29 novembro 2010

Após o almoço


Silvestro Lega (1826-1895). Un dopo pranzo. 1868.

Fonte da foto: Wikipedia.

27 novembro 2010

A gleba me transfigura

Cora Coralina

Sinto que sou a abelha no seu artesanato.
Meus versos têm cheiro dos matos, dos bois e dos currais.
Eu vivo no terreiro dos sítios e das fazendas primitivas.
Amo a terra de um místico amor consagrado, num esponsal sublimado, procriador e fecundo.
Sinto seus trabalhadores rudes e obscuros,
suas aspirações inalcançadas, apreensões e desenganos.
Plantei e colhi pelas suas mãos calosas
e tão mal remuneradas.
Participamos receosos do sol e da chuva em desencontro,
nas lavouras carecidas.
Acompanhamos atentos, trovões longínquos e o riscar
de relâmpagos no escuro da noite, irmanados no regozijo
das formações escuras e pejadas no espaço
e o refrigério da chuva nas roças plantadas, nos pastos maduros
e nas cabeceiras das aguadas.
Minha identificação profunda e amorosa
com a terra e com os que nela trabalham.

A gleba me transfigura. Dentro da gleba,
ouvindo o mugido da vacada, o mééé dos bezerros,
o roncar e focinhar dos porcos, o cantar dos galos,
o cacarejar das poedeiras, o latir dos cães,
eu me identifico.
Sou árvore, sou tronco, sou raiz, sou folha,
sou graveto, sou mato, sou paiol
e sou a velha trilha de barro.

Pela minha voz cantam todos os pássaros, piam as cobras
e coaxam as rãs, mugem todas as boiadas que vão pelas estradas.
Sou a espiga e o grão que retornam à terra.
Minha pena (esferográfica) é a enxada que vai cavando,
é o arado milenário que sulca.
Meus versos têm relances de enxada, gume de foice
e peso de machado.
Cheiro de currais e gosto de terra.

Eu me procuro no passado.
Procuro a mulher sitiante, neta de sesmeiros.
Procuro Aninha, a inzoneira que conversava com as formigas,
e seu comadrio com o ninho das rolinhas.
Onde está Aninha, a inzoneira,
menina do banco das mais atrasadas da escola de Mestra Silvina...
Onde ficaram os bancos e as velhas cartilhas da minha escola primária?
Minha mestra... Minha mestra... beijo-lhe as mãos,
tão pobre!...
Meus velhos colegas, um a um foram partindo, raleando a fileira...
Aninha, a sobrevivente, sua escrita pesada, assentada
nas pedras da nossa cidade...

Amo a terra de um velho amor consagrado
através de gerações de avós rústicos, encartados
nas minas e na terra latifundiária, sesmeiros.
A gleba está dentro de mim. Eu sou a terra.
Identificada com seus homens rudes e obscuros,
enxadeiros, machadeiros e boiadeiros, peões e moradores.
Seus trabalhos rotineiros, suas limitadas aspirações.
Partilhei com eles de esperança e desenganos.

Juntos, rezamos pela chuva e pelo sol.
Assuntamos de um trovão longínquo, de um fuzilar
de relâmpagos, de um sol fulgurante e desesperador,
abatendo as lavouras carecidas.
Festejamos a formação no espaço de grandes nuvens escuras
e pejadas para a salvação das lavouras a se perderem.
Plantei pelas suas enxadas e suas mãos calosas.
Colhi pelo seu esforço e constância.

Minha identificação com a gleba e com sua gente.
Mulher da roça eu o sou. Mulher operária, doceira,
abelha no seu artesanato, boa cozinheira, boa lavadeira.
A gleba me transfigura, sou semente, sou pedra.
Pela minha voz cantam todos os pássaros do mundo.
Sou a cigarra cantadeira de um longo estio que se chama Vida.
Sou a formiga incansável, diligente, compondo seus abastos.
Em mim a planta renasce e floresce, sementeia e sobrevive.
Sou a espiga e o grão fecundo que retornam à terra.
Minha pena é a enxada do plantador, é o arado que vai sulcando
para a colheita das gerações.
Eu sou o velho paiol e a velha tulha roceira.
Eu sou a terra milenária, eu venho de milênios.
Eu sou a mulher mais antiga do mundo, plantada e fecundada
no ventre escuro da terra.

Fonte: Coralina, C. 2004. Melhores poemas, 2ª edição. SP, Global. Poema publicado em livro em 1983.


25 novembro 2010

Por que tanta matemática?

Nicholas J. Gotelli

[Ao aluno]
A pergunta mais freqüente que me é colocada pelos alunos de iniciação à ecologia é: “[Por que] precisamos usar tanta matemática para estudar ecologia?” Muitos alunos se matriculam na minha disciplina esperando ouvir falar de baleias, aquecimento global e destruição das florestas tropicais. [Ao invés] disso, eles se deparam com o crescimento exponencial, tempo de duplicação e taxas de crescimento per capita. As duas listas de tópicos não são desconectadas. Mas para poder começar a resolver os problemas ecológicos complexos, precisamos entender as bases. Tal como um engenheiro mecânico precisa entender os princípios da física para construir uma represa, um biólogo da conservação precisa entender os princípios da ecologia para salvar uma espécie.

A ecologia é a ciência que estuda a distribuição e a abundância. Em outras palavras, estamos interessados em prever onde os organismos ocorrem (distribuição), e o tamanho das suas populações (abundância). Os estudos de ecologia dependem de medições da distribuição e abundância na natureza, portanto precisamos da matemática e da estatística como ferramentas para sintetizar e interpretar [essas] medições.

Mas [por que] precisamos dos modelos matemáticos? Uma resposta é que precisamos de modelos para fazer frente à complexidade da natureza. Podemos gastar uma vida inteira medindo diferentes componentes da distribuição e abundância sem que isso nos leve a uma compreensão particularmente clara da ecologia. Os modelos matemáticos funcionam como um ‘mapa rodoviário’ simplificado que nos ajuda a direcionar a atenção e a escolher exatamente o que medir na natureza.

Os modelos também geram previsões testáveis. Ao tentar verificar ou refutar [essas] previsões, nosso conhecimento da natureza avança muito mais rápido do que se tentarmos medir tudo e mais alguma coisa sem seguir um plano. Os modelos acentuam a distinção entre padrões que observamos na natureza e os diferentes mecanismos que podem causar esses padrões.
[...]

Fonte: Gotelli, N. J. 2007 [2001]. Ecologia, 3ª edição. Londrina, Planta.


23 novembro 2010

Ladainha minha

Adília Lopes

Há cem anos
que bordamos
os nossos enxovais
para nenhuma boda
nos nossos quartos
fechados à chave
os nossos noivos
enviuvaram
e andam pelo terreiro
vestidos de preto
com um fumo no braço
e cravo branco murcho
na lapela
as nossas mães
deixaram-nos
a bordar
em silencio
os nossos enxovais
de brancos que foram sendo
fizeram-se amarelos
como crisântemos
eu e as minhas irmãs
choramos a nossa sorte
copiosamente a fio
dia após dia
o pavio das nossas velas
esfuma-se
as nossas lágrimas
grossas como punhos
formam uma ribeira
que corre para o nosso mar
e o nosso mar?

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1991.


21 novembro 2010

Quem morre, Amor, pouco lhe basta

Emily Dickinson

Quem morre, Amor, pouco lhe basta –
Um Copo d’Água para a sede,
Uma discreta Flor em frente
Realçando a Parede,

Talvez um Leque, um Amigo aflito,
E a Convicção que alguém na vida
Não verá cores no Arco-Íris
Após tua Partida.

Fonte: Dickinson, E. 2006. Alguns poemas. SP, Iluminuras. Poema publicado em livro em 1924.


19 novembro 2010

Rolla


Henri Gervex (1852-1929). Rolla. 1878.

Fonte da foto: Art Renewal Center.

17 novembro 2010

Viagem a São Saruê

Manoel Camilo dos Santos

Doutor mestre pensamento
me disse um dia: – Você
Camilo, vá visitar
o país ‘São Saruê’
pois é o lugar melhor
que neste mundo se vê.

Eu que desde pequenino
sempre ouvia falar
nesse tal ‘São Saruê’
destinei-me a viajar
com ordem do pensamento
fui conhecer o lugar.

Iniciei a viagem
às duas da madrugada
tomei o carro da brisa
passei pela alvorada
junto do quebrar da barra
eu vi a aurora abismada.

Pela aragem matutina
eu avistei bem defronte
a irmã da linda aurora
que se banhava na fonte
já o sol vinha espargindo
no além do horizonte.

Surgiu o dia risonho
na primavera imponente
as horas passavam lentas
o espaço encande[s]cente
transformava a brisa mansa
em um mormaço dolente.

Passei do carro da brisa
para o carro do mormaço
o qual veloz penetrou
no além do grande espaço
nos confins dos horizontes
senti do dia o cansaço.

Enquanto a tarde caía
entre mistérios e segredos
a viração docilmente
afagava os arvoredos
os últimos raios do sol
bordavam os altos penedos.

Morreu a tarde e a noite
assumiu sua chefia
deixei o mormaço e tomei
o carro da neve fria
vi os mistérios da noite
esperando pelo dia.

Ao romper da nova aurora
senti o carro parar
olhei e vi uma praia
sublime de encantar
o mar revolto banhando
as dunas da beira-mar.

Mais adiante uma cidade
como nunca vi igual
toda coberta de ouro
e forrada de cristal
ali não existe pobre
é tudo rico em geral.

Uma barra de ouro puro
servindo de placa, eu vi
com as letras de brilhante
chegando mais perto eu li
dizia: ‘São Saruê’
é este lugar aqui.

Quando avistei o povo
fiquei de tudo abismado
era um povo alegre e forte
sadio e civilizado
bom tratável e benfazejo
por todos fui abraçado.

O povo em ‘São Saruê’
tudo tem felicidade
passa bem, anda decente
não há contrariedade
sem precisar trabalhar
e tem dinheiro à vontade.

Lá os tijolos das casas
são de cristal e marfim
as portas barras de prata
fechaduras de rubim
as telhas, folhas de ouro
e o piso de cetim.

Lá eu vi rios de leite
barreira de carne assada
lagoa de mel de abelhas
atoleiro de coalhada
açude de vinho quinado
monte de carne guisada.

As pedras em ‘São Saruê’
são de queijo e rapadura
as cacimbas são café
já coado e com quentura
de tudo assim por diante
existe grande fartura.

Feijão lá nasce no mato
já maduro e cozinhado
o arroz nasce nas várzeas
já prontinho e despolpado
peru nasce de escova
sem comer vive cevado.

Galinha põe todo dia
em vez de ovos é capão
o trigo em vez de semente
bota cachadas de pão
manteiga lá cai das nuvens
fazendo ruma no chão.

Os peixes lá são tão mansos
com o povo acostumados
saem do mar vêm paras as casas
são grandes gordos e cevados
é só pegar e comer
pois todos vivem guisados.

Tudo lá é bom e fácil
não precisa se comprar
não há fome e nem doença
o povo vive a gozar
tem tudo e não falta nada
sem precisar trabalhar.

Maniva lá não se planta
nasce e em vez de mandioca
bota cachos de beijus
e palmas de tapioca
milho, a espiga é pamonha
e o pendão é pipoca.

As canas em ‘São Saruê’
em vez de bagaço é caldo
umas são canos de mel
outras açúcar refinado
as folhas são cinturão
de pelica preparado.

Os pés de chapéus de massa
são tão grandes e carregados
os de sapatos da moda
têm cada cachos ‘aloprados’
os pés de meias de seda
chega vivem ‘escangalhados’.

Sítios de pés de dinheiros
que faz chamar atenção
os cachos de notas grandes
chega arrasta pelo chão
as moitas de prata e níquel
são mesmo que algodão.

Os pés de notas de contos
carrega que encapota
pode tirar-se à vontade
quanto mais velho mais bota
além dos cachos que têm
cascas e folhas, tudo é nota.

Lá os pés de casimiras
brim borracha e tropical
raiom, brim de linho e cáqui
e de seda especial
já botam as roupas prontas
própria para o pessoal.

Lá quando nasce um menino
não dar trabalho a criar
já é falando e já sabe
ler, escrever e contar
canta, corre, salta e faz
tudo quanto se mandar.

Lá tem um rio chamado
o banho da mocidade
onde um velho de cem anos
tomando banho à vontade
quando sai fora parece
ter 20 anos de idade.

Lá não se ver mulher feia
e toda moça é formosa
alva, rica e bem decente
fantasiada e cheirosa
igual a um lindo jardim
repleto de cravo e rosa.

É um lugar magnífico
onde eu passei muitos dias
passando bem e gozando
prazer, amor, simpatias
todo esse tempo ocupei-me
em recitar poesias.

Lá existe tudo quanto é de beleza
tudo quanto é bom, belo e bonito,
parece um lugar santo e bendito
ou o jardim da Divina Natureza
imita muito bem pela grandeza
a terra da antiga promissão
para onde Moises e Aarão
conduzia o povo de Israel
onde dizem que corria leite e mel
e caía manjar do céu ao chão.

Tudo lá é festa e harmonia
amor, paz, bem-querer, felicidade
descanso, sossego e amizade
prazer, tranqüilidade e alegria
na véspera d’eu sair naquele dia
um discurso poético lá eu fiz,
me deram a mandado do juiz
um anel de brilhante e de rubim
no qual um letreiro diz assim:
– feliz é quem visita este país.

Vou terminar avisando
a qualquer um amiguinho
que quiser ir para lá
posso ensinar o caminho,
porém só ensino a quem
me comprar um folhetinho.

Fonte: Pinto, J. N. 2004. Os cem melhores poetas brasileiros do século, 2ª edição. SP, Geração Editorial. Poema publicado em livro em 1956.


15 novembro 2010

E são tantas

Marina Colasanti

As ruínas da guerra fedem
a urina e fezes.
Naquilo que foi casa
e vida alheia
os homens
como cães
erguem a pata
sobrepondo um desprezo
a outro desprezo.

Das ruínas da guerra
o vencedor não diz
foi meu trabalho
nem põe placa de bronze com seu nome.
Ninguém chama ao desfeito
construção
embora a destruição seja uma obra.

As ruínas da guerra
são cracas a arrancar da terra.
E a elas a vida não se achega
porque a boca da morte
ainda bafeja.

Fonte: poema publicado no livro Passageira em trânsito (2010), de Marina Colasanti, e republicado aqui com o devido consentimento da autora, a quem agradeço pela cortesia.


13 novembro 2010

Manhã de novembro

Poh Pin Chin

Abro a porta
e o véu
cinza e úmido
da manhã
de novembro
me alcança.

O frio
suave
que sinto
na pele
parece
despertar a alma.

Ouço os pingos
esparsos
da chuva
rala
que caem
sobre o telhado

e agora o galo
que canta

entre tantas
outras aves
que cantam
anunciando o dia.


12 novembro 2010

Quatro anos e um mês no ar

F. Ponce de León

Nesta sexta-feira, 12/11, o Poesia contra a guerra completa quatros anos e um mês no ar. Ao fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue indicava que 112.841 visitas haviam sido registradas nesse período.

Desde o balanço mensal anterior – Aniversário de quatro anos – foram aqui publicados textos dos seguintes autores: Barbara Heliodora, David L. Hull, Eduardo Guerra Carneiro, Jean S. Medawar, Kim Edwards, Paul R. Ehrlich, Peter B. Medawar, Tracy Chapman e Victor M. Londoño. Além de outros autores que já haviam sido publicados antes.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens dos seguintes pintores: Claude Gellée [le Lorrain], Eliseu Visconti e Joaquín Sorolla.


10 novembro 2010

Teorias e leis biológicas

David L. Hull

Depois de tudo o que foi dito nos capítulos precedentes sobre as teorias genéticas e evolucionistas, poderá parecer um tanto gratuito abordarmos neste ponto a questão seguinte: existem ou não teorias ou leis biológicas? Entretanto, numerosas características das teorias e leis que examinamos até agora conspiram para levar alguns filósofos, por exemplo, J. J. C. Smart [...], a argumentar que “não há teorias biológicas” análogas às teorias solidamente construídas da Física; “não existem sequer leis biológicas”. Mas que dizer da genética mendeliana, da genética molecular, da teoria genética da evolução, da teoria sintética da evolução, da axiomatização de [Mary B.] Williams da teoria darwiniana e das teorias da biologia de populações de Levins, Lewontin, MacArthur, Wilson e outros? Não são teorias científicas: Não contêm leis biológicas? Filósofos como Smart encontraram razões para rejeitar cada uma dessas teorias biológicas propostas. Na medida em que essas teorias possuem a requerida coerência para ser classificadas como genuínas teorias científicas, não são verdadeiramente biológicas. Na medida em que são verdadeiramente biológicas, não são genuínas teorias científicas.

Duas questões parecem implícitas na maioria das objeções levantadas contra os exemplos mais comuns de teorias e leis biológicas. Primeiro, muitos dos exemplos de leis que encontramos na literatura biológica não são leis de processo, isto é, leis que permitem a inferência de todos os estados passados e futuros do sistema, dados os valores para as variáveis pertinentes em qualquer momento escolhido. A tendência dos sistemas biológicos é para não serem suficientemente fechados, de modo a permitirem a formulação de tais leis. Em contextos biológicos, outros tipos de generalizações tendem a ocupar o lugar das leis de processo – leis causais, leis de desenvolvimento e leis históricas. Certos autores são propensos a rejeitar logo tais generalizações. Neste capítulo, investigaremos cada uma dessas supostas espécies de lei biológica, a fim de apurar se pode ser considerada uma lei científica genuína. Mesmo admitindo que as lei do processo são, num certo sentido, o ideal que nos esforçamos por atingir, ainda parece haver ampla justificação para investigar as leis que ficam aquém desse ideal, especialmente quando se apresentam como parte integrante da ciência para o futuro previsível. Mesmo que se conclua serem as teorias e leis biológicas menos que perfeitas, algumas são menos ‘imperfeitas’ do que outras. Há boas razões para analisar e comparar essas criações ‘imperfeitas’.
[...]

Fonte: Hull, D. 1975. Filosofia da ciência biológica. RJ, Zahar.


08 novembro 2010

Natividade

Victor M. Londoño

Desceu sobre os homens a doce paz das alturas,
E num estábulo, berço de pobreza e dor,
Após toda uma noite de maternas torturas
Jesus caiu na terra, débil como uma flor.

A música das coisas alegrou as obscuras
Abóbadas do presepe e num hino de amor
Adoraram o menino as humildes criaturas:
Um burro com seu bafo, com sua flauta um pastor.

Depois os adivinhos de comarcas remotas
Ofertaram-lhe mirra, e em suas línguas ignotas
Ao pequeno chamaram Príncipe de Salém.

E enquanto no Levante, com revérberos vagos,
Suavemente brilhava a estrela dos Reis Magos,
Os cordeiros olhavam para Jerusalém.

Fonte: Bandeira, M. 2007. Estrela da vida inteira. RJ, Nova Fronteira. Poema publicado em livro em 1937.


06 novembro 2010

Crianças na praia


Joaquín Sorolla (1863-1923). Ninos a la orilla del mar. 1903.

Fonte da foto: Art Renewal Center.

04 novembro 2010

O teatro

Barbara Heliodora

Dizer o que é teatro é uma coisa meio complicada, porque duas coisas diferentes são ‘teatro’: o teatro é, de um lado, uma atividade, uma forma de arte, na qual as pessoas representam um acontecimento vivido por personagens, e, de outro, o lugar onde essa atividade acontece; tanto a arte quanto o seu local são muito antigos e, como irmãos, se desenvolvem juntos. Para que vocês possam compreender melhor o teatro que conhecemos hoje em dia, vamos contar aqui um pouco do que pode ter acontecido há muitos e muitos séculos para o teatro aparecer.

Mais ou menos uns três séculos antes de Cristo, um filósofo grego chamado Aristóteles escreveu a respeito do teatro e chamou a atenção para o fato de que ele (como as outras artes) é uma imitação. Nós apreciamos essas imitações tanto pelo modo de elas serem executadas, em aparência e acabamento, como pelo fato de as pessoas, os objetos e os acontecimentos por elas apresentados ampliarem nosso conhecimento. Isso não quer dizer que essa imitação nos ensine coisas assim como em uma aula, mas sim porque quem as criou, ou organizou, vê o objeto de sua imitação e o apresenta de um certo ponto de vista, e por isso mesmo nos leva a pensar no assunto.

Isso nos leva a ter de falar sério e dizer: ‘O teatro é uma arte’, o que nos obriga a conversar um pouco a respeito do que é ‘arte’. Há muitas definições e estudos a respeito das artes (pois elas são várias), mas aqui vamos ficar no que é mais simples e prático: ao contrário da natureza, em que tudo é como é, toda arte é artificial, isto é, toda obra de arte foi criada por um artista que queria, com essa criação, comunicar aos outros o que ele pensou ou sentiu. Para isso ele pinta um quadro, ou compõe uma música ou, como no nosso caso, escreve uma peça de teatro.
[...]

Fonte: Heliodora, B. 2008. O teatro explicado aos meus filhos. RJ, Agir.


02 novembro 2010

Cemitério pernambucano

João Cabral de Melo Neto

É cemitério marinho
mas marinho de outro mar.
Foi aberto para os mortos
que afoga o canavial.

As covas no chão parecem
as ondas de qualquer mar,
mesmo as de cana, lá fora,
lambendo os muros de cal.

Pois que os carneiros de terra
parecem ondas de mar,
não levam nomes: uma onda
onde se viu batizar?

Também marinho: porque
as caídas cruzes que há
são menos cruzes que mastros
quando a meio naufragar.

Fonte: Melo Neto, J. C. 1994. Obra completa: volume único. RJ, Nova Aguilar. Poema publicado em livro em 1956, com o subtítulo ‘(São Lourenço da Mata)’.


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