUA). Os dois painéis concordavam em quase tudo, com apenas uma ou outra exceção.

[2] Para detalhes e discussões a respeito do comportamento da pandemia desde março de 2020, tanto em escala mundial como nacional, ver os volumes da coletânea A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado, vols. 1-5 (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui).

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08 dezembro 2023

Sapucaeiras engalanadas


João Batista da Costa (1865-1926). Sapucaeiras engalanadas. 1922.

Fonte da foto: Wikipedia.

06 dezembro 2023

Constituinte, para quem?

Ricardo Antunes

Um retrospecto da história política brasileira mostra que nos momentos mais agudos e críticos, os setores dominantes souberam encontrar alternativas conciliadoras, sempre ‘pelo alto’, superando as fissuras e os desentendimentos existentes entre as várias frações que participavam do bloco do poder, excluindo, porém, qualquer possibilidade efetiva de atuação autônoma das massas trabalhadoras. Assim foi com a Independência, com a proclamação da República, com a chamada Revolução de 1930, com a ‘democratização’ de 1946 e, mais recentemente, com a crise de abril de 1964, para citar alguns eventos mais significativos.

Fonte: Antunes, R. 1985. Crise e poder, 2ª ed. SP, Cortez & Autores Associados.

05 dezembro 2023

O princípio da relatividade

Galileu Galilei

Encerra-te com um amigo dentro do maior camarote sob o convés de um grande navio e leva contigo moscas, borboletas e outros insetos que voam; municia-te também de um grande recipiente cheio d’água e com peixinhos; peque também um pequeno balde cuja água vaze gota a gota por um pequeno orifício em outra vasilha colocada abaixo. Quando o navio estiver parado, observa cuidadosamente como os pequenos animais que voam vão com a mesma velocidade em todas as direções da cabine; veem-se os peixes nadar indistintamente por todos os lados, e as gotas que caem entram todas no recipiente colocado abaixo; se jogares alguma coisa ao teu amigo, não terás necessidade de atirar mais forte numa direção que noutra quando as distâncias são iguais. [...] Quando tiveres observado cuidadosamente tudo isso [...] faze o navio navegar com a velocidade que desejares; desde que o movimento seja uniforme, sem balançar num sentido ou noutro, não perceberás a menor mudança em todos os efeitos que acabamos de apontar; nada permitirá que percebas que o navio está em marcha ou parado.

Fonte: Sokal, A. & Bricmont, J. 1999. Imposturas intelectuais. RJ, Record. Excerto de libro originalmente publicado em 1632.

03 dezembro 2023

Num volume de Musset

Amadeu Amaral

Lê. Mas lê com vagar. A estrofe comovida
é a torrente veloz que o Artista mal subjuga:
ora, crespa, referve; ora é um cristal sem ruga;
sempre à comtemplaçâo e ao sonho nos convida.

Não busques o lavor que a emoção, flama erguida,
a uma vã rigidez das expressões conjuga:
é a torrente, é o rolar da agua liberta, em fuga,
espelhando, a tremer, as paisagens da Vida.

Voga! Não ha temer nem remoinho nem frágua.
Olha lá dentro o céu de pérola e turqueza!
Olha as nuvens do azul vagando dentro da água!

Olha as ribas em f1or! E o salgueiral tristonho!
E a colina! Aqui tens em verdade e em beleza,
No infinito da Vida a imensidão do Sonho!

Fonte (v. 3, 7 e 8): Cunha, C. 1976. Gramática do português contemporâneo, 6ª ed. BH, Editora Bernardo Álvares. Poema publicado em 1918.

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