29 novembro 2009

Precisa-se de um menino

Frank Crane

Precisa-se de um menino que se porte direito, que sente direito e que fale direito;
Um menino que não tenha as unhas pretas e que tenhas as orelhas limpas; um menino de sapatos engraxados, de roupas escovadas, de cabelo penteado e de dentes bem tratados;
Um menino que dê atenção quando lhe falem, que faça perguntas quando não entender, e que não pergunte o que não é de sua conta;
Um menino que se mexa rápido, mas que para isso faça o mínimo de barulho;
Um menino que assovie na rua, mas não onde deva manter silêncio;
Um menino animado, que tenha sempre um sorriso espontâneo para todos, e que nunca fique emburrado;
Um menino que seja educado com os homens e respeitoso com as senhoras e as meninas;
Um menino que não fume nem queira aprender a fumar;
Um menino que prefira aprender a falar corretamente a falar gíria;
Um menino que não matrate outros meninos e que não permita que o maltratem;
Um menino que, ao desconhecer alguma coisa, diga: “Não sei”, que as errar, fale: “Desculpe”, e que, ao lhe pedirem que faça algo, responda: “Deixe comigo!”;
Um menino que olhe nos olhos dos outros e que sempre diga a verdade;
Um menino ávido por ler bons livros;
Um menino que prefira passar o tempo livre num ginásio de esportes a desperdiçá-lo pelos cantos em jogatinas a dinheiro;
Um menino que não queira ser ‘esperto’, e que de modo algum queira chamar atenção;
Um menino que prefira perder o emprego de férias ou ser expulso da escola a contar uma mentira ou a ser malcriado;
Um menino de quem os outros meninos gostem;
Um menino que se sinta bem na companhia das meninas;
Um menino que não sinta pena de si próprio, que não viva pensando e falando de si mesmo;
Um menino bom para sua mãe, e que seja mais amigo dela que qualquer outra pessoa;
Um menino que faça os outros se sentirem bem quando está por perto;
Um menino que não seja piegas, nem afetado, nem arrogante, e sim saudável, alegre e cheio de vida;
Procura-se esse menino – sua família, sua escola, seus colegas, as garotas, todo mundo o quer.

Fonte: Bennett, W. J., org. 1997. O livro das virtudes para crianças. RJ, Nova Fronteira. Texto publicado em livro em 1921.

27 novembro 2009

Carniça-de-consolo

Gerard Manley Hopkins

Não, não, carniça-de-consolo, Desespero, não me deleitarei em ti;
Não desfarei – frouxas que estejam – estas últimas amarras do humano
Em mim; nem, tão exausto, clamarei: “Não posso mais!”. Eu posso;
Posso algo: ter esperança, querer novo dia, não escolher não ser.

Mas, ah!, Ó Terrível, por que assim tão rude sobre mim a rocha
Deste teu pé direito torce-mundo? Esta pata leonina? Por que perscrutar
Com olhos soturnos, devoradores, meus ossos machucados? por que joeirar-me
Oh! em rodopios de tormenta – a mim, ali acuado, desvairado, a evitar-te, a escapar?

Por quê? para que a palha voe e reste-me o grão puro e claro.
Não, em toda essa labuta, esse tumulto, pois que (parece) beijei-te a vara,
Talvez a mão – meu coração, vê! sorveu ânimo, furtou gozo, quis rir, saudar –
Saudar a quem? ao herói, cujo trato celeste arremessou-me, espezinhou-me,
Ou a mim que lhe opus luta? A qual dos dois? A cada qual? Aquela noite, aquele ano,
Da treva ora dispersa, eu, miserável, fiquei lutando com (Deus meu!) o meu Deus.

Fonte: Hopkins, G. M. 1989. Poemas. SP, Companhia das Letras. Poema publicado em livro em 1918.

25 novembro 2009

Pesadelo


Henry Fuseli [Johann Heinrich Füssli] (1741-1825). Nachtmahr. 1781.

Fonte da foto: Web Gallery of Art.

23 novembro 2009

O que é fisiologia?

Knut Schmidt-Nielsen

A fisiologia trata das funções dos organismos vivos – como se alimentam, respiram e se movimentam, e o que fazem para se manter vivos. Para usar palavras mais técnicas, a fisiologia aborda o alimento e alimentação, digestão, respiração, transporte de gases no sangue, circulação e função cardíaca, excreção e função renal, músculos e movimentos, etc. O animal morto possui as estruturas que realizam estas funções; no animal vivo, essas estruturas funcionam.

A fisiologia estuda também como o organismo vivo ajusta-se às adversidades do ambiente – obtém água suficiente para viver ou evita excesso de água, escapa do congelamento que leva-o à morte ou de morrer de calor excessivo, movimenta-se para encontrar locais, alimentos e companheiros adequados – e como ele obtém informação sobre o ambiente por meio de seus sentidos. Finalmente, a fisiologia trata da regulação de todas essas funções – como elas estão correlacionadas e integradas em um organismo de funcionamento harmonioso.

A fisiologia não é apenas uma descrição da função; também se pergunta sobre os porquês e [como]. [...]

Fonte: Schmidt-Nielsen, K. 2002. Fisiologia animal: adaptação e meio ambiente, 5ª. edição. SP: Santos.

21 novembro 2009

Barcarola

João Zorro

El-rey de Portugale
barcas mandou lavrare,
e lá iran nas barcas migo
mya filha e noss’amigo.

El-rey portugueese
barcas mandou fazere,
e lá iran nas barcas migo
mya filha e noss’amigo.

Barcas mandou lavrare
e no mar as deytare,
e lá iran nas barcas migo
mya filha e noss’amigo.

Barcas mandou fazere
e no mar as metere,
e lá iran nas barcas migo
mya filha e noss’amigo.

Fonte: Figueiredo, C. 2004. 100 poemas essenciais da língua portuguesa. BH, Editora Leitura. Cantiga datada do final do século 13 ou início do século 14.

20 novembro 2009

Os velhos

Ray Bradbury

E, afinal, o que seria mais natural do que os velhos irem para Marte, seguindo a trilha deixada pelos ruidosos desbravadores, a elite perfumada, os viajantes profissionais e os palestrantes românticos em busca de novas emoções?

Então as pessoas secas e quebradiças, as pessoas que passavam o tempo escutando o próprio coração e sentido o pulso, derramando xaropes na boca torta, aquelas pessoas que tinham feito excursões de ônibus à Califórnia em novembro e na terceira classe de navio a vapor para a Itália em abril, as pessoas parecidas com frutas secas, as pessoas mumificadas, afinal chegaram a Marte...

Fonte; Bradbury, R. 2005 [1950]. As crônicas marcianas. SP, Globo.

18 novembro 2009

O canto do dínamo

Rudyard Kipling

Como poderia saber que Providência
me deu o ser?
Sei apenas que, a um aceno vosso,
devo tornar-me vosso ouvido e vossos olhos;
E vossa Força, também, para fazer girar
grandes rodas
E libertar do jugo vossos filhos, enquanto
permaneço agrilhoado!

Que importa conhecerdes
os poderes que me movem!
Sei apenas que estou conjugado àqueles
verdadeiros poderes, que rompem os
espaços alterosos,
E, violentando a Terra, poderiam salvar-me,
um dia
Se não fosse o espectro covarde que me
retém para sempre encadeado.

Fonte: Kipling, R. 1991-92. Song of the dynamo. Revista USP 12: 74-5. Poema datado de 1928.

16 novembro 2009

Bodas


Gerard David (1460-1523). Bruiloft te Kana. c. 1500.

Fonte da foto: Web Gallery of Art.

14 novembro 2009

La femme a la rose

Fernando Echevarría

Sabemos que são sombras quanto amamos.
Sombras de estradas, de rios e planetas.
E até as sombras que nos vêm dos ramos
sombras também, embora mais discretas.

E a sombra da mulher de que gostamos
é sombra ainda, como a das valetas
em que de si e de nós a desnudamos,
cobrindo-nos de sombra e de violetas.

Mas a ternura com que amamos esta
teoria de sombras assombrosa,
sendo sombra também, aviva a festa

em torno de outras entre as quais repousa,
fresca de fruta, sentada ao pé da cesta,
a sombra da mulher que aspira a rosa.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1981.

13 novembro 2009

Três anos e um mês no ar

F. Ponce de León

Nessa quinta-feira, 12/11, o Poesia contra a guerra completou três anos e um mês no ar. Ainda ontem, a marca de 80 mil visitas foi ultrapassada – ver ‘Oitenta mil visitas’.

Desde o balanço mensal anterior – Aniversário de três anos – foram aqui publicados textos dos seguintes autores: Abraham Maslow, Alberto de Oliveira, Aleksandr Tvardóvski, Daniel Filipe, Gilberto Mendonça Teles, James Trefil, Lyall Watson e Stanley Milgram. Além de outros autores que já haviam sido publicados antes.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens dos seguintes pintores: Adam Elsheimer, Antoine Watteau e Corregio.

12 novembro 2009

Oitenta mil visitas

F. Ponce de León

No meio do expediente dessa quarta-feira, o Poesia contra a guerra ultrapassou a marca das 80 mil visitas. Do balanço numérico anterior – ver ‘Setenta mil visitas’, em 15/6 – até ontem (11/11) ocorreram em média aproximadamente 67 visitas/dia. O recorde positivo de visitantes únicos em um só dia permanece em 185, alcançado em 4/6/2008.

11 novembro 2009

O visionário

Gilberto Mendonça Teles

E vai a sombra da cruz
se projetou no horizonte
e veio vindo nos campos,
roçando estradas e rios,
aplainando num só corpo
as depressões e montanhas
e endireitando as veredas
e os caminhos.

Sombra imensa
que foi desfazendo as trevas,
serrando troncos cansados,
cegando os olhos das feras,
abrindo os olhos das aves
e as cobras todas queimando,
multiplicando os insetos
e os frutos multiplicando,
fazendo peixe das folhas
e nas pedras assoprando
um pensamento de amor.
Então as pedras tremeram,
se levantaram cantando
e foram seguindo o rumo
da sombra que se afastava
para o seu rumo nenhum.
Mas quando a sombra chegou
à linha-d’água da praia
e como um pássaro leve
se deslizou pelo mar,
o vento que não soprava
se pôs furioso a soprar
e as águas que eram um só corpo
tiveram que separar-se:
um grande túnel de vidro
foi devorando o silêncio
da sombra que se entregava
pousando o braço direito
nos ombros da humanidade

Fonte: Pinto, J. N. 2004. Os cem melhores poetas brasileiros do século, 2ª edição. SP, Geração Editorial. Poema publicado em livro em 1962.

09 novembro 2009

Este mundo

Robert Creeley

Noite, duro tempo
fechado mas os dias
nascem. A manhã
abre com luz

na janela.
O sol, agora, escala
o céu azul.
Ao meio-dia

na praia
posso ver
cintilantes ondas,
para sempre,

seguir seus sons
fundos, na mente
ecoam –
deixar a luz

como ar
ser um alívio.
O vento
corta o rosto

e as mãos,
mais feio. O que
se pode pensar –
a praia

miríade de pedras.
Nuvens passam,
cinza do lado de baixo,
branco feixe

de ar, tudo
ar. Água
se move à margem,
azul, verde

branca trama
de espuma.
O que se
perde,

se recobra.
O que
importa a um
neste mundo?

Fonte: Creeley, R. 1997. A um. SP, Ateliê Editorial.

07 novembro 2009

Somos diferentes?

James Trefil

4.
[...]
O uso da linguagem foi muitas vezes proposto como uma das coisas que separam os seres humanos do restante dos animais. A questão sobre como, e de que forma, os animais se comunicam se torna portanto importante para o estabelecimento dos limites entre seres humanos e animais. Há, na verdade, três questões diferentes ocultas nesta simples pergunta. É importante perceber que elas são distintas, no mínimo porque muitas vezes são confundidas. As três questões estão relacionadas abaixo, junto com as respostas que dou a elas e que tentarei defender no resto deste capítulo.

1. Os animais podem se comunicar entre eles? (Sem dúvida.)
2. Os animais e os seres humanos podem se comunicar? (Até certo ponto.)
3. Os animais podem aprender a linguagem humana? (Provavelmente não.)

É a última pergunta que mais nos interessa, e é também a mais controvertida.
[...]

Fonte: Trefil, J. 1999. Somos diferentes? RJ, Rocco.

05 novembro 2009

Arlequim e Columbina


Antoine Watteau (1684-1721). Arlequin et Columbine. 1716-18.

Fonte da foto: Web Gallery of Art.

03 novembro 2009

Tudo reduz-se a um único preceito

Aleksandr Tvardóvski

Tudo reduz-se a um único preceito,
que escondo, mas direi, chegada a hora.
Melhor que todos, sei a seu respeito,
mais que vivos e mortos, sei agora.

Jamais, por nada, confiaria a posse
desta palavra aos outros, todavia,
pois sequer a Tolstói – embora fosse
divino e eu, só mortal – não a diria.

Respondo pelo que é meu e somente
uma coisa me ocupa a vida inteira:
o que sei bem melhor que toda gente,
quero dizê-lo. E da minha maneira.

Fonte: Campos, H.; Schnaiderman, B. & Archer, N. 1991. “Glasnost” e poesia. Revista USP 10: 104-8. Poema originalmente publicado em 1958.

01 novembro 2009

Grafito para Ipólita

Murilo Mendes

1.
A tarde consumada. Ipólita desponta.

Ipólita, a putain do fim da infância,
Nascera em Juiz de Fora, a família em Ferrara.

Seus passos feminantes fundam o timbre.
Marcha, parece, ao som do gramofone.

A cabeleira-púbis, perturbante.
Os dedos prolongados em estiletes.

Os lábios escandindo a marselhesa
Do sexo. Os dentes mordem a matéria.

O olho meduseu sacode o espaço.
O corpo transmitindo e recebendo

O desejo o chacal a praga o solferino.
Pudesse eu decifrar sua íntima praça!

Expulsa o sol-e-dó, a professora, o ícone,
Só de vê-la passar, meu sangue inobre

Desata as rédeas ao cavalo interno.

2.
Quando tarde a revejo, rio usado,
Já a morte lhe prepara a ferramenta.

Deixa o teatro, a matéria fecal.
Pudesse eu libertar seu corpo (Minha cruzada!)

Quem sabe, agora redescobre o viso
Da sua primeira estrela, esquartejada.

3.
Por ela meus sentidos progrediram.
Por ela fui voyeur antes do tempo.

4.
O dia emagreceu. Ipólita desponta.

Fonte: Moriconi, I., org. 2001. Os cem melhores poemas brasileiros do século. RJ, Objetiva. Poema publicado em livro em 1970.

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