31 março 2018

Smooth between sea and land


Smooth between sea and land
Is laid the yellow sand,
And here through summer days
The seed of Adam plays.

Here the child comes to found
His unremaining mound,
And the grown lad to score
Two names upon the shore.

Here, on the level sand,
Between the sea and land,
What shall I build or write
Against the fall of night?

Tell me of runes to grave
That hold the bursting wave,
Or bastions to design
For longer date than mine.

Shall it be Troy or Rome
I fence against the foam,
Or my own name, to stay
When I depart for aye?

Nothing: too near at hand,
Planing the figure sand,
Effacing clean and fast
Cities not built to last
And charms devised in vain,
Pours the confounding main.

Fonte (terceira e quarta estrofes): Hardy, G. H. 2000 [1940]. Em defesa de um matemático. SP, Martins Fontes. Poema publicado em livro em 1936.

29 março 2018

Heráclito

Vergílio Alberto Vieira

A um grego foi possível
Outrora sonhar divinamente as águas
De outro rio
Esse rio é homem e Heráclito
Ainda em sonho ignora
Quão indiferente sobre si mesmo corre
o rio Agora é noite
E o grego as naturezas escuta
Em toda a parte enquanto
Pensa o fogo harmonioso do passado
O que na cinza se escreveu
Perdido foi em Éfeso
Artemis é essa inquietação segura

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1990.

27 março 2018

O contrato natural

Michel Serres

Dois inimigos brandindo bastões lutam, em areias movediças. Atento às táticas do outro, cada um responde golpe a golpe e dá a sua réplica à esquiva. Fora da moldura do quadro, nós, espectadores, observamos a simetria dos gestos no decorrer do tempo: que espetáculo magnífico – e banal!

O pintor – Goya – enfiou os duelistas até os joelhos na lama. A cada movimento, um buraco viscoso os engole de modo que eles se enterrem juntos, aos poucos. Em que ritmo? Depende de sua agressividade: quanto mais quente a luta, mais vivos e secos os movimentos que aceleram o enterramento gradual. Os beligerantes não adivinham o abismo em que se precipitam: ao contrário, de fora, nós o enxergamos muito bem.
[...]

Fonte: Serres, M. 1991. O contrato natural. RJ, Nova Fronteira.

25 março 2018

Aurora sobre o mar do Japão


Fujishima Takeji (1867-1943). 東海旭光. 1932.

Fonte da foto: Wikipedia.

23 março 2018

Mãe

José Jeronymo Rivera

Quando, em meio à tristeza desta vida,
Eu me vejo sozinho e abandonado,
Sentindo o coração pulsar, cansado,
– Mortas as ilusões, e a fé perdida;

Quando, ansioso, procuro no passado,
No Ideal que sonhei – visão sentida,
Um consolo à minha alma dolorida
– Um pouco de carinho ao desgraçado,

Vejo um vulto celeste e silencioso
Chegar-se a mim, beijar-me a fronte exangue,
Banhando-me de luz e suavidade...

És tu, ó mãe querida, o anjo bondoso
Que me secas as lágrimas de sangue
A brotarem da fonte da saudade...

Fonte: Horta, A. B. 2016. Do que é feito o poeta. Brasília, Thesaurus.

21 março 2018

Serão do menino pobre

Ascânio Lopes

Na sala pobre da casa da roça
papai lia os jornais atrasados.
Mamãe cerzia minhas meias rasgadas.
A luz frouxa do lampião iluminava a mesa
e deixava nas paredes um bordado de sombras.
Eu ficava a ler um livro de histórias impossíveis
– desde criança fascinou-me o maravilhoso.
Às vezes, Mamãe parava de costurar
– a vista estava cansada, a luz era fraca,
e passava de leve a mão pelos meus cabelos,
numa carícia muda e silenciosa.

Quando Mamãe morreu
o serão ficou triste, a sala vazia.
Papai já não lia os jornais
e ficava a olhar-nos silencioso.
A luz do lampião ficou mais fraca
e havia muito mais sombra pelas paredes...
E, dentro em nós, uma sombra infinitamente maior.

Fonte: Ruffato, L. 2005. Ascânio Lopes: todos os possíveis caminhos. Cataguases, Instituto Francisca de Souza Peixoto. Poema publicado em 1927.

20 março 2018

Por que gostamos de música?

M. Mitchell Waldrop

A música, afinal, nada mais é que uma sequência de ondas sonoras. Então, por que a música de Wolfgang Amadeus Mozart fez com que seu rival, Antonio Salieri, ficasse cheio de ânsia e dor, conforme descrito na peça de Peter Shaffer? Por que enchemos nossas próprias vidas com música – nos teatros de Viena, nas ruas do Harlem, nas planícies da Índia? O que faz com que uma sequência de ondas sonoras venha nos tocar tão profundamente?
[...]

Fonte: Leigh, J. & Savold, D., orgs. 1991 [1988]. O dia em que o raio correu atrás da dona-de-casa... e outros mistérios da ciência. SP, Nobel.

18 março 2018

Ferro

Cuti

Primeiro o ferro marca
a violência nas costas
Depois o ferro alisa
a vergonha nos cabelos
Na verdade o que se precisa
é jogar o ferro fora
e quebrar todos os elos
dessa corrente
de desesperos

Fonte: Pereira, E. A., org. 2010. Um tigre na floresta de signos. BH, Maza Edições. Poema publicado em livro em 1986. Cuti é pseudônimo de Luiz Silva.

16 março 2018

Em família


Bruno [Andreas] Liljefors (1860-1939). Rävfamilj. 1886.

Fonte da foto: Wikipedia.

14 março 2018

Um pacto civilizado

Stephen Hawking

Nasci no dia 8 de janeiro de 1942, exatamente trezentos anos após a morte de Galileu. Calculo, no entanto, que cerca de 200 mil outros bebês nasceram também nesse dia. Não sei se algum deles manifestou depois algum interesse por astronomia. Nasci em Oxford, embora meus pais morassem em Londres. Isso aconteceu porque Oxford era um bom lugar para se nascer durante a Segunda Guerra Mundial: havia um acordo pelo qual os alemães não bombardeariam Oxford e Cambridge e, em troca, os ingleses não bombardeariam Heidelberg e Göttingen. É uma pena que não se tenha podido estender um pacto civilizado como esse a mais cidades.

Fonte: Hawking, S. 1995. Buracos negros, universos-bebês e outros ensaios. RJ, Rocco.

13 março 2018

Onze anos e cinco meses no ar

F. Ponce de León

Ontem, segunda-feira, 12/3, o Poesia contra a guerra completou 11 anos e cinco meses no ar.

Desde o balanço anterior – ‘Onze anos e quatro meses no ar’ – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Clodoaldo de Alencar, Glenn Gould, Hélio Fraga, Jonathan Howard, Josué Camargo Mendes, Samuel Sewall e William Cowper. Além de alguns outros que já haviam sido publicados em meses anteriores.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Carl d’Unker e Jan Matejko.

10 março 2018

O embaraço da abundância

Jonathan Howard

Os biógrafos de Darwin são confrontados com o embaraço da abundância. Os seus progenitores eram ambos filhos de famílias distintas que tinham suscitado honras biográficas por direito próprio. Darwin casou depois com uma prima-irmã, e parece que a família nunca mais deitou fora praticamente nada desde então. Darwin registrou a sua própria vida numa autobiografia escrita a título particular para a família, mas que foi naturalmente guardada e depois publicada. As notas e registros do trabalho científico de uma vida inteira foram mantidos virtualmente intactos. Darwin viveu somente em três locais ao longo de uma carreira científica que durou cinquenta anos; cinco anos a bordo do Beagle, em circum-navegação pelo mundo, quatro anos em Londres e os restantes em Down House, algumas milhas ao sul de Londres. [...]

Enfermo durante os últimos quarenta e cinco anos de sua vida, Darwin foi autor de uma correspondência enorme. Foram editados cinco volumes das suas cartas por seu filho Francis, e apareceram depois, esporadicamente, mais algumas. Está em projecto uma edição definitiva de mais 13 000 cartas. Muitos dos correspondentes de Darwin eram cientistas muito distintos. [...]

Mesmo que Darwin tivesse sido um personagem menos importante uma colecção tão magnífica de fontes biográficas ter-lhe-ia mesmo assim garantido um lugar na história da ciência do século xix. Sendo o que é, existe um registro documental completo quase inacreditável da vida de um dos grandes revolucionários da história das ideias. Não admira pois que a exploração deste registro e as suas implicações para a história da ciência se tenha transformado naquilo que é por vezes designado como a Indústria de Darwin.
[...]

Fonte: Howard, J. 1982. Darwin. Lisboa, Dom Quixote.

09 março 2018

Mau compositor

Glenn Gould

Mozart foi um mau compositor que morreu tarde demais em vez de cedo demais.

Fonte: Solman, J. 1991. Mozartiana: Dois séculos de notas, citações e anedotas sobre Wolfgang Amadeus Mozart. RJ, Nova Fronteira. Comentário publicado em livro em 1989.

06 março 2018

Urubu

Geir Campos

Sobreviventes da pureza antiga,
as penas brancas, no debrum das asas,
pesam como remorsos a encurvá-las:
vírgulas negras duma negra história.

Como que o sentimento do pecado
neutraliza a intenção e tranca os gestos,
e o voo – lento cair espiralado,
misto de hesitação e de abandono –
penetra fundo o cerne azul da tarde:
longa verruma de carvão e sono.

Fonte: Bosi, A. 2013. História concisa da literatura brasileira, 49ª ed. SP, Cultrix. Poema publicado em livro em 1950.

04 março 2018

Velha com rosário


Carl [Henning Lutzow] d’Unker (1828-1866). Gumma med radband. 1853.

Fonte da foto: Wikipedia.

02 março 2018

O esporte no Binômio

Hélio Fraga

De repente, o país do futebol levou um susto: Didi, o segundo maior jogador brasileiro em prestígio e fama, logo abaixo de Pelé, tinha um filho oculto, que era engraxate em Pedro Leopoldo, perto de Belo Horizonte. Adilson Pereira, 11 anos, filho legítimo de Didi e de sua primeira mulher, Maria Luíza, era criado pelo então treinador Moacir Rodrigues.

A descoberta do filho de Didi foi um furo nacional do Binômio, de minha autoria, então me iniciando no jornalismo, e do repórter fotográfico Antônio Cocenza. A notícia teve repercussão mundial, foi manchete de grandes jornais brasileiros e acabou abrindo as portas do sucesso para Adilson – mais tarde, o Bibi – titular do Atlético mineiro e de outros grandes times.

Na época, Didi vivia um tempestuoso romance com Guiomar, sua segunda esposa, e tinha abandonado o filho, cujo paradeiro era inteiramente desconhecido.

Com a informação de que Adilson estava em Pedro Leopoldo, fomos até lá e fizemos um teste: num campo de futebol, colocamos um menino no gol e outros na barreira. Pedimos então ao garoto que batesse uma falta. Ele ajeitou, tomou distância e chutou. A bola descreveu uma trajetória igual à das faltas batidas por Didi, a famosa folha seca, que Adilson só conhecia de nome. Não havia mais dúvidas.

Foi assim, com grandes reportagens e furos como este, que o Binômio ajudou a escrever a história do futebol mineiro num de seus momentos mais importantes (a fase pré-Mineirão). A crônica esportiva, naqueles dias, era dominada pela mediocridade, pelos repórteres-torcedores, por aqueles que, mais do que hoje, não se envergonhavam de misturar sua condição de jornalistas com os serviços prestados aos clubes, como até contratar jogadores.

O Binômio teve um papel fundamental na modernização da linguagem jornalística esportiva em Minas, arquivando palavras como prélio, pugna, coach (técnico), match (jogo), referee (juiz), goal keeper (goleiro), tento (gol), mediador da cotenda (juiz), equipes litigantes (times), e por aí vai.

Outro papel importante do jornal: humanizar o futebol, mostrar o jogador como uma pessoa igual às outras, não tratá-lo como mercadoria que se vendia a qualquer hora. Essa humanização se estendeu a todo o universo do futebol: aos juízes, aos treinadores, aos dirigentes, aos torcedores.

O Binômio ajudou na descoberta de grandes jogadores. Apenas um, entre eles: Tostão, o rei das peladas de futebol de salão no Conjunto do IAPI, cujos primeiros passos acompanhamos no jornal. Ou na revelação do drama de craques do passado, como Mário de Souza, um dos maiores goleadores da história do Atlético e que vivia na miséria na cidade de João Monlevade.

Tivemos ainda um papel decisivo na denúncia das mazelas que afetavam o esporte, levando-o ao desprestígio e à desmoralização, como infelizmente acontece ainda hoje.

Todos os fatos marcantes do futebol de Minas e do Brasil, naquele período, passaram pelas páginas do Binômio, vistos com toda a honestidade e independência, que eram as marcas do jornal.

Fonte: Rabêlo, J. M. 1997. Binômio:edição histórica. BH, Armazém de Idéias & Barlavento Grupo Editorial.

01 março 2018

O ciclo de vida das teorias


Um dos comentários equivocados mais comuns a respeito da evolução diz mais ou menos o seguinte: “O problema é que se trata apenas e tão somente de uma teoria”. É um duplo equívoco. Primeiro, porque ignora o que sejam teorias e o papel que as teorias têm na ciência; além disso, as trata como se fossem caraminholas que vagueiam soltas por aí, desvinculadas da realidade.

Antes de tudo, deveríamos observar que teorias científicas não são opiniões pessoais nem engenhocas que brotam do nada. Melhor pensar nelas como uma trama articulada de ideias. A elaboração e, sobretudo, o refinamento de uma teoria é um processo histórico que se estende por gerações. E mais: o chamado progresso científico decorre mais do refinamento de teorias, do que de novos equipamentos ou do acúmulo de dados.

O refinamento costuma envolver a substituição de partes de uma teoria que não mais funcionam (e.g., modelos ou subteorias auxiliares). Pense em alguma teoria ou em algum modelo – e.g., teoria da gravitação ou o modelo geofísico segundo o qual o núcleo da Terra seria uma esfera sólida de ferro. Como representação do mundo, essas ideias sobrevivem enquanto (i) são condizentes com outras teorias ou modelos em vigor; e (ii) explicam de modo satisfatório os resultados que obtemos no dia a dia.

Às vezes, porém, as explicações se tornam inadequadas ou inconsistentes. Quando isso ocorre, a suspeita inicial recai sobre os resultados, que passam a ser vistos como ruins ou anômalos. Se os resultados ruins continuam a aparecer, instala-se uma crise. Percebemos isso quando as teorias até então hegemônicas e incontestáveis passam a ser criticadas abertamente – o status quo delas é questionado. Chega uma hora em que os cientistas se dão conta de que os problemas não estão nos dados. Visto que as anomalias não decorrem de problemas metodológicos ou de outro tipo de distorção, a crise se aprofunda. O impasse às vezes resulta naquilo que alguns filósofos e historiados da ciência chamam de revolução – a teoria em crise é abandonada e uma nova ganha fôlego, atraindo mais e mais adeptos.

Todavia, como os cientistas não trabalham sem um pano de fundo teórico, eles não abandonarão as ideias antigas, mesmo admitindo que elas são problemáticas, sem que antes surja no horizonte ao menos um esboço de alguma ideia alternativa. A teoria substituta deverá ser capaz de lidar com as anomalias. Finalizada a ruptura e restaurada a normalidade, os resultados até então vistos como anômalos passam a ser tratados como exemplares. Assim, o que antes ficava escondido debaixo do tapete, vai agora servir para educar as novas gerações.

Fonte: o artigo integra o livro O que é darwinismo (no prelo), cujo lançamento deve ocorrer ainda no primeiro semestre de 2018.

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