31 janeiro 2019

Onze fitas

Fátima Guedes

Por engano ou vingança ou cortesia
estava lá morto e posto um desregrado,
onze tiros fizeram a avaria
e o morto já estava conformado.

Onze tiros num morto e pra que tantos...
esses tempos não estão pra ninharia,
não fosse a vez daquele um outro ia.

Deus o livre morresse assassinado
pro seu santo não era qualquer um.
Três dias num terreno abandonado
ostentando onze fitas de Ogum.

Tantas vezes se leu nessa semana.
E essa história é contada assim por cima:
A verdade não rima.
A verdade não rima.
A verdade não rima.

Fonte: álbum Saudade do Brasil (1980), de Elis Regina. Canção originalmente gravada em 1979.

29 janeiro 2019

Meus pêsames, sr. Presidente


Genival ‘Vavá’ Inácio da Silva (1940-2019) faleceu hoje na cidade de São Paulo, onde estava hospitalizado. Era um dos irmãos do ex-presidente Lula. (O ex-presidente foi o penúltimo dos oito filhos adultos dos seus pais.)

Como é de conhecimento público, Lula está preso em Curitiba. O que nem todos devem saber, no entanto, é que a legislação brasileira prevê que, em casos assim, o preso seja autorizado a ir ao sepultamento de parentes próximos.

Mas o ex-presidente, evidentemente, não é um preso comum. É um preso político. Um troféu em torno do qual muitos(as) malandros(as) (dentro e fora do aparelho de Estado) estão a ganhar fama e dinheiro. (Pessoalmente, devo dizer que não estranho o comportamento dessa gente – sem o verniz da civilização e do pensamento abstrato, nós, seres humanos, tendemos a ser assim: maldosos e inescrupulosos com os nossos inimigos, morem eles no apartamento ao lado ou do outro lado da montanha.)

A defesa do ex-presidente já solicitou autorização para que ele possa ir ao funeral. (Enquanto escrevo, neste início de noite de terça-feira, 29, o corpo de Vavá está sendo velado.)

Meu palpite é este: o ex-presidente Lula não irá!

Mas nenhum dos(as) malandros(as) graúdos(as) envolvidos(as) no caso irá assumir a negativa – o que, afinal, contraria a legislação. Vão apenas enrolar, de modo que a autorização não seja expedida a tempo. (No fim das contas, eu não estranharia se a nota cínica dos algozes terminasse com um “Lamentamos muito, sr. Presidente”.)

É triste, mas vivemos agora na Idade da Pedra.

Lamento muito pela sua perda, sr. Presidente, e deixo aqui os meus sinceros pêsames (extensivos aos demais familiares).

28 janeiro 2019

A Vale, em 15 letras (Antes que a companhia anuncie um novo centro cultural ou o Sebastião Salgado, uma nova exposição)


A Vale
é lixo.
Fecha!

26 janeiro 2019

O alquimista


Cornelis [Pietersz] Bega [Begijn] (1631?-1664). De Alchemist. 1663.

Fonte da foto: Wikipedia.

24 janeiro 2019

As vidas de Christopher Chant

Diana Wynne Jones

Passaram-se anos até Christopher contar seus sonhos a alguém. Isso aconteceu porque ele vivia a maior parte do tempo nos aposentos infantis, no andar superior da grande mansão londrina, e as babás que tomavam conta dele mudavam a cada poucos meses.

Christopher mal via os pais. Quando era pequeno, tinha pavor de que um dia, passeando no parque, encontrasse Papai e não o reconhecesse. Na esperança de guardar na mente o rosto de Papai, ele costumava ajoelhar-se e espiar por entre as grades do corrimão, nas raras ocasiões em que Papai chegava do centro da cidade antes da hora de Christopher ir dormir. Mas o máximo que conseguia era a vista aérea de uma figura de fraque, com enormes costeletas negras bem penteadas, entregando uma cartola preta ao criado, e em seguida o vislumbre de um repartido perfeito na cabeleira negra, quando Papai avançava e rapidamente desaparecia de vista. Christopher pouco mais sabia de Papai além do fato de que ele era mais alto do que a maioria dos criados.
[...]

Fonte: Jones, D. W. 2002 [1988]. As vidas de Christopher Chant. SP, Geração Editorial.

22 janeiro 2019

Garota exemplar

Gillian Flynn

Quando penso em minha esposa, penso sempre em sua cabeça. No formato dela, em primeiro lugar. Quando nos conhecemos, foi na parte de trás da cabeça que eu reparei, e havia algo adorável nela, em seus ângulos. Como um grão de milho duro e reluzente, ou um fóssil no leito de um rio. Era o que os vitorianos chamariam de uma cabela belamente formada. Dava para imaginar o crânio com bastante facilidade.

Eu reconheceria sua cabeça em qualquer lugar.
[...]

Fonte: Flynn, G. 2013. Garota exemplar. RJ, Intrínseca.

20 janeiro 2019

Canción de la vida profunda

Porfirio Barba Jacob

El hombre es cosa vana, variable y ondeante...
Montaigne

Hay días en que somos tan móviles, tan móviles,
como las leves briznas al viento y al azar...
Tal vez bajo otro cielo la Gloria nos sonría...
La vida es clara, undívaga y abierta como un mar...

Y hay días en que somos tan fértiles, tan fértiles,
como en Abril el campo, que tiembla de pasión;
bajo el influjo próvido de espirituales lluvias,
el alma está brotando florestas de ilusión.

Y hay días en que somos tan sórdidos, tan sórdidos,
como la entraña obscura de obscuro pedernal;
la noche nos sorprende con sus profusas lámparas,
en rútilas monedas tasando el Bien y el Mal.

Y hay días en que somos tan plácidos, tan plácidos...
– ¡niñez en el crepúsculo! ¡lagunas de zafir! –
que un verso, un trino, un monte, un pájaro que cruza,
¡y hasta las propias penas! nos hacen sonreír...

Y hay días en que somos tan lúbricos, tan lúbricos,
que nos depara en vano su carne la mujer;
tras de ceñir un talle y acariciar un seno,
la redondez de un fruto nos vuelve a estremecer.

Y hay días en que somos tan lúgubres, tan lúgubres,
como en las noches lúgubres el llanto del pinar:
el alma gime entonces bajo el dolor del mundo,
y acaso ni Dios mismo nos pueda consolar.

Mas hay también ¡oh Tierra! un día... un día... un día
en que levamos anclas para jamás volver;
un día en que discurren vientos ineluctables.
¡Un día en que ya nadie nos puede retener!

Fonte (verso 4): Carpeaux, O. M. 2011. História da literatura ocidental, vol. 4. Brasília, Senado Federal. Poema publicado em livro em 1937. Porfirio Barba Jacob era pseudônimo de Miguel Ángel Osorio Benitez.

18 janeiro 2019

Justificando a indução

Max Black

Se um cão late a cada vez que passo, espero, com certa naturalidade, que volte a latir ao ver-me novamente. Este é um exemplo do raciocínio indutivo, em sua mais elementar manifestação. A partir de conhecimentos adquiridos por meio de certa amostra, constituída pelas ocasiões em que o cão já ladrou, eu chego a uma conclusão acerca de um caso não incluído na amostra – antecipando o que acontecerá em uma ocasião futura.

Fonte: Morgenbesser, S. org. 1979 [1967]. Filosofia da ciênciaSP, Cultrix.

17 janeiro 2019

O principal músculo


O principal músculo do corpo é o cérebro.
Não deixe que a flacidez da idiotice o destrua.
Exercite-o.

15 janeiro 2019

A peixeira


Adriaen van Ostade (1610-1685). De visvrouw. 1672.

Fonte da foto: Wikipedia.

13 janeiro 2019

Exilado

João Carlos Taveira

A Fábio Lucas

1.
Vim dos caminhos
de Minas
para o mundo.
Vim, do susto
e da vertigem,
desfazer abismos.

Vim, e aqui estou,
com meus arreios,
buscando halo
e cavalo
para o itinerário.

Trago, nas mãos,
calos e fuligens,
e, no peito,
um mapa
inconcluso.

2.
Deixei os vales,
as colinas
de Minas
pelo asfalto
destas ruas,
pelo acrílico
destas janelas.

Deixei-me, menino,
perdido nos rubis
dos cafezais.
Deixei-me no homem
que me divide
e me acompanha.

3.
Lembro da infância,
das cabras,
improvisadas
montarias.

Meu norte
se divisa
na tessitura
de uma nuvem.

Lembro. Lembro
das estâncias,
rútilas paragens
de bois e vento.

Na tarde sempiterna,
entre automóveis,
ainda de lembrança
me argamasso.

Fonte: Horta, A. B. 2003. Sob o signo da poesia. Brasília, Thesaurus. Poema publicado em livro em 1991.

12 janeiro 2019

Doze anos e três meses no ar

F. Ponce de León

Neste sábado, 12/1, o Poesia contra a guerra completa 12 anos e três meses no ar.

Desde o balanço anterior – ‘Doze anos e dois meses no ar’ – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Alan Thein Durning, Arnaldo Xavier, Christopher Uhl, Donald Perry, Geraldo Mayrink, Giovanni Pascoli, Marston Bates e Terezinha Alves Ferreira Collichio. Além de outros que já haviam sido publicados antes.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Bartholomäus Strobel, o Moço, Joachim Patinir e Lubin Baugin.

11 janeiro 2019

Arthropoda: Chelicerata: Arachnida: Scorpiones


As divergências a respeito da filogenia dos artrópodes estão refletidas nos diferentes sistemas de classificação que têm sido propostos para o grupo. Neste livro, adotamos um sistema que trata os artrópodes como integrantes de um único filo, dividido, por sua vez, em dois grandes grupos, a saber: Quelicerados – artrópodes portadores de quelíceras, como ocorre com os aracnídeos e grupos menos conhecidos; e Mandibulados – artrópodes portadores de mandíbulas, incluindo mandibulados aquáticos (crustáceos) e m. traqueados (insetos e miriápodes).

Todos os integrantes desses táxons partilham de várias características distintivas, como o corpo segmentado, o exoesqueleto quitinoso, a presença de apêndices segmentares pares e um coração dorsal.

No que segue, serão destacadas as principais características dos artrópodes quelicerados e, em seguida, as dos mandibulados.

Quelicerados

Os quelicerados (Chelicerata) possuem o corpo dividido em duas regiões ou tagmas, o cefalotórax (ou prossoma) e o abdome (ou opistossoma).

O aparelho bucal possui dois pares de apêndices: um primeiro par de quelíceras e um segundo par de pedipalpos. Esses artrópodes são desprovidos de antenas. O cefalotórax em geral sustenta quatro pares de pernas, enquanto o abdome abriga vários órgãos e sistemas de órgãos, como os que estão envolvidos com os processos de respiração, reprodução e produção de seda.

Umas 70 mil espécies de quelicerados viventes já foram descritas. Todas essas espécies costumam ser arranjadas em três grupos: os picnogônidos, os xifosuros e os aracnídeos. Os picnogônidos, ao que parece, derivaram cedo do ramo ancestral que em seguida deu origem às outras duas linhagens.

Os picnogônicos (também chamados de aranhas-do-mar, em razão de o aspecto geral do corpo às vezes lembrar uma aranha) estão representados na fauna atual por cerca de mil espécies. Os xifosuros ou límulos, que em épocas remotas já foram muito mais abundantes e diversificados, estão representados hoje por apenas cinco espécies. Tanto os picnogônidos como os xifosuros são quelicerados exclusivamente marinhos.

No que segue, vamos examinar mais de perto o rico e diversificado grupo dos aracnídeos.

Aracnídeos

A classe Arachnida abriga uma ampla variedade de artrópodes quelicerados, incluindo ácaros, aranhas, escorpiões, opiliões e pseudoescorpiões, além de vários outros grupos menores e menos conhecidos. A classe abriga 98% de todas as espécies de quelicerados. Em número de espécies conhecidas, é a segunda classe do reino Animalia, ficando atrás apenas dos insetos.

Os aracnídeos vivem quase que exclusivamente terrestres, sendo encontrados nos mais diferentes tipos de hábitats. Várias características desses artrópodes estão associadas à vida em terra firme, incluindo a presença de um sistema excretório com túbulos de Malpighi, órgãos internos para troca de gases por respiração aérea e fecundação interna.

De resto, trata-se de um grupo heterogêneo e bastante diversificado, tanto em termos morfológicos como nos hábitos de vida. Neste sentido, vale ressaltar que, embora reúna um número menor de espécies, a variedade morfológica observada na classe Arachnida é maior do que a existente entre os integrantes da própria classe Insecta.

O corpo dos aracnídeos é dividido em duas regiões: cefalotórax e abdome. O cefalotórax está parcial ou inteiramente coberto por um escudo em forma de carapaça e sustenta um determinado número de apêndices. O abdome, por sua vez, pode ou não estar subdividido e é desprovido de apêndices, ou estes estão modificados em fiandeiras (aranhas) ou pentes (escorpiões). As trocas gasosas ocorrem em traqueias, pulmões foliáceos ou ambos, enquanto a excreção depende de túbulos de Malpighi ou de glândulas coxais.

A reprodução ocorre com fertilização interna. A transferência de espermatozoides, no entanto, pode ser direta ou indireta. Os rituais de corte podem ser bastante elaborados. A maioria dos aracnídeos é ovípara, embora os escorpiões e alguns ácaros sejam vivíparos.

Classificação

As 70 mil espécies viventes de aracnídeos estão arranjadas em uma série de grupos taxonômicos (ordens) bastante variados, alguns ainda pouco conhecidos. No que segue, destacam-se alguns desses grupos, a saber:

Escorpiões (ordem Scorpiones). São conhecidas aproximadamente 1,2 mil espécies em todo o mundo. O grupo, que já foi mais numeroso, é antigo, com registros fósseis que retrocedem até o Siluriano, há uns 420 milhões de anos. Os escorpiões do Siluriano eram espécies aquáticas, desprovidas de garras tarsais e com um porte de corpo bem maior do que o das espécies atuais. Todos os escorpiões viventes são predadores de hábitos carnívoros.

O corpo dos escorpiões se divide em cefalotórax e abdome. O cefalotórax está coberto dorsalmente por uma carapaça. No centro dessa carapaça há um par de olhos medianos, além de dois a cinco pares de olhos laterais, dependendo da espécie, ao longo da margem anterior. As quelíceras são pequenas e projetam-se para frente. Um caráter distintivo é a presença de pedipalpos hipertrofiados, formando um par de grandes pinças, com as quais o escorpião captura e manipula suas presas. Atrás do par de pedipalpos, há quatro pares de pernas locomotoras. O cefalotórax termina e o abdome começa sem que haja um estreitamento (pedicelo), pois ambos se prendem amplamente. O abdome consta de um pré-abdome, com sete segmentos largos, e de um pós-abdome (ou ‘cauda’), com cinco segmentos estreitos. O ânus e o aparelho de ferrão, o télson, tão característico desses animais, estão no último segmento do pós-abdome. O ferrão consiste de uma base e de um aguilhão afiado. A peçonha com a qual os escorpiões paralisam suas presas é produzida por um par de glândulas situadas na base do télson.

As trocas gasosas são feitas por quatro pares de pulmões foliáceos, que se abrem na face ventral do pré-abdome. A excreção é feita por dois pares de túbulos de Malpighi e um par de nefrídios (as chamadas glândulas coxais) que se abrem nas coxas do terceiro par de pernas locomotoras.

De todas as 1 200 espécies conhecidas de escorpiões, umas poucas dezenas (todas da mesma família) produzem uma peçonha cuja ação é potencialmente perigosa para seres humanos. No Brasil, ocorrem acidentes com certa gravidade, principalmente entre crianças e idosos, envolvendo duas espécies do gênero TityusT. serrulatus (escorpião-amarelo) e T. bahiensis (escorpião-preto). A ação neurotóxica da peçonha pode resultar em convulsões, dificuldades respiratórias e arritmia cardíaca. A aplicação de soro em pessoas que foram picadas neutraliza a ação da peçonha; por isso, em caso de acidente, deve-se procurar rapidamente um posto de saúde que tenha soro e profissionais capacitados.

Fonte: Costa, F. A. P. L. 2010. Projeto Eco: Biologia, vol. 2. Curitiba, Positivo,

09 janeiro 2019

O banquete de Herodes e a decapitação de João Batista


Bartholomäus Strobel, o Moço (1591-1650?). Uczta u Heroda i ścięcie Jana Chrzciciela. 1630-3.

Fonte da foto: Wikipedia.

07 janeiro 2019

Pobres e leprosos


Jair Messias Bolsonaro (nascido em 1955) talvez seja hoje o maior e mais importante intelectual cristão vivo em todo o mundo.

Em entrevista a uma rádio italiana, no fim de semana, o diretor da biblioteca do Vaticano anunciou que uma ala inteira da instituição será reservada para a obra de e sobre Bolsonaro.

Alguns estudiosos já o comparam à São Tomás de Aquino (1225-1274), sobretudo depois que ele publicou uma monografia, Summa Theologiae: Corrigenda, em 2018.

Talvez seja um pouco cedo para falar em termos tão superlativos, mas o fato é que o seu nome é dado como certo entre os candidatos ao Nobel 2019, ainda que o grau de alvoroço e a troca de farpas entre dois comitês (Paz e Literatura) tornem arriscado hoje qualquer prognóstico a respeito da categoria que terá o privilégio de agraciá-lo.

Não bastassem os avanços epistemológicos trazidos pela obra bolsonariana, muitos observadores internacionais estão impressionados com os exemplos de vida dados por ele, diariamente. O grau de abnegação, por exemplo, não tem precedente na história republicana brasileira.

Além de abrir mão dos bens materiais, eis que o novo presidente ofereceu em sacrifício, não apenas um varão, como fez Abraão, mas todos os varões que gerou. Os seus abençoados filhos estão agora a andar pelos rincões mais distantes e pobres do país, cada um deles empenhado em saciar a fome e a sede dos desvalidos.

Pobres e leprosos já não têm mais do que se envergonhar.

05 janeiro 2019

Restauração de terras degradadas

Christopher Uhl

A devastação e a degradação do ecossistema amazônico têm importantes implicações globais. Grupos conservacionistas, em contrapartida, já se manifestam através de um esforço para estabelecer parques nacionais e reservas biológicas na Amazônia. Enquanto isso, cientistas tentam documentar tipos e frequência de perturbações na região, tanto os naturais quanto os induzidos pelo homem, e a capacidade de recuperação de seus ecossistemas. No centro dessa pesquisa ecológica jaz a questão: até que ponto as florestas amazônicas podem resistir ao uso indevido e ainda se recuperarem? Conforme o que é aqui discutido, comunidades na floresta amazônica transformam-se naturalmente após distúrbios naturais; porém, a regeneração florestal é lenta e incerta depois de certas perturbações de larga escala e maior intensidade induzidas pelo homem, que estão se tornando muito comuns. Em tais casos, os seres humanos podem ter [de] virar a casaca, tornando-se restauradores em vez de exploradores.

Fonte: Uhl, C. 1997 [1988]. In: Wilson, E. O., ed. Biodiversidade. RJ, Nova Fronteira.

03 janeiro 2019

Pobre velha música


O poeta falava e as pessoas o ouviam atentamente
O poeta falava e as pessoas costumavam ouvi-lo atentamente
O poeta falava e as pessoas costumavam ouvi-lo com alguma atenção
O poeta falava e as pessoas às vezes o ouviam com alguma atenção
O poeta falava e algumas pessoas o ouviam com alguma atenção
O poeta falava mas raras pessoas o ouviam com alguma atenção
O poeta falava e as pessoas o ouviam sem atenção
O poeta falava e as pessoas já não o ouviam
O poeta falava e as pessoas já o olhavam sem ouvir
O poeta mal fala e as pessoas já abrem a boca em fastio
A ATITUDE DIANTE DO POETA É O BOCEJO

Fonte: Pinto, J. N. 2004. Os cem melhores poetas brasileiros do século, 2ª ed. SP, Geração Editorial. O poema acima – publicado em livro em 1976 – corresponde à derradeira parte de uma obra em 11 partes, ‘Discurso da difamação do poeta’.

01 janeiro 2019

Uma praga tomou conta do planeta

Alan Thein Durning

Imaginemos um filme feito a partir do espaço mostrando a duração do tempo na Terra. Voltemos o filme para rever os últimos 10 mil anos, acelerando de modo que cada milênio se passe em um minuto. Por mais de sete minutos, a tela mostra o que parece ser uma imagem fixa: o planeta azul, suas terras envoltas num manto de árvores. [...] A Revolução Agrícola, que transforma a existência humana no primeiro minuto do filme, é invisível.

Após sete minutos e meio, as terras ao redor de Atenas e as ilhotas do mar Egeu perdem as suas florestas. Estamos no florescimento da Grécia clássica. Fora isso, poucas alterações. Aos nove minutos – mil anos atrás –, o manto cresce ralo em pontos esparsos da Europa, América Central, China e Índia. [...]

Nos últimos três segundos – ou seja, após 1950 –, a mudança se acelera de modo explosivo. Vastas porções de floresta se esvaem no Japão, nas Filipinas e no trecho continental do sudeste asiático, na maior parte da América Central e do chamado chifre da África, na América do Norte ocidental e América do Sul oriental, no subcontinente indiano e África subsaariana. Incêndios campeiam pela bacia amazônica onde isso nunca havia acontecido antes. [...] Florestas desaparecem tão de repente em tantos lugares que se tem a impressão de que uma praga de gafanhotos tomou conta do planeta.

Fonte: Durning, A. T. 1994. In: Brown, L. R., org. Qualidade de vida – 1994. SP, Globo.

eXTReMe Tracker