30 julho 2020

Interações ecológicas, zoonoses e doenças contagiosas


1.

Viver é interagir.

Nenhum ser vivo é autossuficiente. Todo e qualquer recém-nascido depende de fontes externas de matéria e energia para construir e manter o seu corpo.

Não há bolhas nem vácuos ecológicos na natureza. Todo e qualquer organismo nasce, cresce e vive em um mundo previamente ocupado por outros organismos.

2.

Costumamos dividir o mundo vivo em duas partes bem desiguais.

Um primeiro grupo, relativamente pequeno, mas fortemente estruturado, é integrado por uns poucos indivíduos coespecíficos com os quais nós mantemos laços mais ou menos coesos e duradouros (pais, irmãos, filhos etc.).

E um segundo grupo, mais frouxo e heterogêneo e, claro, bem mais numeroso, no qual reunimos espécies com as quais nós habitualmente interagimos. De um ponto de vista antropocêntrico, os organismos aí incluídos representam basicamente recursos (e.g., plantas usadas na alimentação), além de inimigos naturais (e.g., vírus e outros patógenos) e competidores (e.g., pragas agrícolas).

3.

Adotando uma perspectiva ecológica mais ampla, podemos olhar para o mundo vivo e pensar em populações e comunidades.

Populações são agrupamentos de indivíduos coespecíficos que vivem em um mesmo hábitat (ou em uma rede de hábitats interconectados). Vale notar que nem todos esses indivíduos interagem entre si do mesmo jeito ou com a mesma intensidade, sobretudo em populações que ocupam uma extensa área de distribuição geográfica.

Em sentido amplo, comunidades são definidas como agregados de populações de espécies distintas que vivem em um mesmo hábitat (ou em uma rede de hábitats interconectados). Ocorre que nem todas as espécies que vivem juntas interagem de modo sistemático e significativo. Uma definição mais rigorosa, portanto, não deveria adotar como critério apenas a convivência. Comunidades seriam mais bem definidas como agregados de populações de espécies distintas que convivem e interagem entre si.

Um lago e um fragmento de floresta, por exemplo, abrigam um sem número de populações de espécies distintas. E abrigam não apenas uma, mas inúmeras comunidades. Agora, para decidir quem participa ou não de uma mesma comunidade, não basta examinar a proximidade física, é necessário investigar e saber um pouco sobre as interações entre as populações ali presentes [1].

4.

A vida no interior das comunidades é regida pelas interações. Estas, no entanto, independem de contato físico ou mesmo de encontros.

Encontros breves e fortuitos estão a ocorrer o tempo todo, mas quase todos são irrelevantes ou desprovidos de implicações na vida dos envolvidos. Por sua vez, algumas das interações mais intensas e relevantes costumam ocorrer por vias indiretas, sem que os envolvidos sequer se encontrem. É o que acontece no caso de interações que são mediadas pela exploração de uma base comum de recursos ou por meio de uma terceira espécie (e.g., um predador que se alimenta de duas espécies de presas). Vejamos um exemplo.

5.

Considere duas espécies, X e Y, que se alimentam do néctar das flores de uma mesma espécie de planta. Porém, basta que X seja um animal de hábitos diurnos e Y, um animal noturno, para que as duas espécies sequer se encontrem. Ainda assim, no entanto, as duas populações podem interagir de modo sistemático e significativo, cada uma delas tendo um tremendo impacto na vida da outra. Veja: se a produção de néctar é limitada e se o consumo implica em diminuição do suprimento disponível para consumo futuro, a presença de X terá um impacto negativo sobre Y, assim como Y terá um impacto negativo sobre X. (Em casos assim, sempre que uma das espécies é removida – para fins experimentais, por exemplo –, a espécie remanescente tende a passar por uma fase de apreciável crescimento populacional.)

6.

No cômputo final, as interações significativas (tanto em termos ecológicos como evolutivos) são aquelas que têm algum impacto (positivo ou negativo) sobre um ou mais componentes da aptidão (e.g., crescimento, longevidade, fertilidade) dos envolvidos. No caso mais simples, quando apenas duas espécies são analisadas de cada vez, as diferentes combinações possíveis podem ser arranjadas em três categorias: mutualismo (+/+), competição (–/–) e exploração (+/–).

Uma interação é dita mutualística quando o seu efeito sobre as duas espécies é mutuamente positivo (e.g., promovendo o crescimento individual ou o crescimento numérico das populações). Quando o efeito é mutuamente negativo, como foi o caso do exemplo dos visitantes florais citado acima, diz-se que a interação é competitiva. Por fim, sob o rótulo genérico de exploração, reunimos aqui aquelas interações que são parcialmente antagônicas: a interação é positiva para uma das espécies, mas é negativa para a outra. É o que acontece no parasitismo, por exemplo, e na predação [2].

*


FIGURA. Flagrante de interação direta envolvendo contato físico: uma mosca (família Tachinidae) está a depositar seus ovos sobre uma lagarta de mariposa (f. Sphingidae) [3]. Trata-se de uma relação de exploração referido na literatura técnica como parasitoidismo (um meio-termo, digamos assim, entre parasitismo e predação). Os parasitoides são definidos em função dos hábitos alimentares de suas larvas e, embora os detalhes variem de acordo com a espécie, o quadro geral é mais ou menos o mesmo: as larvas crescem e se desenvolvem no interior do corpo do hospedeiro, enquanto o adulto é de vida livre (como é o caso da mosca da foto). O hospedeiro em geral permanece vivo e, muitas vezes, ativo até a saída do parasitoide. A maioria dos parasitoides é de pequeno porte (< 2 mm). As espécies conhecidas pertencem a umas poucas ordens de insetos, notadamente os dípteros (moscas) e os himenópteros (vespas). Os hospedeiros, por sua vez, pertencem a um leque bem mais amplo e variado de grupos, incluindo várias ordens de insetos, além de alguns outros grupos de artrópodes.

*

7.

Um parasito é um organismo que obtém seus nutrientes de um ou de uns poucos hospedeiros individuais, normalmente provocando dano, mas sem causar morte imediata. Quando um parasito coloniza um hospedeiro, diz-se que este abriga uma infecção. Se a infecção ocasiona sintomas claramente prejudiciais ao hospedeiro, diz-se que este tem uma doença [4].

Doenças causadas por parasitos são genericamente referidas como parasitoses e os parasitos que provocam tais doenças são genericamente referidos como patógenos. O atributo ‘organismo patogênico’, no entanto, não é algo que seja invariável e universal. Um parasito que é patogênico para a espécie A, pode não ter o mesmo efeito quando está na espécie B. Além disso, um parasito pode ser patogênico apenas em determinadas circunstâncias (e.g., quando o hospedeiro já abriga outros parasitos).

8.

Ao menos 1.415 diferentes organismos infecciosos causam ou podem causar doenças em seres humanos [5]. A maioria (61%) dessas parasitoses é de origem zoonótica (leia-se: quando os seres humanos contraem a infecção por meio de algum animal previamente infectado). Entre as novas doenças infecciosas que estão a surgir, este percentual é ainda maior: 75% das doenças emergentes são de origem zoonótica.

A Covid-19 é uma doença emergente de origem zoonótica, embora ainda se discuta a identidade do reservatório natural do vírus (SARS-CoV-2). Exemplo clássico e famoso de zoonose é a raiva (e.g., cães e gatos infectados podem transmitir a doença). Trata-se igualmente de uma virose. (Seu agente etiológico é um vírus do gênero Rhabdovirus.) Mas o agente etiológico das zoonoses nem sempre é um vírus. Pode ser uma bactéria, um fungo, um protozoário ou um verme [56].

9.

Zoonoses podem ser disseminadas por vias diretas ou indiretas. No primeiro caso estão as doenças contagiosas e as infecções provocadas pela ingestão do parasito. No caso das doenças contagiosas, diz-se que a transmissão é direta porque indivíduos sadios são infectados ao entrarem em contato (íntimo ou não) com algum indivíduo previamente infectado (doente ou não). (Embora não estejamos aqui a tratar especificamente delas, não custa lembrar: as infecções sexualmente transmissíveis, como a gonorreia, a sífilis e a Aids, também são apropriadamente rotuladas de contagiosas.)

No segundo caso, a transmissão do parasito depende da presença de uma terceira espécie, referida como vetor. Não há contágio. O que ocorre é uma triangulação: em decorrência dos seus hábitos de vida, o vetor estabelece uma conexão entre hospedeiros infectados (doentes ou não) e hospedeiros sadios (coespecíficos ou não). Febre amarela, dengue e doença de Chagas são exemplos de zoonoses cuja disseminação depende da ação de um vetor – e.g., dípteros culicíneos, nos dois primeiros casos, e percevejos triatomíneos, no último [7].

*

Notas.

[*] Este artigo é primeiro de uma série intitulada ‘Epidemias como um fenômeno populacional’. Para detalhes e informações sobre o livro mais recente do autor, O que é darwinismo (2019), inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros livros e artigos, ver aqui.

[1] Certas comunidades atravessam e ignoram a barreira física mais ou menos óbvia que muitos observadores julgam enxergar entre hábitats descontínuos (e.g., um lago e a vegetação de terra firme em volta) – para um exemplo, ver Knight, TM & mais 4. 2005. Trophic cascades across ecosystems. Nature 437: 880-3.

[2] Para detalhes, exemplos e referências a respeito dos itens 1-6, ver o meu O que é darwinismo (2019).

[3] Fonte da foto: Stireman, JO, III; O’Hara, JE & Wood, DM. 2006. Tachinidae: Evolution, behavior, and ecology. Annual Review of Entomology 51: 525-55.

[4] Para detalhes e discussões adicionais, ver Begon, M; Townsend, CR & Harper, JL. 2007. Ecologia, 4ª ed. Porto Alegre, Artmed.

[5] Ver Taylor LH; Latham SM & Woolhouse MEJ. 2001. Risk factors for human disease emergence. Philosophical Transactions of the Royal Society of London B 356: 983-89; sobre doenças emergentes, ver Garrett, L. 1995. A próxima peste. RJ, Nova Fronteira.

[6] Para exemplos e discussões detalhadas, ver Tortora, GJ; Funke, BR & Case, CL. 2006. Microbiologia, 8ª ed. Porto Alegre, Artmed; e Ray. L. 2008. Parasitologia, 4ª ed. RJ, Guanabara Koogan.

[7] Sobre culicíneos e triatomíneos, ver Ray (2008), citado na nota 5. Para diferenciar os culicíneos (e.g., StegomyiaAedes e Culex) de outros culicídeos (e.g., Anopheles), ver Consoli, RAGB & Oliveira, RL. 1994. Principais mosquitos de importância sanitária no Brasil. RJ, Fiocruz.

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28 julho 2020

Sonhaste-me engenheiro naval com uma bolsa de estudo


Sonhaste-me engenheiro naval com uma bolsa de estudo
numa cidade italiana e com um futuro radioso
que fizesse a inveja dos teus colegas entorpecidos
pela rotina do escritório, entre cheques, ordens de compra
e guias de remessa, e eu saí poeta, com uma biografia
soturna e grave que se resume na solidão dos versos
urdidos com magoado artifício em sucessivas vigílias,
em ócios estivais, em nocturnos desesperos. Cria um
pai um filho para isto: para ser poeta num trágico
pequeno país que emigrou para dentro de si
com uma sofreguidão vegetal e um apetite alarve
de bacalhau e de cozido à portuguesa, com uma história
de pelejas e desembarques, de corso e de partilha,
de assédio e razia, com uma vocação insuspeitada
para o fingimento e para a farsa, para a auto-ironia
e para discreto suicídio. Já cá não estás para ver
o que dói ser poeta, cronista de mitos, alguém disse,
a imitar em falsete o coro das bacantes numa recatada
vila marítima, neste final de século, sufocado
pela cordas tensas, apertadas de infinita incerteza.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1991.

25 julho 2020

Combate de touros


Jacques Raymond Brascassat (1804-1867). Combat de taureaux. 1855.

Fonte da foto: Wikipedia.

23 julho 2020

Nossa imagem da matéria

Erwin Schrödinger

Se me perguntarem: O que são de fato essas partículas, esses átomos e moléculas? Devo admitir que conheço tão pouco a seu respeito como a origem do segundo jumento de Sancho Pança. Entretanto, para dizer algo, mesmo que não seja algo importante: Eles podem talvez no máximo ser pensados como criações mais ou menos temporárias dentro do campo de ondas, cuja estrutura e variedade estrutural, no sentido mais amplo do termo, são tão clara e agudamente determinados por meio das leis de onda na medida em que reaparecem sempre do mesmo modo, que devem ocorrer como se fossem uma realidade material permanente. Devemos considerar a carga e a massa exatamente especificável de partículas como elementos de forma (Gestalt) determinados pelas leis de onda. A conservação da carga e da massa em larga escala deve ser tida como um efeito estatístico, baseado na ‘lei dos grandes números’.

Fonte: Born, M. & mais 3. 1969 [1961]. Problemas da física moderna. SP, Perspectiva.

21 julho 2020

Como entramos e como iremos sair da crise. V. Há uma luz no fim do túnel

Homens que nunca tiveram a experiência de, no meio de uma epidemia, tentar permanecer calmos e manter as condições experimentais, não se dão conta, na segurança de seus laboratórios, do que se tem de enfrentar.
– Sinclair Lewis (1885-1951), Arrowsmith (1925) [**].

*

RESUMO. Este artigo ajusta e detalha as projeções feitas a respeito dos números da pandemia em todo o país até o último domingo de agosto (ver ‘No ritmo atual, o país irá contabilizar ao menos 3 milhões de casos e 105 mil mortes até 30 de agosto’). Após sete quedas sucessivas, a média semanal da taxa de crescimento diário no número de novos chegou a 1,7% (13-19/7). É o menor valor desde o início da crise. Caso a trajetória declinante persista até 30/8 (a uma razão de –0,3% por semana), calculo que até lá serão contabilizados 2.992.530 casos (e não os 3.033.726 previstos anteriormente). Calculo ainda que, mantida a taxa de letalidade das últimas quatro semanas (2,9%), os casos adicionais previstos implicarão em mais 25.545 mortes. Chegaríamos assim a 105.033 mortes até 30/8. (Segundo o Ministério da Saúde, o país chegou ontem [19/7] a 2.098.389 casos e 79.488 mortes.) Os números estão em um patamar muito elevado, não há dúvida. Todavia, ao contrário do que alardeiam alguns observadores, as estatísticas não estão a escalar de modo desenfreado nem a pandemia está fora de controle.

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1. BREVE RECAPITULAÇÃO.

doença do coronavírus 2019 (Covid-19) pode ser descrita como um tipo bastante agressivo de pneumonia [1]. O primeiro registro da doença ocorreu em Wuhan, capital da província chinesa de Hubei. Isso foi em 12/12/2019. Dias depois, ocorreu um primeiro surto na cidade, o que chamou a atenção das autoridades sanitárias. O agente etiológico da Covid-19 é o coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2; referido anteriormente como 2019-nCoV ou WHCV) [2].

O vírus e a doença logo se disseminaram pelo mundo.

Em 1/3, além da China, já havia registros em outros 58 países, em todos os continentes (excetuando-se apenas a Antártida). Em 11/3, diante da rápida disseminação e da escalada nos números, o que até então estava sendo referido como uma emergência de saúde pública de interesse internacional, passou a ser tratado pela Organização Mundial da Saúde como uma pandemia [3].

2. A PANDEMIA CHEGA AO BRASIL.

A pandemia teria chegado ao país no início de fevereiro, ao menos duas semanas antes do Carnaval (21-25/2). De acordo com as estatísticas do Ministério da Saúde, no entanto, o primeiro caso só foi identificado na Quarta-feira de Cinzas (26/2)! Ainda segundo o MS, a primeira morte foi registrada três semanas depois, em 17/3.

Até meados de março, os números da pandemia permaneceram em patamares relativamente modestos. Em 5/3, havia sete casos confirmados. Em 13/3, eram 98. Oito dias depois, coincidindo com o fim do verão, ultrapassamos a marca de 1 mil casos (1.128, em 21/3). Mais duas semanas e ultrapassamos os 10 mil casos (10.278, em 4/4).

A partir de então o ritmo arrefeceu. Levamos quatro semanas para bater em 100 mil casos (101.147, em 3/5). O ritmo tornou a acelerar e, em menos de duas semanas, o país ultrapassou a barreira dos 200 mil casos (202.918, em 14/5) e, uma semana depois, a dos 300 mil (310.087, em 21/5).

A partir de então, a um ritmo médio de mais de 150 mil casos/semana, levamos cinco semanas para ultrapassar o primeiro 1 milhão de casos (1.032.913, em 19/6). O segundo milhão veio logo depois. Entre abril e maio, o país saltou de 10 mil para 100 mil casos em quatro semanas; pois entre maio e junho, também em quatro semanas, o país saltou de 1 milhão para 2 milhões de casos (2.012.151, em 16/7).

No domingo (19), chegamos a 2.098.389 casos e 79.488 mortes.

3. UM GUIA SIMPLES, ÁGIL E CONFIÁVEL.

Para tentar descrever a dinâmica de uma pandemia, em qualquer escala geográfica (mundial, continental, nacional etc.), não basta examinar números absolutos nem fazer comparações arbitrárias (para um exemplo, ver aqui). O que necessitamos é de um guia. Um guia confiável, como um cão farejador a nos apontar o rumo que as coisas estão a tomar [4].

Desde março, quando comecei a acompanhar a pandemia em curso (ver aqui), adotei um cão farejador: a taxa de crescimento diário no número de novos casos. É um parâmetro simples e bastante ágil, visto que é extraído diretamente das estatísticas. E o mais importante: a julgar por todas as projeções até aqui bem-sucedidas (ver os vols. 1 e 2 da compilação ‘A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado’, aqui e aqui), é acessível e bastante confiável.

4. CALCULANDO A TAXA DE CRESCIMENTO.

Simbolizada aqui pela letra grega minúscula β [5], a taxa de crescimento tem sido definida como β = ln {Y(f) / Y(i)} / {t(f) – t(i)}, onde Y(f) é o número de casos no dia (f), Y(i) é o número de casos no dia (i), {t(f) – t(i)} é o intervalo transcorrido entre os dias (i) e (f), e ln indica logaritmo natural.

Refletindo o que se passa com as estatísticas, há muita oscilação no valor de β ao longo da semana. (A origem do problema está relacionada a certos desarranjos metodológicos, inerentes ao modo como as autoridades sanitárias coletam, organizam e divulgam as estatísticas.) Para contornar esses ruídos, eu passei a calcular também uma média semanal.

Quando os valores diários e as médias semanais de β são colocados em um gráfico (ver a Fig. 1), alguns padrões podem ser identificados.

O resultado mais evidente está a indicar que o cálculo da média semanal foi suficiente para remover os ruídos embutidos nos valores diários. (Examine a figura 1 e compare o alinhamento dos pontos correspondentes às médias semanais com o dos pontos correspondentes aos valores diários.)


*


FIGURA 1. O comportamento da taxa de crescimento diário (pontos em rosa claro) no número de casos da Covid-19 em todo o país (eixo vertical; β expresso em porcentagem), entre 21/3 e 19/7. Há muita oscilação nos valores diários (refletindo inércia e desarranjos metodológicos). Para reduzir os ruídos de tal oscilação, calculei uma média semanal na taxa de crescimento (pontos em azul escuro). Os resultados (linha tracejada em azul escuro) são altamente significativos, indicando que a gradativa redução na taxa de crescimento (e.g., 4,3% ..., 3,1% ..., 1,7%) não foi um simples acidente de amostragem.

*

Mas há mais. Examinando o comportamento das médias semanais, por exemplo, podemos inferir algumas coisas a respeito dos rumos que as coisas estão a tomar. Vejamos.

Em 31/5, após sete semanas oscilando entre 6% e 8% (11/4-24/5), eis que a média semanal da taxa de crescimento no número de novos casos em todo o país caiu para 5,1% (25-31/5). Era o menor valor desde o início da pandemia. De lá para cá, nós tivemos sete quedas sucessivas, quatro delas mais significativas – de 5,1% para 4,3%; de 4,3% para 3,3%; de 3,1% para 2,5% e de 2,2% para 1,7%.

Eis as quedas observadas nas últimas semanas: de 5,1% o valor caiu para 4,3% (1-7/6) e daí para 3,3% (8-14/6); de 3,3% caiu para 3,2% (15-21/6) e daí para 3,1% (22-28/6), 2,5% (29/6-5/7), 2,2% (6-12/7) e, por fim, para o 1,7% da semana passada (13-19/7).

5. POR QUE O VALOR DE β SEGUE A DECLINAR?

Quedas no valor de β são uma boa notícia, visto que toda e qualquer queda indica que a pandemia está a perder força. Além disso, o tamanho da queda (i.e., a diferença entre dois valores consecutivos) nos permite estimar a velocidade com que a pandemia estaria a perder força.

Os resultados referidos neste artigo são uma continuação e estão em conformidade com os resultados de artigos anteriores. Assim, ainda que em meio a diversos desarranjos metodológicos (responsáveis, entre outras coisas, pelas oscilações nos valores diários de β), o que a figura 1 está a mostrar são duas curvas em trajetórias nitidamente declinantes.

Trocando em miúdos, os valores de β estão sendo puxados para baixo, indicando que alguma coisa estaria a refrear a disseminação da doença.

O que seria esta alguma coisa? Como escrevi em artigo anterior, tenho alguns palpites, mas ainda não sei ao certo [6]. Em todo caso, o propósito deste artigo não é explicar o que se passa. A rigor, assim como em ocasiões anteriores (ver ‘A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado’, vol. 1 e vol. 2), as pretensões aqui seriam outras: oferecer um instantâneo da situação; costurar o instantâneo atual com os anteriores, tentando obter um quadro mais amplo da situação (Fig. 1); e, por fim, identificar padrões e sugerir generalizações que sejam minimamente consistentes (ver adiante).

6. PREMISSAS E PROJEÇÕES.

No que segue, retifico e detalho as projeções feitas em artigo anterior (ver aqui) a respeito dos números da pandemia em todo o país até o último domingo de agosto.

Para isso, adoto duas premissas – otimistas! – a respeito de dois parâmetros, a taxa de crescimento no número de novos casos e a taxa de letalidade.

Em primeiro lugar, vou admitir que, nas próximas seis semanas (20/7-30/8), os valores de β seguirão declinando a uma razão de –0,3% por semana. (Foi mais ou menos este o declínio médio computado nas últimas quatro semanas.) Assim, repetindo os valores usados no artigo anterior, os valores esperados para esta e para as próximas semanas seriam os seguintes: 1,6% (20-26/7), 1,3% (27/7-2/8) e assim por diante, até chegarmos a 0,1% (24-30/8).

Em segundo lugar, vou admitir que, nas próximas semanas, o valor da taxa de letalidade (TL) permanecerá constante e igual a 2,9% (média das últimas quatro semanas). Tal premissa difere da que adotei no artigo anterior, quando supus que o valor da TL seguiria uma trajetória declinante, a uma razão de –0,2% por semana. (A justificativa aqui, como eu já havia comentado antes, é que o valor da TL não tem declinado de modo tão regular como β.)

7. COLOCANDO AS PROJEÇÕES EM UM GRÁFICO.

Levando em conta as duas premissas acima, o total de casos no país deverá saltar de 2.098.389 para 2.992.530 (e não para os 3.033.726 previstos anteriormente) (ver Fig. 2).

Estimo ainda que, com uma taxa de letalidade de 2,9%, os casos adicionais previstos implicariam em mais 25.545 mortes. Chegaríamos assim a 105.033 mortes até 30/8. Este último número, claro, pode ser menor, caso a TL oscile para baixo. (Como pode ser maior, caso a TL oscile para cima.)

A figura 2 mostra as projeções para as próximas semanas. Se elas estiverem corretas, daqui para frente nós devemos observar um progressivo declínio nas estatísticas da pandemia, tanto no número de casos como no de mortes (não mostrado).

No que diz respeito ao número de casos, especificamente, os números esperados para as próximas seis semanas seriam os seguintes (total acumulado na semana [corrige as projeções feitas no artigo anterior] e a média aritmética diária [parâmetro não apresentado anteriormente]): 2.344.995 e 35.230 (para a semana encerrada em 26/7), 2.566.895 e 31.700 (2/8), 2.752.059 e 26.452 (9/8), 2.889.775 e 19.674 (16/8), 2.971.666 e 11.699 (23/8) e, por fim, 2.992.530 e 2.981 (30/8).

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FIGURA 2. Comparação entre os números de casos diários observados em todo o país (linha azul) vs. os números ajustados (linha vermelha). Como na figura 1, há muita oscilação de um dia para o outro nos números observados. Para minimizar o ruído, eu calculei uma média semanal (βSEMANAL) na taxa de crescimento diário no número de novos casos; usei então essa média para calcular os números ajustados dentro de cada semana [7]. A comparação vai de 23/3 a 19/7. Entre 20/7 e 30/8, a curva de números ajustados passa a exibir os números esperados. Estes foram calculados do mesmo modo como os números ajustados [7], respeitando-se a premissa citada no texto: a partir de 19/7, o valor de βSEMANAL diminui 0,3% por semana, declinando assim de 1,6% (20-26/7) a 0,1% (24-30/8).

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8. CODA.

Os números da pandemia estão em um patamar muito elevado, não há dúvida. Todavia, ao contrário do que alardeiam alguns observadores, as estatísticas não estão a escalar de modo desenfreado nem a pandemia está fora de controle.

Há uma luz no fim do túnel. Ainda que seja uma luz fraca e bruxuleante.

Saindo do túnel, temos de ir correndo para a estação ferroviária. O trem está atrasado, mas vai chegar. Resta ver se nós, brasileiros, estaremos lá, prontos e dispostos a embarcar. Ou se vamos perdê-lo, de novo...

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Notas.

[*] Para detalhes e informações sobre o livro mais recente do autor, O que é darwinismo (2019), inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros livros e artigos, ver aqui.

[**] Tradução livre. No original: “Men who never have had the experience of trying, in the midst of an epidemic, to remain calm and keep experimental conditions, do not realize in the security of their laboratories what one has to contend with” – extraído do capítulo 36 do livro.

[1] Um bom exemplo de material informativo a respeito dos aspectos médicos da doença: a entrevista com o pneumologista russo Aleksandr Chuchalin. Eis um resumo da entrevista:

A evolução da infecção pelo tipo de coronavírus denominado SARS-CoV-2 pode chegar a apresentar quatro fases distintas. A primeira fase assemelha-se a um resfriado comum, com coriza, mal-estar e estado subfebril. Justamente por ela não ser distinguível de um resfriado comum, a medicina ocidental não leva esta fase em conta, caracterizando a infecção por coronavírus apenas a partir da segunda fase (a da tosse e febre).
A segunda fase já é a da pneumonia. Ao contrário das gripes e resfriados, em que a tosse não é nada demais, nos casos de infecção por coronavírus a presença de tosse significa que as células epiteliais que revestem todo o trato respiratório inferior (desde a traqueia até os alvéolos pulmonares) estão sendo danificadas — e isso já é a pneumonia. [...]
A terceira fase, a da falta de ar, é a do agravamento da pneumonia, quando passa a ser necessária hospitalização para ventilação mecânica (intubação).
E a quarta fase é a da septicemia, com grave risco de morte.

Publicada no sítio Outras Palavras, em 17/3, a entrevista completa pode ser lida aqui.

[2] Em 2002-2003, outro coronavírus (SARS-CoV) já havia provocado uma epidemia de síndrome respiratória aguda grave (SARS, na sigla em inglês). A pandemia atual seria o terceiro caso em 20 anos de transbordamento (spillover, na terminologia em inglês) envolvendo um coronavírus capaz de infectar seres humanos. O termo é usado quando um patógeno (vírus, bactéria etc.) transborda de um hospedeiro para outro, o que em geral ocorre via consumo (e.g., o novo hospedeiro se alimenta ou passa a se alimentar do antigo). Estudos e alertas a respeito do fenômeno não são novos nem são raros – ver A próxima peste (Nova Fronteira, 1995), de Laurie Garrett; para detalhes técnicos, ver Microbiologia de Brock (Artmed, 2010, 12ª ed.), de M. T. Madigan et al.; para uma revisão recente, ver Plowright, R. K. et al. 2017. Pathways to zoonotic spillover. Nature Reviews Microbiology 15: 502-10.

[3] Em termos de disseminação, nós devemos distinguir entre endemias e epidemias. Diz-se que uma doença infecciosa é endêmica quando a sua manifestação é recorrente, mas de alcance limitado, ficando restrita a um dado local ou região. Se a disseminação da doença ultrapassa os limites habituais, falamos então em epidemias. Uma epidemia de alcance mundial, como é o caso da Covid-19, é referida como pandemia. Cerca de 2 milhões de seres humanos morrem todos os anos em razão e alguma doença infeciosa. Na maioria das vezes, a doença é endêmica, típica de regiões ou países podres. Muitas delas estão fora do radar das grandes companhias farmacêuticas. Afinal, se não há garantia de ganhos expressivos (e não há, visto que os portadores da doença são pobres), não haveria razão (do ponto de vista dessas companhias) para investir em pesquisa visando a obtenção de vacinas ou qualquer medicação contra tais doenças. Sobre o impacto das zoonoses (a maioria dos patógenos que causam doenças em seres humanos é de origem zoonótica), ver Taylor L. H. et al. 2001. Risk factors for human disease emergence. Philosophical Transactions of the Royal Society of London B 356: 983-89.; e sobre doenças esquecidas, ver Pisarski, K. 2019. The global burden of disease of zoonotic parasitic diseases: Top 5 contenders for priority consideration. Tropical Medicine and Infectious Disease 4 (1): doi:10.3390.

[4] Há mais de um jeito de monitorar epidemias, assim como há mais de um jeito de monitorar a dinâmica de populações. Para uma introdução ao assunto, ver Begon, M. et al. 2007. Ecologia, 4ª ed. Porto Alegre, Artmed.

[5] A taxa de crescimento não é uma constante, de sorte que o valor de β pode oscilar de um dia para o outro. Se a oscilação é de cima para baixo, dizemos que o parâmetro declinou; se é de baixo para cima, dizemos que o parâmetro escalou. Caso não haja oscilação ou caso a oscilação seja inexpressiva, rotulamos momentaneamente o valor de estacionário.

[6] Há mais de uma hipótese explicativa. Uma delas, defendida por um amigo de longa data que já trabalhou com a dengue durante muitos anos, seria a exaustão dos susceptíveis. Implicaria dizer, entre outras coisas, que as populações são heterogêneas, de tal modo que nem todos os indivíduos representam hospedeiros igualmente apropriados para o patógeno. Uma segunda hipótese, de alcance mais limitado, seria a imunização coletiva (ou i. de rebanho), que tem sido evocada para explicar a situação em cidades ou regiões que foram ‘arrasadas’ pela pandemia (e.g., Manaus). Uma terceira hipótese argumenta que as medidas de mitigação (e.g., o distanciamento espacial, o uso generalizado de máscaras faciais e a higienização frequente das mãos), ainda que adotadas de modo mais ou menos frouxo, estariam a dificultar a disseminação do vírus. Esta hipótese ajudaria a explicar não só o arrefecimento da pandemia em terras brasileiras, mas também o não arrefecimento nos EUA, sobretudo naqueles estados e cidades estadunidenses onde os governantes criticaram (ou ainda estão a criticar) o uso de máscaras. Não custa repetir: o uso correto de máscaras faciais reduz de maneira significativa a transmissão do SARS-CoV-2, sobretudo em espaços fechados – e.g., Prather, K. A. et al. 2020. Reducing transmission of SARS-CoV-2. Science 368: 1422-4. Além disso, não devemos (ou não podemos – ver aqui e aquiesperar pela chegada de vacinas. Afinal, a adoção combinada de medidas não farmacológicas (e.g., distanciamento social e o uso de máscaras faciais) pode ser efetiva a ponto de inibir ou bloquear a disseminação do vírus – ver a figura 3; para uma análise técnica, ver Chu, D. K. et al. 2020. Physical distancing, face masks, and eye protection to prevent person-to-person transmission of SARS-CoV-2 and COVID-19: a systematic review and meta-analysis. Lancet 395: 1973-87.

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FIGURA 3. Um modelo de como o uso de máscaras faciais e o distanciamento espacial podem estar a inibir a disseminação do SARS-CoV-2. Considere três caixas de paredes rígidas, dentro das quais nós colocamos um par de esferas de igual diâmetro. Cada esfera representa um indivíduo; as esferas grandes representam indivíduos desprovidos de máscaras e as pequenas, indivíduos providos de máscaras; colisões resultam em disseminação do vírus. As chances de colisão dentro de cada caixa variam em razão de dois fatores principais: o tamanho e o padrão de movimentação das esferas. O número de colisões aumenta (muito) com o diâmetro das esferas, razão pela qual as chances de colisão são (bem) maiores em A do que em B. E as colisões são mais frequentes quando as esferas se movimentam (indistintamente) por todos os setores da caixa, razão pela qual as chances de colisão são maiores em B do que em C.

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[7] O primeiro dia de cada semana foi sempre uma segunda-feira e o último, o domingo seguinte. Um primeiro exemplo. A média da semana 13-19/7 foi computada da seguinte maneira: βSEMANAL = ln {Y(f) / Y(i)} / {t(f) – t(i)}, onde Y(f) é o número de casos no último dia da semana em questão (19/7), Y(i) é o número de casos no último dia da semana anterior (12/7), {t(f) – t(i)} é o intervalo (7 dias) transcorrido entre 12 e 19/7, e ln indica logaritmo natural. Em números: sabendo que Y(19/7) = 2.098.389 e Y(12/7) = 1.864.681, fazemos β(13-19/7) = ln (2.098.389 / 1.864.681) / 7 = ln (1,12533...) / 7 = 0,1180799 / 7 = 0,01686... Para expressar este valor como um percentual, aplicamos (e0,01686 – 1) x 100 = 1,70116... ≈ 1,7%. Um segundo exemplo. Sabendo que Y(5/7) = 1.603.055, podemos aproveitar o exemplo anterior para calcular β(6-12/7). Para tanto, fazemos: β(6-12/7) = ln (1.864.681 / 1.603.055) / 7 = ln (1,1632...) / 7 = 0,15117... / 7 = 0,02159... Em percentual, este valor equivaleria a ~2,18%. Para mais exemplos de como calcular o valor de β, ver aqui ou aqui. Os números ajustados. A média semanal foi então usada para ajustar os valores ao longo da semana. Foi um ajuste retrospectivo, tendo como ponto de partida o número de casos correspondente ao domingo da semana anterior. Tomemos como exemplo a semana 13-19/7, cujo βSEMANAL = 0,01686. Em primeiro lugar, fazemos: Y(13/7) = Y(12/7) x e0,01686, Y(14/7) = Y(13/7) x e0,01686, Y(15/7) = Y(14/7) x e0,01686, e assim por diante, até Y(19/7). Em seguida, os números ajustados de casos para cada dia da semana foram calculados por meio de uma série de subtrações, a saber: Y(13/7) – Y(12/7), para o dia 13; Y(14/7) – Y(13/7), para o dia 14; Y(15/7) – Y(14/7), para o dia 15; e assim sucessivamente. Em números, sabendo que Y(12/7) = 1.864.681, fazemos Y(13/7) = 1.864.681 x e0,01686 = 1.864.681 x 1,01701... ≈ 1.896.402. De modo semelhante, obtemos Y(14/7) = 1.896.402 x 1,01701... ≈ 1.928.663; Y(15/7) = 1.928.663 x 1,01701... ≈ 1.961.473, e assim por diante. Por fim, os números ajustados para cada dia (arredondados para o inteiro mais próximo) seriam: 1.896.402 – 1.864.681 = 31.721, para o dia 13; 1.928.663 – 1.896.402 = 32.261 (14); 1.961.473 – 1.928.663 = 32.810 (15); e assim por diante. Ao final, os números obtidos foram então utilizados na confecção da linha vermelha da figura 2.

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19 julho 2020

Arrowsmith

Sinclair Lewis

Martin was itching to get his fingers on his test-tubes. He knew, as once he had guessed, that he hated administration and Large Affairs.

As he tramped the deck, his head cleared and he was himself. Angrily he pictured the critics who would soon be pecking at whatever final report he might make. For a time he hated the criticism of his fellow laboratory-grinds as he had hated their competition; he hated the need of forever looking over his shoulder at pursuers. But on a night when he stood at the rail for hours, he admitted that he was afraid of their criticism, and afraid because his experiment had so many loopholes. He hurled overboard all the polemics with which he had protected himself: “Men who never have had the experience of trying, in the midst of an epidemic, to remain calm and keep experimental conditions, do not realize in the security of their laboratories what one has to contend with.”

Constant criticism was good, if only it was not spiteful, jealous, petty –

No, even then it might be good! Some men had to be what easy-going workers called “spiteful.” To them the joyous spite of crushing the almost-good was more natural than creation. Why should a great house-wrecker, who could clear the cumbered ground, be set at trying to lay brick?

“All right!” he rejoiced. “Let ’em come! Maybe I’ll anticipate ’em and publish a roast of my own work. I have got something, from the St. Swithin test, even if I did let things slide for a while. I’ll take my tables to a biometrician. He may rip ’em up. Good! What’s left, I’ll publish.”

He went to bed feeling that he could face the eyes of Gottlieb and Terry, and for the first time in weeks he slept without terror.

Fonte (última frase do segundo parágrafo): Garrett, L. 1995. A próxima peste. RJ, Nova Fronteira. O trecho acima foi extraído do capítulo 36 do livro Arrowsmith (1925).

17 julho 2020

Doenças endêmicas e epidêmicas

R. Alan Wilson

O termo endêmico é usado para descrever uma situação na qual, embora possam ocorrer flutuações estacionais, as características da doença repetem-se a cada ano. O nível de endemicidade, ou prevalência, não é necessariamente alto em situação de doença estável. Reciprocamente, a prevalência de algumas doenças, como a esquistossomíase, pode ser maior do que 90% em certas comunidades.

O termo epidêmico é usado para descrever situação em que os níveis de doença mostram variação aleatória e extrema. A malária e a fasciolíase são dois exemplos que podem mostrar essa característica. As epidemias são muito dramáticas, porém, [no] longo prazo, a doença endêmica pode causar maior dano, particularmente se a prevalência for alta. Parece razoável supor que as doenças endêmicas sejam reguladas de algum modo para produzir um padrão estável, mas que as epidêmicas não estejam sujeitas às mesmas restrições.

Fonte: Wilson, R. A. 1980. Introdução à parasitologia. SP, EPU & Edusp.

15 julho 2020

Paisagem fluvial com pescadores


Camille Flers (1802-1868). Paysage de rivière avec les pêcheurs. s/d.

Fonte da foto: Wikipedia.

13 julho 2020

Richard Cory

Edwin Arlington Robinson

Whenever Richard Cory went down town,
We people on the pavement looked at him:
He was a gentleman from sole to crown,
Clean favored, and imperially slim.

And he was always quietly arrayed,
And he was always human when he talked:
But still he fluttered pulses when he said,
“Good-morning,” and he glittered when he walked.

And he was rich, – yes, richer than a king, –
And admirably schooled in every grace:
In fine, we thought that he was everything
To make us wish that we were in his place.

So on we worked, and waited for the light,
And went without the meat, and cursed the bread;
And Richard Cory, one calm summer night,
Went home and put a bullet through his head.

Fonte (última estrofe): Carpeaux, O. M. 2011. História da literatura ocidental, vol. 4. Brasília, Senado Federal. Poema publicado em livro em 1897.

12 julho 2020

Treze anos e nove meses no ar

F. Ponce de León

Neste domingo, 12/7, o Poesia contra a guerra está a completar 13 anos e nove meses no ar.

Desde o balanço anterior – ‘Treze anos e oito meses no ar’ – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Charles J. Krebs, Darcy Monteiro, John Freeman, Michael Bulmer, Patrick Cooke, Richard Brewer, Theresa Catharina de Góes Campos e William Whewell. Além de outros que já haviam sido publicados antes.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Jacques-Émile Blanche e Paul-César Helleu.

10 julho 2020

Evolutionary aspects of protein synthesis

Michael Bulmer

Translation of messenger RNA (mRNA) into protein is one of the most important activities of the cell. In actively dividing E. coli the translational machinery (ribosomes, transfer RNAs, aminoacyl-tRNA synthetases, and initiation, elongation, and release factors) comprise about 40 per cent of dry weight […]. Thus there will be strong selection pressure to ensure that translation is accurate, quick, and energetically cheap. But these objectives are mutually incompatible; accuracy can only be improved at the expense of speed and economy, and so on. As is common in evolutionary problems, there are trade-offs between conflicting aims, and the interesting question is how the balance between these is struck.

Fonte: Bulmer, M. 1988. In Harvey, P. H. & Partridge, L. Oxford Surveys in Evolutionary Biology 5: 1-40.

08 julho 2020

Poliglota

Theresa Catharina de Góes Campos

Como não se pode abraçar,
estenda o braço, toque o cotovelo;
ou cumprimente sem ficar perto,
dirija um olhar gentil, acolhedor.

Também funciona, nos encontros,
substituir os beijos de outrora,
fazendo com as mãos – sempre
sem esquecer o sorriso cordial –
um coração aberto, de amigo.

Saiba que o amor, o carinho,
os afetos falam vários idiomas,
têm estilos diversificados,
usam um rico vocabulário.

Com gestual de coreografias
criativas, plenas de sentimento,
o amor, poliglota, se expressa.

Fonte: poema datado de 20/5/2020 e enviado pela autora, a quem agradeço pela cortesia.

06 julho 2020

Segundo volume



[Prefácio.]
Este segundo volume reúne seis artigos que foram publicados no Jornal GGN, entre 28/5 e 28/6/2020. Versões corrigidas (ou com menos erros) de três deles foram publicadas no blogue Poesia Contra a Guerra. Incorporei aqui essas correções. No processo de edição, corrigi erros adicionais e promovi ajustes pontuais. Não alterei o conteúdo, mas removi certos trechos que aqui soariam redundantes. O objetivo de todos esses ajustes foi tão somente facilitar a leitura.

Achei que seria oportuno – e poderia vir a ser útil – recapitular os fundamentos (notação científica, operações com potências, gráficos cartesianos, proporções e percentuais, progressões etc.) de algumas ferramentas matemáticas que tenho usado em meus artigos. Enfeixei tudo isso em um apêndice, combinando ali material publicado em outros lugares, trechos dos dois primeiros artigos da série ‘Corpos, gentes, epidemias e... dívidas’ (aqui e aqui) e material ainda não publicado.

*

Nota.


[*] Como no caso do volume 1, o volume 2 pode ser capturado (na íntegra) na página do autor no portal Research Gate, AQUI. Para detalhes e informações sobre o livro mais recente do autor, O QUE É DARWINISMO (2019), inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com.

04 julho 2020

A saracura

Darcy Monteiro

Quando a noite descia,
Após a Ave-Maria,
Um som de tambor se ouvia
Dentro de uma senzala.

Num caminho pra Minas
A voz do jongueiro dizia:

Na Fazenda da Bem Posta,
Em pleno Estado do Rio,
Um jongueiro sentia falta do caxambu,
Tocava o candongueiro, após o angu.

Cantarolava a saracura,
Levou o lenço da moça
Que ficou chorando,
Que pecado ela leva quando morrer.

Ora, dança o caxambu.
Eu quero ver quem dança comigo, eu quero ver!

Fonte: Pereira, E. A., org. 2010. Um tigre na floresta de signos. BH, Maza Edições.

02 julho 2020

Questões de transmutação das espécies

William Whewell

Vemos que os animais e as plantas podem, por influência da multiplicação e de agentes externos operando em sua constituição, ser grandemente modificados, de maneira a produzirem variedades e raças diferentes das que antes existiam. Por exemplo: qual a diferença entre diferentes raças caninas? Pode o lobo tornar-se um cão pela domesticação? Poderia o orangotango, pela força de circunstâncias externas, ser trazido para o círculo da espécie humana?

Fonte: Hardin, G., org. 1967. População, evolução & controle da natalidade. SP, Nacional & Edusp. Excerto de livro publicado em 1837.

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