29 junho 2013

Janela de flores


Carl Larsson (1853-1919). Blomsterfönstret. 1894.

Fonte da foto: Wikipedia.

27 junho 2013

Soror Teresa

Maranhão Sobrinho

... E um dia as monjas foram dar com ela
Morta, da cor de um sonho de noivado,
No silêncio cristão da estreita cela,
Lábios nos lábios de um Crucificado...

Somente a luz de uma piedosa vela
Ungia, como um óleo derramado,
O aposento tristíssimo de aquela
Que morrera num sonho, sem pecado...

Todo o mosteiro encheu-se de tristeza,
E ninguém soube de que dor escrava
Morrera a divinal soror Teresa...

Não creio que, do amor, a morte venha,
Mas, sei que a vida da soror boiava
Dentro dos olhos do Senhor da Penha...

Fonte: Ricieri, F., org. 2008. Antologia da poesia simbolista e decadente brasileira. SP, Ibep. Poema publicado em livro em 1908.

25 junho 2013

O problema do recrutamento

Alan R. Longhurst & Daniel Pauly

Aristóteles foi, provavelmente, o primeiro naturalista a escrever sobre recrutamento, quando registrou que os pescadores da antiga Grécia distinguiam três grupos de tamanho e idade nos atuns, chamados de ‘auxids’, ‘pelamides’ e ‘thynni’ ou atuns adultos [...]. Relatou-se, também, que os pescadores haviam observado que a escassez de ‘pelamides’ de um ano, era seguida de uma falha da pesca de ‘thynni’ no ano seguinte, o que torna o relato de Aristóteles o primeiro registro sobre o ‘problema do recrutamento’.

Existem observações semelhantes sobre a pesca do arenque do norte da Europa; a disponibilidade do estoque (e, portanto, o recrutamento) era uma das primeiras preocupações da recém-nascida biologia pesqueira no final do século 19. Porém, foi a partir do trabalho de Ricker de 1954 que se obteve uma exposição bem definida deste problema: qual é a relação que liga um estoque parental ao tamanho de sua prole que entra em uma pescaria, como resultado de cada reprodução anual? Depois da formulação dada por Ricker, a variabilidade ambiental foi negligenciada por muitos anos e as pesquisas foram quase inteiramente direcionadas à tentativa de derivar uma equação, com parâmetros incluindo coeficientes de mortalidade dos pré-recrutas, para compilar longas séries temporais de índices do tamanho do estoque parental e do recrutamento, e estimar o recrutamento a partir do estoque parental. [...] [Q]uando propriamente analisadas, essas longas séries são capazes de mostrar a relação entre o número de recrutas e o estoque parental para as mais diversas famílias, incluindo espécies de latitudes mais baixas e mais altas.
[...]

Fonte: Longhurst, A. R. & Pauly, D. 2007 [1987]. Ecologia dos oceanos tropicais. SP, Edusp.

23 junho 2013

À beira do caminho

Paulo Setúbal

Por essas tardes plácidas do campo,
– Tardes azuis de firmamento escampo
Eu vou, través de longos carreadores,
Sentar-me num barranco, ermo e distante,
Sentindo o fresco aroma penetrante
Que vem da madressilva aberta em flores.

Tudo me entrista e punge nestas terras!
Os mesmos cafezais. As mesmas serras.
A mesma casa antiga da fazenda,
Que outrora viu, quando éramos meninos,
Nossos amores, nossos desatinos,
– Toda essa história descorada em lenda!

Quanta saudade! De manhã bem cedo,
Saíamos os dois pelo arvoredo,
De alma contente e exclamações na voz.
Como éramos apenas namorados,
E andássemos, a rir, de braços dados,
Os camponeses riam-se de nós!

Era dezembro. Florescia o milho,
Verde e glorioso como o nosso idílio.
Que lindas roças! Que estação aquela!
Toda a velha fazenda parecia,
Com sua larga e rústica alegria,
Mais cheia de aves, mais ruidosa e bela!

Ainda guardo, intata, na memória,
Aquela ingênua e deliciosa história,
Que foi o meu e o teu primeiro amor.
E ai! que recordação, que duro travo,
Lembrar que eu fui o teu rei o teu escravo,
Saber que fui eu teu servo e teu senhor!

E cismo... Cismo... A tarde vai tombando.
De lado a lado, claras, azulando,
Destacam-se as colinas no horizonte.
Tristonha, a várzea na amplidão se perde.
Lá em baixo um bambual sombrio e verde.
Um fio d’água. Uma arruinada ponte.

Assim, ao pôr do sol, triste e sozinho,
Sentado num barranco do caminho,
Sem que ninguém meu coração compreenda,
Olho a mata, olho os campos, olho a estrada
Ouvindo a melancólica toada
Que chora, ao longe, o piano da fazenda...

Fonte (primeira estrofe): Martins, W. 1978. História da inteligência brasileira, vol. 6. SP, Cultrix & Edusp. Poema publicado em livro em 1920.

21 junho 2013

Despondency


Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade...
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram...

Deixá-la ir, a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul se levantaram...

Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
À morte queda, à morte silenciosa...

Deixá-la ir, a nota desprendida
Dum canto extremo... e a última esperança...
E a vida... e o amor... Deixá-la ir, a vida!

Fonte: Quental, A. 2004. Melhores poemas. SP, Global. Poema publicado em livro em 1872.

19 junho 2013

A Oposição Unificada

Pierre Broué

A luta da Oposição Unificada contra o aparelho stalinista, no interior do PCUS, é um dos episódios decisivos disto que muitos autores chamam ainda de ‘a luta pela sucessão de Lênin’ e que é, de fato, o episódio principal da luta entre o aparelho – ou seja, a burocracia no sentido político e social – e o partido com seus operários avançados e sua tradição revolucionária.

Sabemos agora que a oposição de 1923 continuou a existir como rede de simpatizantes. Sabemos igualmente que os membros da Oposição Unificada, do grupo Centralismo Democrático (os dezembristas) e os opositores ‘nacionais’ (por exemplo, os comunistas georgianos) prosseguiam com uma certa atividade.

A novidade é a aparição, em fins de 1925, do que se chamou a ‘Nova Oposição’, a Oposição de Leningrado, dirigida por Zinoviev e Kamenev. Discuti, em minha biografia de Trotsky, a origem do bloco entre a ‘Nova Oposição’ e a Oposição de 1923, ou seja, entre Zinoviev-Kamenev e Trotsky. Rejeitei a versão dada na famosa trilogia de Isaac Deutscher, sobre a base de má interpretação de um pretendido discurso de Zalutsky, que não foi mais do que um diálogo privado.
[...]

Três dos cinco dirigentes incontestáveis do partido, Zinoviev, Kamenev e Trotsky, eram membros da Oposição. Esta aparentava mesmo ser uma espécie de aliança de velhos bolcheviques contra Stalin e Bukharin, um pouco marginais. Acrescentando-se N. K. Krupskaya, a viúva de Lênin, torna-se claro que os que foram os mais próximos deste, não somente durante os últimos anos, mas, com exceção de Trotsky, durante sua vida inteira, estavam nos grupos da Oposição.
[...]

É igualmente indiscutível que a derrota da Oposição Unificada não foi somente a da classe operária soviética ainda não reconstituída, mas uma das derrotas sofridas pela revolução em vários estados europeus importantes, ou, em outros termos, a derrota da revolução mundial esperada por Lênin, Trotsky e sua geração. Para eles, a vitória da Revolução Russa era apenas a primeira etapa. Uma vez isolada a revolução na União Soviética, uma situação inteiramente nova tomava forma.
[...]

Fonte: Broué, P. 1994. A Oposição Unificada (1926-1927). In: O. Coggiola, org. Trotsky hoje. SP, Ensaio.

17 junho 2013

Chuva em floresta de carvalho


Ivan [Ivanovitch] Shishkin (1832-1898). Dozhd’ v dubovom lesu. 1891.

Fonte da foto: Wikipedia.

15 junho 2013

Se eu morresse neste momento

Jayme Ovalle

Se eu morresse neste momento
Mal o perceberia.

Seria levado nos ares
Mais alto do que as estrelas.

E o Senhor, à porta do céu,
Esperar-me-ia com sua Mãe,

E seus anjos e seus discípulos.
E eu,

Como fazem, ao nascer, todas as crianças,
Haveria de chorar.

Fonte: Bandeira, M. 2007. Estrela da vida inteira. RJ, Nova Fronteira.

13 junho 2013

O psicologismo e o individualismo metodológico

Sidney Morgenbesser

A tese segundo a qual a Psicologia constitui a ciência social básica, tese freqüentemente chamada de psicologismo, vem tendo curso intrigante e atraente. O mesmo tem ocorrido com uma tese-irmã, a do individualismo metodológico, orientação que talvez possa ser adequadamente descrita dizendo-se que sustenta serem todos os enunciados a propósito de grupos e coletividades redutíveis a enunciados a respeito de seres humanos e suas inter-relações. A despeito de refutações repetidas e claras, essas teses continuam a manter-se. Os professores Popper, Hayek, Nagel e outros eminentes filósofos e cientistas sociais vêm continuando um debate para o qual trouxeram contribuição Hume, Hill, Marx, Dewey, Weber, Freud e outros que remontam ao tempo de Platão.

Essa longa e celebrada controvérsia concita, mas como que [escapa], a um sumário filosófico simples e a uma apreciação. Em verdade e como freqüentes vezes ocorre quando se trata de disputas metodológicas prolongadas, as numerosíssimas questões que se levantam durante a discussão dificultam colocação objetiva do assunto. Dessa maneira, face a um estado de coisas familiar, empregarei estratégia comum, buscando identificar as várias questões e problemas. A esperança, naturalmente, é a de que do esclarecimento decorra ao menos parcial fixação de idéias.
[...]

É a Psicologia a ciência social básica? A resposta deve ser, naturalmente, negativa, se entendermos a teoria do aprendizado como a teoria a que todas as outras ciências sociais devem ser reduzidas. A teoria do aprendizado não pode, por exemplo, explicar os processos do pensamento criador.

Apesar disso, o psicologismo sabe preservar-se. Em verdade, a história prova  que a Psicologia tem sido redefinida e reinterpretada para conservar-se como a ciência social básica.

Fonte: Morgenbesser, S. org. 1979. Filosofia da ciência. SP, Cultrix.

12 junho 2013

Oitenta meses no ar

F. Ponce de León

Nesta quarta-feira, 12/6, o Poesia contra a guerra completa seis anos e oito meses no ar. Ao fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue indicava que 210.291 visitas foram registradas ao longo desse período.

Desde o balanço mensal anterior – Seis anos e sete meses no ar – foram aqui publicados pela primeira vez textos dos seguintes autores: Alceu Wamosy, Alfred Russel Wallace, Arcângelo R. Buzzi, Bernardo Vieira Ravasco, Bruce Fellman, Jorge Tufic, Oliver Friggieri e Paul L. Meyer. Além de alguns outros que já haviam sido publicados em meses anteriores.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Franz von Stuck, Maximilien Luce e Paul Signac.

10 junho 2013

Somos água borbulhante

Oliver Friggieri

Nossa história se esgotará um dia
como águas turbulentas que se acalmam,
como pedra rolante que se vai freando,
como o tique-taque terminal de um relógio.

Ao anoitecer, quando a escuridão desce sobre nossas casas,
nossos filhos nos perguntam o que aconteceu hoje.
Sem saber a resposta, desconversamos
e cantarolamos um estranho hino nascido, gêmeo, conosco:
“Somos água borbulhante que ninguém beberá,
porque nossas ondas contêm um sal letal.
Somos pedras arrancadas de templos
de deuses valetudinários, mortos desesperados
em guerra fraticida. Somos pêndulos
cuja energia se vai consumindo até o nada”.

Fonte: Freire, C. 2004. Babel de poemas: uma antologia multilíngüe. Porto Alegre, L&PM.

08 junho 2013

Montanha


Matas de carvalhos, castanheiros além, caminho do bosque
Para o dia, ao fundo. Lá de longe, o trino picotado do cuco
Nas folhas do carrasco velho marca o fim das migrações, para onde
Irei?
Para cima, sempre para cima, o grito picado do açor
Na copa dos pinheiros faz
Do tempo, grato, uma descida
A garra segura em vida –
Espalha no ar plumas de sangue, rogando
As perdizes para o chão.

Um fio de luz
No dorso
Das florestas chega
O crepúsculo às terras azuis,
De madrugada.

A pairar
No ar de montanha,
A tua madeixa, cortada.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1987.

06 junho 2013

A estação sob neve


Maximilien Luce (1858-1941). La gare de l’Est sous la neige. 1917.

Fonte da foto: Wikipedia.

04 junho 2013

Introdução ao pensar

Arcângelo R. Buzzi

Foi Parmênides, filósofo grego, quem por primeiro definiu a filosofia como investigação ou pesquisa do ser.

A palavra ser é um termo abstrato que recolhe em si a totalidade das coisas. Abstrato significa elaborado pela experiência no trato das coisas. A palavra ser contém assim uma ciência, uma intuição originária, que possibilita ao homem viver as experiências numa unidade significativa superior.

O homem só é em contato com a realidade. Vive da comunhão e do comércio com ela. O humano é essencialmente indigência, não é auto-suficiente, precisa do que não é ele para crescer, para vir à sua identidade. Para existir deve pois entregar-se ao que não é ele. Não pode eximir-se dessa contingência.

Em seu arquétipo último o homem é qual árvore que dialoga e se comunica com a terra que não é ela. Como a árvore, o homem cresce, vem à sua auto-realização, na medida em que se instaura nesse colóquio de comunhão com o que não é ele.

À diferença da árvore, porém, o homem está nesse diálogo em níveis de compreensão diversos. Pode designar ou dar nome às coisas que perfazem a realidade. Ele está na imanência do mundo e o vive na claridade do ser: na luz do conhecimento.

Há um conhecimento prático, pelo qual o homem sabe o que fazer com a realidade. É o saber de uso ou de serventia das coisas. Nesse nível de saber as coisas aparecem inconfundíveis e bastante bem definidas, a ponto de receberem nomes próprios que as diferenciam umas das outras: casa, pedra, rio, sol, cavalo, formiga, pinheiro. É a ‘aparência transcendental’ lógica do mundo.
[...]

Fonte: Buzzi, A. R. 1978. Introdução ao pensar, 7ª edição. Petrópolis, Vozes.

02 junho 2013

A hora cinzenta


Desce um longo poente de elegia
Sobre as mansas paisagens resignadas;
Uma humaníssima melancolia
Embalsama as distâncias desoladas...

Longe, num sino antigo, a Ave-Maria
Abençoa a alma ingênua das estradas;
Andam surdinas de anjos e de fadas,
Na penumbra nostálgica, macia...

Espiritualidades comoventes
Sobem da terra triste, em reticência,
Pela tarde sonâmbula, imprecisa...

Os sentidos se esfumam, a alma é essência
E, entre fugas de sombras transcendentes,
O Pensamento se volatiliza...

Fonte: Leoni, R. 1998. Luz mediterrânea. BH, Garnier. Poema publicado em livro em 1922.

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