28 fevereiro 2021

A raiz quadrada de xis ao quadrado

Felipe A. P. L. Costa [*].

Quatro perguntas (visando instigar os jovens estudantes que estão a se preparar para ingressar na universidade):

(1) A raiz quadrada de xis ao quadrado é
(a) 0
(b) 1
(c) 2
(d) x
(e) x ao quadrado

(2) Qual a diferença entre átomo e molécula?

(3) O elemento químico mais abundante (em massa) em nosso corpo é o/a
(a) H
(b) C
(c) O
(d) N
(e) água

(4) João e José são irmãos. João tem 25 anos e 1,7 m de altura. José tem 23 anos e 1,8 m de altura. Assinale a explicação mais provável para a diferença de altura entre os dois.
(a) Número de células – O mais alto tem mais células no corpo.
(b) Tamanho das células – O mais alto tem células maiores.
(c) Idade – Os irmãos mais novos sempre são os mais altos.
(d) Trauma – O irmão mais baixo tem complexo de inferioridade.
(e) Não há explicação. Trata-se de um acidente de amostragem.

*

Notas.

[*] O autor está a finalizar um novo livro, A força do conhecimento & outros ensaios: Um convite à ciência (ver amostras aqui, aqui, aqui e aqui). Há uma campanha de comercialização em curso envolvendo os quatro livros anteriores do autor – para detalhes, ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.

* * *

26 fevereiro 2021

Seis poetas


Giorgio Vasari (1511-1574). Sei poeti toscani. 1544.

Fonte da foto: Wikipedia.

24 fevereiro 2021

Grito

Edson Guedes de Morais

Desespero de sentir
a vida se esvaindo,
torneira aberta
sobre um chão de pedra.

Que flor vai nascer?

O gesto não muda
o sentido do vento;
a folha não fica
parada no ar.

A gente se engana
com a falsa esperança
que um dia se mude
o curso do rio,
e nada se faz:

fica-se olhando
o mar nos chamando,
sem nada que nos detenha,
sem coragem para o salto.

Na esquina, há uma loja
que vende pássaros.

Fonte (penúltima estrofe): Horta, A. B. 2016. Do que é feito o poeta. Brasília, Thesaurus. Poema publicado em livro em 1956.

22 fevereiro 2021

De onde viemos?

John Gribbin

A pergunta ‘de onde viemos?’ é a mais profunda de todas as perguntas possíveis de fazer, e a capacidade de fazê-la é um critério tão bom quanto qualquer outro dos usados para distinguir entre a espécie inteligente e as não inteligentes. Essa curiosidade se estende ao nosso meio imediato, pois as origens do homem não podem ser consideradas isoladamente; são parte de um mistério maior, que abrange as origens da vida na Terra e o lugar da Terra no Universo de estrelas e galáxias que vemos à nossa volta. Um urso, digamos, pode ter um interesse natural no fato de as abelhas fabricarem mel e nidificarem em árvores, mas, tanto quanto sabemos, não pondera nos mistérios de por que as abelhas nidificam em árvores, nem especula a explicação da forma hexagonal das células que compõem o favo. É um traço distintivo e exclusivo da vida humana, no que respeita à vida da Terra, indagar o onde e o como das nossas origens e das do que nos cerca, bem como (com bem menos êxito) o porquê de ser o Universo o que é.

Fonte: Gribbin, J. 1983 [1981]. Gênese: As origens do homem e do Universo. RJ, Francisco Alves.

20 fevereiro 2021

Ignotus

Abgar Renault

Eu não sei quem Tu és. Mas sei que Tu existes,
e sei que és Tu que acendes as estrelas lá no Alto,
e o lume, às vezes, da alegria na pobreza dos meus olhos tristes.

Eu não Te vejo, eu não Te falo, senão no silêncio secular
das noites insones e profundas, em que meu corpo se apaga,
e minha alma é uma chama inquieta a crepitar...

Eu Te quero e Te temo, pávido, esquivo e ansioso... E pela vida inteira,
se Te fujo – olhos sem luz para não ver-Te, ouvidos surdos para não Te ouvir
sinto o Teu esplendor doer na minha tórpida cegueira,

e ouço o rumor augural dos remos do Teu barco, lento e lento
a ferir, com seu ritmo de Absoluto,
a água noturna do meu pensamento...

Fonte: Horta, A. B. 2003. Sob o signo da poesia. Brasília, Thesaurus. Poema publicado em livro em 1983.

18 fevereiro 2021

In no strange land

Francis Thompson

The Kingdom of God is within you.

O world invisible, we view thee,
O world intangible, we touch thee,
O world unknowable, we know thee,
Inapprehensible, we clutch thee!

Does the fish soar to find the ocean,
The eagle plunge to find the air –
That we ask of the stars in motion
If they have rumour of thee there?

Not where the wheeling systems darken,
And our benumbed conceiving soars! –
The drift of pinions, would we hearken,
Beats at our own clay-shuttered doors.

The angels keep their ancient places; –
Turn but a stone, and start a wing!
’Tis ye, ’tis your estrangèd faces,
That miss the many-splendoured thing.

But (when so sad thou canst not sadder)
Cry; – and upon thy so sore loss
Shall shine the traffic of Jacob’s ladder
Pitched betwixt Heaven and Charing Cross.

Yea, in the night, my Soul, my daughter,
Cry, – clinging Heaven by the hems;
And lo, Christ walking on the water,
Not of Genesareth, but Thames!

Fonte (v. 1-2, 19-20 e 23-24): Carpeaux, O. M. 2011. História da literatura ocidental, vol. 4. Brasília, Senado Federal. Poema publicado em livro em 1908.

15 fevereiro 2021

Judite com a cabeça de Holofernes


Cristofano Allori (1577-1621). Giuditta con la testa di Oloferne. ~1612.

Fonte da foto: Wikipedia. (Há mais de uma versão desse quadro.)

13 fevereiro 2021

A urbanização da humanidade

Kingsley Davis

[O] obstáculo mais importante ao crescimento das cidades no passado foi a excessiva mortalidade. A água de Londres, na metade do século XIX, provinha principalmente de poços e rios poluídos. A cidade era regularmente assolada pelo cólera. Estatísticas de 1841 mostram uma expectativa de vida de cerca de 36 anos para Londres e 26 anos para Liverpool e Manchester, ao passo que para a Inglaterra e País de Gales, em sua totalidade, a expectativa era de 41 anos. Depois de 1850, [em] decorrência de medidas sanitárias e melhoria da nutrição e moradia, a expectativa média de vida elevou-se sensivelmente, mas mesmo assim no período compreendido entre 1901 e 1910 a proporção de óbitos nos municípios urbanos da Inglaterra e do País de Gales era 33% mais elevada do que a dos municípios rurais. Bernard Benjamin, estatístico do British General Register Office, notou: “Morar na cidade acarretava não apenas um maior risco de ser contaminado por uma epidemia... mas, também, um risco maior de contrair outras doenças decorrentes do árduo trabalho nas fábricas e no próprio desconforto urbano”. Em 1950, entretanto, a diferença notada praticamente terminara.

Fonte: Davis, K. 1977 [1967]. In: Vários. Cidades: A urbanização da humanidade. RJ, Zahar.

12 fevereiro 2021

14 anos e quatro meses no ar

F. Ponce de León

Nesta sexta-feira, 12/2, o Poesia contra a guerra completa 14 anos e quatro meses no ar.

Desde o balanço anterior – ‘14 anos e três meses no ar’ – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Maria Tereza, Roy A. Rappoport e Tânia Andrade Lima. Além de outros que já haviam sido publicados antes.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Alessandro Allori, Jacopo Bassano e Lorenzo Lotto.

11 fevereiro 2021

Como os hospedeiros favorecem a disseminação de parasitos virulentos

Felipe A. P. L. Costa [*].

1. Parasitos, infecções e doenças.

Um parasito é um organismo que obtém seus nutrientes de um ou de uns poucos hospedeiros individuais, normalmente provocando algum dano, mas sem levar à morte imediata.

Quando um parasito coloniza um hospedeiro, diz-se que este abriga uma infecção. Se a infecção ocasiona sintomas claramente prejudiciais ao hospedeiro, diz-se que este tem uma doença [1].

Doenças causadas por parasitos são genericamente referidas como parasitoses e os parasitos que provocam tais doenças são genericamente referidos como patógenos.

Cabe notar que o termo patogênico não está sendo usado aqui em alusão a um atributo que seja universal ou invariável. Um organismo que é patogênico para a espécie A, por exemplo, pode não ter o mesmo efeito quando infecta a espécie B. E mais: um mesmo parasito pode ser patogênico em determinadas circunstâncias (e.g., quando o hospedeiro já abriga outros parasitos), mas não em outras.

2. Zoonoses e doenças contagiosas.

Ao menos 1.415 diferentes organismos infecciosos causam ou podem causar doenças em seres humanos [2]. A maioria (61%) dessas parasitoses é de origem zoonótica (i.e., humanos contraem a infecção de algum animal previamente infectado). Entre as novas doenças infecciosas que estão a surgir, o percentual é ainda maior: 75% das doenças emergentes são de origem zoonótica [3].

Zoonoses podem ser disseminadas por vias diretas ou indiretas. No primeiro caso estão as doenças contagiosas e as infecções provocadas pela ingestão do parasito. Diz-se que as doenças contagiosas são de transmissão direta porque indivíduos sadios contraem a infecção ao terem contato (íntimo ou não) com algum indivíduo previamente infectado (doente ou não). (Embora não estejamos a tratar delas aqui, não custa lembrar: as infecções sexualmente transmissíveis, como a gonorreia, a sífilis e a Aids, são igualmente rotuladas de contagiosas.)

No segundo caso, a transmissão do parasito depende da presença de uma terceira espécie, referida como vetor. Não há contágio. O que ocorre é uma triangulação: em decorrência dos seus hábitos de vida, o vetor estabelece uma conexão entre um ou mais hospedeiros infectados (doentes ou não) e um ou mais hospedeiros sadios (coespecíficos ou não). Febre amarela, dengue e doença de Chagas são exemplos de zoonoses cuja disseminação depende da ação de um vetor – dípteros culicíneos, nos dois primeiros casos, e percevejos triatomíneos, no último [4].

3. Covid-19 (a doença) e SARS-CoV-2 (o vírus).

A doença do coronavírus 2019 (Covid-19) pode ser descrita como um tipo bastante agressivo de pneumonia. O agente etiológico é o coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2), um vírus não envelopado de fita simples de ARN, referido anteriormente como 2019-nCoV ou WHCV.

O SARS-CoV-2 é o sétimo coronavírus conhecido capaz de infectar seres humanos – SARS-CoV, MERSCoV e SARS-CoV-2 podem causar doenças graves, enquanto HKU1, NL63, OC43 e 229E estão associados a sintomas leves [5].

A Covid-19 é uma doença contagiosa e, assim como ocorre com outras viroses respiratórias (e.g., gripe), compartilhar espaços fechados com outros indivíduos representa o maior risco de infecção [6].

4. A interface hospedeiro/parasito.

Parasitos não costumam debilitar seus hospedeiros a ponto de destruí-los. Mas podem causar danos. Fala-se então em virulência do parasito.

Diferentes linhagens de hospedeiros possuem seus próprios sistemas de defesa contra parasitos e outros inimigos naturais. De um modo geral, três linhas de defesa parecem ter evoluído para minimizar os danos de uma infecção [7]: (1) ajustes comportamentais (reduzindo as chances de encontro com o parasito); (2) resistência (limitando a carga de parasitos); ou (3) tolerância (limitando a extensão dos danos causados pela carga de parasitos).

As idas e vindas entre parasitos e hospedeiros ilustram bem a chamada corrida armamentista. Cito, recorrendo ao que escrevi em outro lugar [8]:

“Generalizando, e pensando agora não apenas em uma única comunidade local, mas em comunidades ecológicas de um modo geral, caberia aqui uma derradeira questão: até que ponto as mudanças evolutivas são determinadas por fatores bióticos (como prevê o modelo Rainha Vermelha) ou abióticos (modelo Bobo da Corte)?

“O primeiro modelo – alusão à Rainha Vermelha, personagem do livro Alice através do espelho, de Lewis Carroll – foi proposto pelo biólogo estadunidense Leigh Van Valen (1935-2010). Segundo Van Valen, as interações ecológicas seriam os principais condutores da evolução. É o que vemos quando um novo tipo de defesa surge em uma população de presas, por exemplo. A partir daí, o desenvolvimento de algum tipo de contra-ataque por parte do predador adquire elevado potencial seletivo e passa a ser favorecido.

“Essas corridas armamentistas (do ing. arm races ou evolutionary arm races) não têm uma solução definitiva, pois a evolução de novos tipos de defesa (e ataque) gera repercussões que vão e voltam… Como no livro de Carroll, as linhagens estariam sempre “correndo para permanecer no mesmo lugar” – se conseguem mudar e reagir, o prêmio é a persistência; caso contrário, elas desaparecem.”

5. Sobre a evolução da virulência.

Até a segunda metade do século 20, perdurou a ideia de que a interação entre hospedeiros e parasitos evoluiria para uma relação atenuada, estável e duradoura [9]. Ponto de vista segundo o qual a coevolução entre as linhagens (leia-se: influências evolutivas mútuas entre elas) resultaria em parasitos pouco ou nada virulentos e em hospedeiros mais ou menos saudáveis. Um dos primeiros a articular essas ideias foi o médico e pesquisador estadunidense Theobald Smith (1859-1934), um pioneiro no estudo da evolução da virulência [10].

Mais recentemente, porém, emergiu a hipótese de que a virulência poderia ser adaptativa [11], notadamente se estiver relacionada com algum traço da infecção que favoreça a transmissão do parasito. Vejamos.

Alguns parasitos exploram seus hospedeiros de um modo, digamos, bem econômico – e.g., o parasito consome quantidades mínimas de tecidos do hospedeiro, de sorte que os danos não são extensivos nem severos. Outros parasitos, no entanto, tendem a explorar o hospedeiro de modo mais vigoroso. Os danos são mais severos e a interação tende a ser breve, pois o parasito costuma se propagar precocemente [12].

6. Quando a destruição do hospedeiro já não é um problema.

Com base em achados teóricos e em trabalhos de campo, muitos estudiosos passaram a defender a ideia de que haveria um meio-termo entre virulência e transmissão. A tal ponto e de tal modo que a virulência tenderia a ser inversamente proporcional à duração da infecção [13].

Valores ótimos desse meio-termo – do ponto de vista do parasito – emergiriam a partir do momento em que os benefícios da infecção (e.g., elevação na taxa de transmissão) passassem a crescer mais lentamente que os custos (e.g., elevação na mortalidade do hospedeiro).

De resto, embora os valores exatos variem de acordo com as espécies e as circunstâncias, duas conclusões gerais parecem emergir.

A primeira. Em um contexto de baixa densidade do hospedeiro, linhagens menos virulentas devem se impor sobre as mais virulentas. Por quê? Ora, visto que os contatos são raros e as chances de transmissão, reduzidas, os patógenos que se propagam mais lentamente, sem causar danos extensivos e sem imobilizar o hospedeiro [14], devem ser os mais favorecidos.

A segunda. Quando os contatos são frequentes e as chances de transmissão, elevadas, a vantagem relativa troca de mãos (ver a figura que acompanha este artigo). E a situação toma outro rumo: As linhagens que se propagam mais rápida ou precocemente seriam as mais favorecidas. E estas, a depender da universalidade do meio-termo ente transmissão e virulência, seriam também aquelas cujo comportamento gera mais danos ou danos mais severos. Visto que a destruição de hospedeiros individuais já não mais seria uma barreira contra a disseminação do parasito.

*


FIGURA. Um modelo de como a densidade e o uso de máscaras faciais estariam a afetar a disseminação da Covid-19. Cada esfera representa um indivíduo; as vermelhas representam indivíduos infectados e as azuis, os susceptíveis (sadios que podem contrair a infecção); as grandes representam indivíduos desprovidos de máscaras e as pequenas, os providos de máscaras. Colisões entre as esferas resultam em contágio e, consequentemente, na disseminação do vírus. São mostrados quatro cenários: (a) Baixa densidade e uso generalizado de máscaras; (b) Uso generalizado de máscaras, mas alta densidade; (c) Baixa densidade, mas sem o uso de máscaras. (d) Alta densidade e sem o uso de máscaras. As chances de colisão aumentam (muito) à medida que aumenta a densidade ou o tamanho das esferas. Razão pela qual as chances de contágio são mínimas em a, mas são máximas em d.

*

7. Coda.

O que esperar então da pandemia da Covid-19, senão o seu agravamento?

Afinal, muitos nós, brasileiros, já não estaríamos a abrir mão das máscaras e das medidas de distanciamento espacial [15]?

Ora, ora, ora.

Levando em conta o que já sabemos, abandonar precocemente as medidas de proteção implicaria em um duplo agravamento.

Por um lado, continuaríamos a vivenciar o agravamento demográfico ora em curso (e.g., aumento continuado no número de casos e mortes, como tem sido registrado desde o início de novembro – ver aqui). O desarranjo demográfico, por sua vez, teria implicações evolutivas (e.g., favorecendo a disseminação de linhagens mais virulentas, como teria ocorrido em Manaus e como já estaria a ocorrer no Rio de Janeiro).

E estes dois cenários são igualmente ruins e preocupantes.

*

Notas.

[*] O presente artigo abriga material que deve aparecer no novo livro do autor, A força do conhecimento & outros ensaios: Um convite à ciência (em processo de conclusão; título provisório; ver amostras anteriores aqui, aqui e aqui). Há uma campanha de comercialização em curso envolvendo os quatro livros anteriores do autor – para detalhes, ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.

[1] Para detalhes e discussões, ver Begon et al. (2007).

[2] Para detalhes, ver Taylor et al. (2001).

[3] Sobre doenças emergentes (em português), ver Garrett (1995).

[4] Sobre culicíneos e triatomíneos, ver Ray (2008); para diferenciar os culicíneos (e.g., Stegomyia, Aedes e Culex) de outros culicídeos (e.g., Anopheles), ver Consoli & Oliveira (1994).

[5] Ver Andersen et al. (2020).

[6] Ver Qian et al. (2020). Os primeiros casos da Covid-19 foram registrados em Wuhan (~11 milhões de habitantes), a capital da província chinesa de Hubei, em dezembro de 2019. A pandemia chegou ao Brasil em fevereiro de 2020 – talvez antes. Entre nós, o primeiro caso foi registrado em 25/2 – ou no dia seguinte (Quarta-feira de Cinzas), segundo o Ministério da Saúde. A primeira morte teria ocorrido em 17/3.

[7] Para detalhes e discussão, ver Medzhitov et al. (2012). Cabe ressaltar que as três estratégias de defesa citadas não são mutuamente excludentes.

[8] Citação extraída e adaptada do livro O que é darwinismo (Costa 2019). Alternativamente, ver o artigo ‘Rainha Vermelha ou Bobo da Corte?’.

[9] Há uma rica literatura sobre a evolução da virulência – e.g., Frank (1996), Day (2001) e Alizon & Michalakis (2015); em português, ver Giorgio (1995) e Freeman & Herron (2009).

[10] Sobre a vida e a obra de Smith, ver Méthot (2012).

[11] Sobre o significado e o alcance da evolução adaptativa, ver Costa (2019).

[12] Para detalhes e discussão, ver Frank (1996).

[13] Sobre o uso do conceito de meio-termo (ing. trade-offs) no âmbito da biologia evolutiva, ver Costa (2019); sobre a relação entre virulência e transmissão, ver Frank (1996), Day (2001) e Alizon & Michalakis (2015).

[14] Para uma discussão detalhada, ver Ewald (1988).

[15] Alguns brasileiros nunca adotaram e muitos dos que adotaram estão agora a afrouxar ou a abandonar as medidas. E estes últimos parecem agir com base na ideia de que a “vacina chegou”. Não é verdade. A rigor, a vacina ainda vai demorar a chegar – arrisco dizer que o tempo médio de espera dos que serão vacinados não deverá ficar abaixo de seis meses.

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Referência citadas.

+ Alizon, S & Michalakis, Y. 2015. Adaptive virulence evolution: the good old fitness-based approach. Trends in Ecology and Evolution 30: 248-254.
+ Andersen, KG & mais 4. 2020. The proximal origin of SARS-CoV-2. Nature Medicine 26: 450-452.
+ Begon, M; Townsend, CR & Harper, JL. 2007. Ecologia, 4ª ed. Porto Alegre, Artmed.
+ Consoli, RAGB & Oliveira, RL. 1994. Principais mosquitos de importância sanitária no Brasil. RJ, Fiocruz.
+ Costa, FAPL. 2019. O que é darwinismo. Viçosa, Edição do Autor.
+ Day, T. 2001. Parasite transmission modes and the evolution of virulence. Evolution 55: 2389-2400.
+ Ewald, PA. 1988. Cultural vectors, virulence, and the emergence of evolutionary epidemiology. Oxford Surveys in Evolutionary Biology 5: 215-245.
+ Frank, SA. 1996. Models of parasite virulence. Quarterly Review of Biology 71: 37-78.
+ Freeman, S & Herron, JC. 2009. Análise evolutiva. 4ª ed. Porto Alegre, Artmed.
+ Garrett, L. 1995. A próxima peste. RJ, Nova Fronteira.
+ Giorgio, S. 1995. Moderna visão da evolução da virulência. Revista de Saúde Pública 29: 398-402.
+ Medzhitov, R; Schneider, DS & Soares, MP. 2012. Disease tolerance as a defense strategy. Science 335: 936-941.
+ Méthot, PO. 2012. Why do parasites harm their host? On the origin and legacy of Theobald Smith’s ‘Law of declining virulence’ – 1900-1980. History and Philosophy of the Life Sciences 34:561-601.
+ Qian, H & mais 5. 2020. Indoor transmission of SARS-CoV-2. doi: https://doi.org/10.1101/2020.04.04.20053058.
+ Rey. L. 2008. Parasitologia, 4ª ed. RJ, Guanabara Koogan.
+ Taylor LH; Latham SM & Woolhouse MEJ. 2001. Risk factors for human disease emergence. Philosophical Transactions of the Royal Society of London B 356: 983-989.

* * *

08 fevereiro 2021

Mineiridade

Conceição Evaristo

Quando chego de Minas
trago sempre na boca um gosto de terra.
Chego aqui com o coração fechado,
um trem esquisito no peito.
Meus olhos chegam divagando saudades,
meus pensamentos cheios de uais
e esta cidade aqui me machuca
me deixa maciça, cimento
e sem jeito.
Chegando de Minas
trago sempre nos bolsos
queijos, quiabos babentos
da calma mineira.
É duro, é triste
ficar aqui
com tanta mineiridade no peito.

Fonte (v. 10-13): Pereira, E. A., org. 2010. Um tigre na floresta de signos. BH, Maza. Poema publicado em livro em 2008.

06 fevereiro 2021

Os pescadores de pérolas


Alessandro Allori (1535-1607). Pesca delle perle. 1570-71.

Fonte da foto: Wikipedia.

04 fevereiro 2021

Deus

Nuno Júdice

À noite, há um ponto do corredor
em que um brilho ocasional faz lembrar
um pirilampo. Inclino-me para o apanhar
– e a sombra apaga-o. Então,
levanto-me: já sem a preocupação
de saber o que é esse brilho, ou
do que é reflexo.
Ali, no entanto, ficou
uma inquietação; e muito tempo depois,
sem me dar conta do motivo autêntico,
ainda me volto no corredor, procurando a luz
que já não existe.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1994.

02 fevereiro 2021

O país segue com os dois pés afundados na lama

Felipe A. P. L. Costa [*].

1. O balanço da semana que passou.

Anteontem (31/1), de acordo com o Ministério da Saúde, foram registrados em todo o país mais 27.756 casos e 573 mortes. Teríamos chegado assim a um total de 9.204.731 casos e 224.504 mortes.

Em números absolutos, os casos registrados na semana encerrada no domingo (25-31/1) ficaram abaixo dos que foram registrados na semana anterior. Foram 356.478 casos, contra 360.154 (18-24/1).

Desgraçadamente, porém, o número de mortes tornou a subir. E muito. Foram 7.467 mortes. O que fez da semana encerrada anteontem (25-31/1) a segunda mais letal desde o início da pandemia [1].

2. Taxas de crescimento.

Em termos de monitoramento, porém, o correto é examinar aqueles parâmetros que nos falam sobre a dinâmica da pandemia, como é o caso das taxas de crescimento no número de casos e de mortes [2]. Vejamos, então.

Em comparação com as médias da semana anterior (18-24/1), as médias da semana passada (25-31/1) oscilaram pouca coisa: a taxa de casos declinou um pouco, enquanto a de mortes escalou, ainda que minimamente (ver a figura que acompanha este artigo).

Eis os resultados: A taxa de crescimento no número de casos recuou de 0,59% (18-24/1) para 0,57% (25-31/1), enquanto a taxa de crescimento no número de mortes permaneceu em torno de 0,48% (25-31/1) [3, 4].

*


FIGURA. Comportamento das médias semanais das taxas de crescimento no número de casos (pontos em azul escuro e azul claro) e no número de óbitos (pontos em vermelho escuro e vermelho claro) em todo o país (valores expressos em porcentagem), entre 28/6 e 31/1. (Valores acima de 2% não são mostrados.) Os pontos claros (azul, casos; vermelho, mortes) indicam semanas cujas médias ficaram abaixo da média das duas últimas semanas (18-31/1). As quatro médias mais baixas das duas séries (casos e mortes) foram observadas entre 11/10 e 8/11, caracterizando o período como o ‘melhor mês’. Logo em seguida, porém, note como as duas nuvens de pontos experimentaram rupturas e mudaram de rumo. E note como o apagão que houve na divulgação das estatísticas, na segunda quinzena de dezembro, rebaixou artificialmente as duas trajetórias.

*

3. Coda.

As taxas de crescimento (casos e mortes) pararam de crescer. Mas estamos estagnados. E em patamares relativamente elevados – as médias da semana passada, por exemplo, são bem superiores às médias observadas no ‘melhor mês’: 0,38% (casos) e 0,27% (mortes).

Sem medidas efetivas de controle, o ritmo poderá permanecer inalterado durante meses. Ou pode vir a piorar. (Não se iluda: os primeiros efeitos da campanha de vacinação só serão percebidos – na melhor das hipóteses – no segundo semestre [5].)

A situação é dramática. Basta ver o seguinte: no ritmo atual, o país irá contabilizar 10.798.097 casos e 257.031 mortes até o último domingo de fevereiro (28/2).

Não era para ser assim. Não tinha de ser assim.

*

Notas.

[*] Para detalhes e informações sobre o livro mais recente do autor, O que é darwinismo (2019), inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros livros e artigos, ver aqui.

[1] Desde a chegada da pandemia em terras brasileiras, 11 semanas ultrapassaram a marca das sete mil mortes (o que equivale a uma média diária superior a 1 mil óbitos/dia). Na pior delas (20-26/7) foram registradas 7.516 mortes.

[2] Arrisco dizer que a pandemia chegará ao fim sem que a imprensa brasileira (grande parte dela, ao menos) se dê conta de que está monitorando a pandemia de um jeito, digamos, desfocado – além de burocrático e bastante superficial. Para capturar e antever a dinâmica de processos populacionais, como é o caso da disseminação de uma doença contagiosa, devemos recorrer a um parâmetro que tenha algum poder preditivo. Não é o caso da média móvel. Mas é o caso da taxa de crescimento – seja do número de casos, seja do número de mortes. De resto, trata-se de um parâmetro de fácil computação (ver a nota 4).

[3] A rigor, no caso do número de mortes, a diferença nos resultados só aparece na terceira casa decimal: 0,4824% (18-24/1) contra 0,4844% (25-31/1). Entre 25/10 e 31/1, as médias semanais exibiram os seguintes valores: (1) casos: 0,43% (19-25/10), 0,4% (26/10-1/11), 0,3% (2-8/11), 0,49% (9-15/11), 0,5% (16-22/11), 0,56% (23-29/11), 0,64% (30-6/12), 0,63% (7-13/12), 0,68% (14-20/12), 0,48% (21-27/12), 0,47% (28/12-3/1), 0,67% (4-10/1), 0,66% (11-17/1), 0,59% (18-24/1) e 0,57% (25-31/1); e (2) mortes: 0,3% (19-25/10), 0,26% (26/10-1/11), 0,21% (2-8/11), 0,3% (9-15/11), 0,29% (16-22/11), 0,3% (23-29/11), 0,34% (30-6/12), 0,36% (7-13/12), 0,42% (14-20/12), 0,33% (21-27/12), 0,36% (28/12-3/1), 0,51% (4-10/1), 0,47% (11-17/1), 0,48% (18-24/1) e 0,48% (25-31/1).

[4] Sobre o cálculo das taxas de crescimento, ver qualquer um dos quatro volumes da coletânea A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado (aqui, aqui, aqui e aqui).

[5] Devemos tomar cuidado com as armadilhas mentais que cercam a recém-iniciada campanha de vacinação. Três das quais seriam as seguintes: (1) a imunização individual não é instantânea nem nos livra de continuar adotando as medidas de proteção social (e.g., distanciamento espacial e uso de máscara); (2) a imunização coletiva só será alcançada depois que a maioria (> 75%) da população tiver sido vacinada; e (3) a população brasileira é grande, de sorte que a campanha irá demorar vários meses (mais de um ano, talvez).

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