30 janeiro 2022

O ar no interior das naves espaciais

Frances Ashcroft

A respiração aumenta a concentração de dióxido de carbono no ar, o que pode ocasionar dores de cabeça, sonolência e finalmente sufocação [...]. Ele deve portanto ser removido. Em naves espaciais, isso é realizado por meio de reação química com hidróxido de lítio (que é convertido em carbonato de lítio no processo). Os filtros de hidróxido de lítio e os perigos da acumulação de dióxido de carbono tornaram-se foco da atenção pública em abril de 1970, quando dois dias e meio após o inicio da missão Apollo 13, ocorreu um desastre. Um curto-circuito elétrico causou a explosão de uma das três células de combustível que energizavam o modulo de comando. Por sua vez, a força da explosão cortou o suprimento das duas outras células de combustível, privando a espaçonave de toda energia. A nave para o pouso lunar, Aquarius, tornou-se a tabua de salvação dos astronautas, fornecendo oxigênio, água e energia elétrica. Infelizmente, ela só estava equipada com filtros de hidróxido de lítio suficientes para dois homens durante dois dias, quando iriam ser necessários mais de três dias para retomar à Terra e a tripulação era de três homens. Rapidamente, noticiários pelo mundo todo puseram as pessoas a par dos perigos do dióxido de carbono excessivo. [...] Trabalhando contra o relógio, uma equipe de engenheiros na Terra concebeu uma maneira de se improvisar um purificador de ar provisório usando os filtros com a forma errada e uma mistura eclética de papelão, sacos de plástico, fita adesiva e meias velhas. [...] Felizmente funcionou.

A respiração gera também vapor d’água, como é evidente para quem quer que tenha se sentado num carro com as janelas fechadas num tempo frio; as janelas se embaçam pelo lado de dentro, em grande parte por causa da água expirada pelos nossos pulmões. A quantidade de vapor d’água no ar numa nave espacial deve ser cuidadosamente controlada, pois se for excessiva provoca condensação e se for deficiente causa o ressecamento dos olhos e das mucosas da garganta. Para se conseguir uma atmosfera satisfatória, o ar na nave espacial é constantemente reciclado, dióxido de carbono e partículas de poeira são eliminados por filtração, e umidade e oxigênio são ajustados segundo a necessidade.

Fonte: Ashcroft, F. 2001. A vida no limite. RJ, Jorge Zahar.

28 janeiro 2022

Pomar florido e crianças


Jeanne (Jenny) Montigny (1875-1937). Verger en fleur et écoliers. s/d.

Fonte da foto: Wikipedia.

26 janeiro 2022

À beira do abismo: Como e por que o total de casos pode dobrar em apenas três semanas

Felipe A. P. L. Costa [*].

RESUMO. – Este artigo atualiza os valores das taxas de crescimento (casos e mortes) publicados em artigo anterior (aqui). Entre 17 e 23/1, essas taxas ficaram em 0,6359% (casos) e 0,0471% (mortes). O número de novos casos segue a explodir mundo afora. (Graças à vacinação [1], o número de mortes cresce bem mais lentamente.) Em escala planetária, já são mais de 350 milhões de casos (para detalhes e referências, ver aqui). No caso específico do Brasil, a taxa de crescimento no número de casos aumentou 38 vezes ao longo de cinco semanas, saltando de 0,0165% (20-26/12) para 0,6359% (17-23/1). Neste ritmo, em apenas três semanas, o número de casos irá saltar de 24.044.255 (23/1) para algo em torno de 43 milhões de casos (13/2).

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1. O RITMO DA PANDEMIA NO PAÍS.

Ontem (23/1), de acordo com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde, foram registrados em todo o país mais 135.080 casos e 296 mortes. Teríamos chegado assim a um total de 24.044.255 casos e 623.097 mortes.

Na semana encerrada no domingo (17-23/1), foram registrados 1.043.598 novos casos – mais que o dobro do que foi anotado na semana anterior (10-16/12: 476.750) e o maior total semanal desde o início da pandemia.

Entre 17 e 23/1, infelizmente, foram registradas 2.052 mortes – quase o dobro do que foi registrado na semana anterior e o maior total desde a última semana de outubro (25-31/10: 2.180).

2. TAXAS DE CRESCIMENTO.

Os percentuais e os números absolutos referidos acima ajudam a descrever a situação. Todavia, para monitorar o ritmo e o rumo da pandemia [2], sigo a usar as taxas de crescimento no número de casos e de mortes. Ambas subiram em relação aos valores da semana anterior, com destaque para a taxa de crescimento no número de casos (ver a figura que acompanha este artigo).

Vejamos os resultados mais recentes.

A taxa de crescimento no número de casos saltou de 0,2997% (10-16/1) para 0,6359% (17-23/1) – o maior valor desde janeiro do ano passado (11-17/1/21: 0,66%) [3, 4].

A taxa de crescimento no número de mortes, por sua vez, subiu de 0,0245% (10-16/1) para 0,0471% (17-23/1) – o maior valor desde a última semana de outubro (25-31/10: 0,0513%).

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FIGURA. Comportamento das médias semanais das taxas de crescimento no número de casos (pontos em azul escuro) e no número de óbitos (pontos em vermelho escuro) em todo o país (valores expressos em porcentagem), entre 6/6/2021 e 23/1/2022. (Para resultados anteriores, ver aqui.) Alguns pares de pontos são coincidentes ou quase isso. As elipses e as setas associadas chamam a atenção para as escaladas detectadas nas últimas semanas. Note como é acentuada (> 45°) a declividade da seta azul, indicando como a taxa de crescimento no número de casos cresceu de modo acelerado entre 2/1 e 23/1.

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3. ESTATÍSTICAS PRECÁRIAS.

Sítios e aplicativos do Ministério da Saúde saíram do ar na primeira quinzena de dezembro. (Ao que parece, o sítio acaba de ser descongelado.) Razão pela qual o monitoramento da pandemia ficou ainda mais comprometido.

O apagão não podia se dar em pior hora. Afinal, o número de novos casos está a explodir em todo o mundo.

No caso do Brasil, especificamente, as estatísticas disponíveis mostram que a taxa de crescimento no número de casos aumentou 38 vezes ao longo das últimas cinco semanas. Eis o houve: de 0,0165% (20-26/12), a taxa saltou para 0,0345% (27/12-2/1); daí quadruplicou para 0,1472% (3-9/1); duplicou de novo, chegando a 0,2997% (10-16/1); e, por fim, duplicou mais uma vez, chegando a 0,6359% (17-23/1).

4. UM PAÍS A CAMINHO DO ABISMO.

Em artigo anterior, escrevi o seguinte:

“No cenário pessimista, as taxas seguirão aumentando. Neste contexto, uma simulação razoável seria a seguinte. A taxa de novos casos duplicaria mais duas vezes, saltando de 0,2997% (10-16/1) para 0,6002% (17-23/1) e daí para 1,2041% (24-30/1).”

Os resultados apresentados neste artigo mostram que a taxa de crescimento da semana passada mais do que dobrou em relação ao valor da semana anterior: de 0,2997% (10-16/1), o valor saltou para 0,6359% (17-23/1) (ver a figura que acompanha este artigo).

Se as simulações numéricas que apresentei antes (ver aqui) continuarem a refletir a dinâmica da pandemia tão de perto, os valores a serem observados nas próximas semanas não ficarão muito longe das seguintes estimativas: 1,2041% (24-30/1), 2,4227% (31/1-6/2) e 4,904% (7-13/2).

Por sua vez, estes percentuais de crescimento implicariam nos seguintes totais de casos: 26.145.526 (em 30/1), 30.915.019 (6/2) e 43.222.887 (13/2).

Seria um pesadelo. E uma clara demonstração de fraqueza e fracasso. Vejamos.

Após dois anos de pandemia, o país chegou a 24.044.255 casos (23/1). Um número por si só gigantesco e vergonhoso, pois sabidamente evitável. Agora, porém, em apenas três semanas, corremos o risco de multiplicar esse número por dois.

5. CODA.

A situação está ruim. Mas vai piorar. E temo que piore muito.

Afinal, se a proliferação do vírus entre nós continuar não só a ser tolerada, mas também a ser incentivada (leia-se: na hipótese de que a anarquia econômica e a inércia política continuem a imperar no país), a própria taxa de crescimento seguirá crescendo.

Mas é bom não esquecer o seguinte: a expansão desenfreada que estamos a presenciar não é culpa apenas e tão somente do Palácio do Planalto. Ou dos médicos e dos militares que estão empoleirados no Ministério da Saúde.

Muitos governadores e prefeitos estão de braços cruzados, torcendo para que ômicrom seja uma variante mais branda e cujo sucesso proliferativo estaria a anunciar a ‘luz no fim do túnel’. (O que, de fato, ainda não é o caso.)

O país não tem pessoal nem infraestrutura suficientes para lidar com a explosão numérica referida neste artigo – mais 20 milhões de casos em três semanas. O que nos colocaria à beira do abismo. Seria um pesadelo.

É assustador. Mas é também revoltante, visto que boa parte do que estamos a viver poderia ter sido evitada.

O que fazer? Em poucas palavras, eu diria que nós estamos na última encruzilhada antes do abismo: Ou as forças políticas e econômicas do país abrem os olhos, descruzam os braços e enfrentam para valer a pandemia, ou a pandemia irá passar por cima de todos nós – quebrando ainda mais empresas, destruindo ainda mais famílias e matando ainda mais brasileiros.

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NOTAS.

[*] Há uma campanha de comercialização em curso envolvendo os livros do autor – ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para mais informações ou para adquirir (por via postal) os quatro volumes (ou algum volume específico), faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.

[1] O ritmo da campanha de vacinação caiu muitíssimo. Levamos 34 dias (24/8-27/9) para ir de 60% a 70% da população com ao menos uma dose da vacina. (E hoje, 24/1, seguimos empacados em torno dos 79%!) Antes disso, porém, levamos 25 dias (9/7-3/8) para ir de 40% a 50% e apenas 21 dias (3-24/8) para ir de 50% a 60%. Sobre os percentuais, ver ‘Coronavirus (COVID-19) Vaccinations’ (Our World in Data, Oxford, Inglaterra).

Como escrevi em ocasiões anteriores, uma saída rápida para a crise (minimizando o número de novos casos e, sobretudo, o de mortes) dependeria de dois fatores: (i) a adoção de medidas efetivas de proteção e confinamento; e (ii) uma massiva e acelerada campanha de vacinação.

[2] Ouso dizer que a pandemia chegará ao fim sem que a imprensa brasileira se dê conta de que está a monitorar a pandemia de um jeito, digamos, desfocado – além de burocrático e superficial. Para capturar e antever a dinâmica de processos populacionais, como é o caso da disseminação de uma doença contagiosa, devemos recorrer a um parâmetro que tenha algum poder preditivo. Não é o caso da média móvel. Mas é o caso da taxa de crescimento – seja do número de casos, seja do número de mortes. Para detalhes e discussões a respeito do comportamento da pandemia desde março de 2020, tanto em escala mundial como nacional, ver qualquer um dos três primeiros volumes da coletânea A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado, vols. 1-5 (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui).

[3] Entre 19/10/2020 e 23/1/2022, as médias semanais exibiram os seguintes valores: (1) casos: 0,43% (19-25/10), 0,40% (26/10-1/11), 0,30% (2-8/11), 0,49% (9-15/11), 0,50% (16-22/11), 0,56% (23-29/11), 0,64% (30-6/12), 0,63% (7-13/12), 0,68% (14-20/12), 0,48% (21-27/12), 0,47% (28/12-3/1), 0,67% (4-10/1), 0,66% (11-17/1), 0,59% (18-24/1), 0,57% (25-31/1), 0,49%(1-7/2), 0,46% (8-14/2), 0,48% (15-21/2), 0,53% (22-28/2), 0,62% (1-7/3), 0,59% (8-14/3), 0,63% (15-21/3), 0,63% (22-28/3), 0,50% (29/3-4/4), 0,54% (5-11/4), 0,48% (12-18/4), 0,4026% (19-25/4), 0,4075% (26/4-2/5), 0,4111% (3-9/5), 0,4114% (10-16/5), 0,4115% (17-23/5), 0,38% (24-30/5), 0,37% (31/5-6/6), 0,39% (7-13/6), 0,4174% (14-20/6), 0,39% (21-27/6), 0,27% (28/6-4/7), 0,2419% (5-11/7), 0,21% (12-18/7), 0,23% (19-25/7), 0,1802% (26/7-1/8), 0,1621% (2-8/8), 0,14% (9-15/8), 0,1444% (16-22/8), 0,1183% (23-29/8), 0,1023% (30/8-5/9), 0,0744% (6-12/9), 0,1625% (13-19/9), 0,0753% (20-26/9), 0,0775% (27/9-3/10), 0,0715% (4-10/10), 0,0454% (11-17/10), 0,0562% (18-24/10), 0,0532% (25-31/10), 0,0455% (1-7/11), 0,0505% (8-14/11), 0,0385% (15-21/11), 0,0412% (22-28/11), 0,0402% (29/11-5/12), 0,0302% (6-12/12), 0,0154% (13-19/12), 0,0165% (20-26/12), 0,0345% (27/12-2/1), 0,1472% (3-9/1), 0,2997% (10-16/1) e 0,6359% (17-23/1); e (2) mortes: 0,3% (19-25/10), 0,26% (26/10-1/11), 0,21% (2-8/11), 0,3% (9-15/11), 0,29% (16-22/11), 0,3% (23-29/11), 0,34% (30-6/12), 0,36% (7-13/12), 0,42% (14-20/12), 0,33% (21-27/12), 0,36% (28/12-3/1), 0,51% (4-10/1), 0,47% (11-17/1), 0,48% (18-24/1), 0,48% (25-31/1), 0,44%(1-7/2), 0,47% (8-14/2), 0,43% (15-21/2), 0,48% (22-28/2), 0,58% (1-7/3), 0,68% (8-14/3), 0,79% (15-21/3), 0,86% (22-28/3), 0,86% (29/3-4/4), 0,91% (5-11/4), 0,80% (12-18/4), 0,66% (19-25/4), 0,60% (26/4-2/5), 0,51% (3-9/5), 0,45% (10-16/5), 0,43% (17-23/5), 0,40% (24-30/5), 0,35% (31/5-6/6), 0,4171% (7-13/6), 0,4175% (14-20/6), 0,33% (21-27/6), 0,30% (28/6-4/7), 0,23% (5-11/7), 0,23% (12-18/7), 0,20% (19-25/7), 0,1785% (26/7-1/8), 0,1613% (2-8/8), 0,1492% (9-15/8), 0,1367% (16-22/8), 0,1185% (23-29/8), 0,1062% (30/8-5/9), 0,07870% (6-12/9), 0,0947% (13-19/9), 0,0890% (20-26/9), 0,0840% (27/9-3/10), 0,0730% (4-10/10), 0,0539% (11-17/10), 0,0558% (18-24/10), 0,0513% (25-31/10), 0,0381% (1-7/11), 0,0430% (8-14/11), 0,0321% (15-21/11), 0,0377% (22-28/11), 0,0316% (29/11-5/12), 0,0277% (6-12/12), 0,0225% (13-19/12), 0,0156% (20-26/12), 0,0151% (27/12-2/1), 0,0196% (3-9/1), 0,0245% (10-16/1) e 0,0471% (17-23/1).

Não custa lembrar: Os valores acima são as médias semanais de uma taxa que, por razões metodológicas, oscila ao longo da semana. Para fins de monitoramento, é importante ficar de olho nas taxas de crescimento (casos e mortes), não em valores absolutos. Considere uma taxa de crescimento de 0,5%. Se o total de casos no dia 1 está em 100.000, no dia 2 estará em 100.500 (= 100.000 x 1,005) e no dia 8 (sete dias depois), em 103.553 (= 100.000 x 1,0057; um acréscimo de 3.553 casos em relação ao dia 1); se o total no dia 1 está em 4.000.000, no dia 2 estará em 4.020.000 e no dia 8, em 4.142.118 (acréscimo de 142.118); se o no dia 1 o total está em 10.000.000, no dia 2 estará em 10.050.000 e no dia 8, em 10.355.294 (acréscimo de 355.294). Como se vê, embora os valores absolutos dos acréscimos referidos acima sejam muito desiguais (3.553, 142.118 e 355.294), todos equivalem ao mesmo percentual de aumento (~3,55%) em relação aos respectivos valores iniciais.

[4] Sobre o cálculo das taxas de crescimento, ver referências citadas na nota 2.

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24 janeiro 2022

The spacious firmament on high

Joseph Addison

The spacious firmament on high,
With all the blue ethereal sky,
And spangled heavens, a shining frame,
Their great Original proclaim.
Th’unwearied Sun from day to day
Does his Creator’s power display;
And publishes to every land
The work of an Almighty hand.

Soon as the evening shades prevail,
The Moon takes up the wondrous tale;
And nightly to the listening Earth
Repeats the story of her birth:
Whilst all the stars that round her burn,
And all the planets in their turn,
Confirm the tidings as they roll,
And spread the truth from pole to pole.

What though in solemn silence all
Move round the dark terrestrial ball;
What though no real voice nor sound
Amidst their radiant orbs be found?
In Reason’s ear they all rejoice,
And utter forth a glorious voice;
For ever singing as they shine,
“The Hand that made us is divine.”

Fonte (v. 9-12, em port.): Leigh, J. & Savold, D., orgs. 1991 [1988]. O dia em que o raio correu atrás da dona-de-casa... e outros mistérios da ciência. SP, Nobel. Poema originalmente publicado em 1712.

22 janeiro 2022

Os bulbos do lírio

Lewis Hill

Os bulbos do lírio são escamosos e parecem uma alcachofra. Aproximadamente uma vez por ano, o bulbo grande divide-se em outros dois ou mais, e os de algumas variedades desenvolvem novos bulbos que crescem dentro dos antigos, rompendo-os. Esses bulbos podem ser facilmente separados tanto na primavera quanto no outono e cada um cresce rapidamente transformando-se em uma grande planta que normalmente floresce no ano seguinte. Esta é uma maneira excelente de reproduzir lírios, se você precisar apenas de uma pequena quantidade. [...]

As escamas que formam o bulbo podem ser utilizadas para aumentar seu suprimento de lírios. [...]

A retirada das escamas pode ser feita tanto na primavera quanto no outono. Retire diversas escamas externas do bulbo principal, e plante-as com as pontas voltadas para cima a pouco mais de 1 cm de profundidade em uma bandeja ou em um canteiro bem preparado ao ar livre. Depois de algum tempo, começa a surgir uma planta parecida com uma grama e um pequeno bulbo forma-se na escama. A escama vai desaparecendo gradativamente, e um ano depois, mais ou menos, o novo bulbo poderá ser transplantado.

Fonte: Hill, L. 1996. Segredos da propagação de plantas. SP, Nobel.

20 janeiro 2022

Contra a realização do Carnaval 2022

Felipe A. P. L. Costa [*].

Como todos nós sabemos, há uma pandemia da doença do coronavírus 2019 (Covid-19) em curso no país. O que talvez nem todos saibam é que (ainda) não estamos a descer a ladeira da pandemia. Ao contrário, as estatísticas (e as métricas) indicam que estamos a subir mais uma ladeira. E a subir de maneira vertiginosa.

Basta ver o seguinte: as estatísticas disponíveis mostram que a taxa de crescimento no número de casos aumentou 18 vezes ao longo das últimas quatro semanas. (Para detalhes, ver o artigo Covid-19 – Correndo para continuar parado: Culpa do vírus ou dos adoradores do bezerro de ouro?.)

Eis os percentuais: de 0,0165% (20-26/12), a taxa saltou para 0,0345% (27/12-2/1), daí quadruplicou para 0,1472% (3-9/1) e, por fim, duplicou de novo, chegando a 0,2997% (10-16/1).

Se continuar duplicando, teremos 0,6002% (17-23/1), 1,2041% (24-30/1) e assim por dia. Nesse ritmo, daqui a três semanas serão 31 milhões de infectados (31/1-6/2); em seguida, 44 milhões (7-13/2), 85 milhões (14-20/2) e, por fim, na última semana de fevereiro, 326 milhões (21-27/2)!

Em outras palavras, toda a população brasileira estaria infectada até a última semana de fevereiro. (Lembrando que a população do país gira hoje em torno de 214 milhões – para detalhes, ver aqui.)

CAPRICHOS DA CLASSE DOMINANTE.

Dito isto, gostaria de chamar a atenção para um risco desnecessário que ainda não foi de todo removido do caminho: o Carnaval 2022. Ou, mais especificamente, a realização de bailes e desfiles de escolas de samba.

Não bastasse a demonstração de desprezo pelos mortos e pela população em geral, a realização de tais eventos nas atuais circunstâncias: (1) é meramente um capricho (além de uma demonstração de força) de alguns segmentos da classe dominante; e (2) será mais uma barbeiragem sanitária a impulsionar a propagação do vírus entre nós.

O Carnaval 2022 deveria ser suspenso. Em todas as suas manifestações – i.e., tanto as aglomerações de massa ao ar livre como também as aglomerações em espaços internos ditos ‘controlados’. Neste sentido, repito o que escrevi em artigo anterior (aqui):

“Muitos prefeitos fizeram a coisa certa e cancelaram antecipadamente tanto os eventos de fim de ano como o Carnaval. Mas nem todos. Os casos das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo talvez sejam os mais emblemáticos e os mais vergonhosos de todos. Pois os prefeitos daquelas cidades ainda não foram capazes de reunir forças o suficiente para enfrentar a turma (e.g., mídia e patrocinadores) que pressiona pela realização de ‘eventos controlados’, como o tal desfile das escolas de samba.”

CODA.

Não acredito que a taxa de crescimento siga a duplicar por mais seis semanas, como na simulação referida acima. Todavia, também não acredito que começaremos a descer a ladeira – e a esvaziar os hospitais – antes do Carnaval 2022 (originalmente previsto para 25/2-1/3).

Motivos pelos quais eu defendo que as autoridades sanitárias que pensam e agem não só com os bolsos, mas também com o cérebro, devem se manifestar clara e firmemente contra a realização do Carnaval 2022, em todas as suas manifestações, incluindo bailes e desfiles de escolas de samba.

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NOTA.

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17 janeiro 2022

Crianças conduzindo o gado


Émile Claus (1849-1924). Vaches traversant la Lys [Passage des vaches]. 1899.

Fonte da foto: Wikipedia.

15 janeiro 2022

Poema perto do fim

Thiago de Mello

A morte é indolor.
O que dói nela é o nada
que a vida faz do amor.
Sopro a flauta encantada
e não dá nenhum som.
Levo uma pena leve
de não ter sido bom.
E no coração, neve.

Fonte: Nejar, C. 2011. História da literatura brasileira. SP, Leya. Poema publicado em livro em 1965.

13 janeiro 2022

Aspectos incomuns da sexualidade humana

Jared Diamond

Entre os aspectos incomuns da sexualidade humana [...] estão a menopausa feminina, o papel dos homens nas sociedades humanas, a privacidade nas relações sexuais, o sexo quase sempre voltado para a diversão em vez de procriação e o aumento do volume dos seios femininos antes mesmo de seu uso para a lactação. [...]

Se o seu cachorro tivesse o seu cérebro e pudesse falar, e se você lhe perguntasse o que ele pensa da sua vida sexual, talvez se surpreendesse com a resposta. Seria mais ou menos assim:

Esses seres humanos nojentos fazem sexo qualquer dia do mês! Bárbara propõe fazer sexo mesmo quando sabe que não está fértil – como nos dias logo em seguida à menstruação. João está sempre querendo fazer sexo, sem se preocupar se seus esforços resultarão num bebê ou não. Mas, se você quer saber o que é realmente indecente – Bárbara e João continuaram fazendo sexo mesmo enquanto ela estava grávida! E sempre que os pais de João vêm passar uns dias aqui eu ouço os dois fazendo sexo, embora a mãe de João já tenha entrado há alguns anos nesse negócio que chamam de menopausa. Ela não pode mais ter filhos, mas continua querendo sexo, e o pai de João concorda com ela. Que desperdício! E o mais esquisito de tudo é que Bárbara e João, e os pais dele, fecham as portas dos quartos e fazem sexo às escondidas, em vez de fazer isso diante dos amigos, como qualquer cachorro decente!

Para compreender o seu cachorro, você precisa se libertar de sua perspectiva, baseada nos seres humanos, do que seja um comportamento sexual normal. [...]

Todas essas características da sexualidade humana – parceria sexual duradoura, criação conjunta dos filhos, proximidade da parceria sexual dos outros, sexo privado, ovulação oculta, receptividade feminina prolongada, sexo por divertimento e menopausa feminina – constituem o que nós, seres humanos, admitimos como sexualidade normal. Pode ser encantador, divertido ou desagradável ler sobre os hábitos sexuais de leões-marinhos, ratos marsupiais ou orangotangos, cujas vidas são tão diferentes das nossas. Suas vidas nos parecem bizarras. Mas isso é uma interpretação “especieísta”. Segundo os padrões das outras espécies de mamíferos no mundo, e até pelos padrões dos nossos parentes mais próximos, os grandes macacos (chimpanzés, bonobos, gorilas e orangotangos), nós é que somos estranhos.

Fonte: Diamond, Jared. 1999. Por que o sexo é divertido? RJ: Rocco.

12 janeiro 2022

15 anos e três meses no ar

F. Ponce de León

Nesta quarta-feira, 12/1, o Poesia contra a guerra completa 15 anos e três meses no ar.

Desde o balanço anterior – ‘15 anos e dois meses no ar’ – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Álvaro Vieira Pinto, Ghillean Tolmie Prance, Isaac Deutscher, James Mourilyan Tanner, Joseph Banks Rhine, Marlene Freitas da Silva, Murilo Araújo, Pierre Thuillier e Yna Beta. Além de outros nomes que já haviam sido publicados antes.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Cosimo Tura e Évariste Carpentier.

11 janeiro 2022

O nitrogênio sintético

Michael Pollan

Tudo mudou com a descoberta do nitrogênio sintético – não apenas para o pé de milho e a fazenda, não apenas para o sistema de produção de alimentos, mas também para a maneira como a vida se desenvolve na Terra. Toda vida depende de nitrogênio; é ele o elemento essencial a partir do qual a natureza monta aminoácidos, proteínas e ácido nucleico; a informação genética que organiza e perpetua a vida está inscrita no nitrogênio. [...] Mas o estoque de nitrogênio da Terra em condições de ser usado é limitado. Apesar de a atmosfera da Terra ser composta de nitrogênio em quase 80%, todos esses átomos são estreitamente emparelhados, não reativos e, portanto, inúteis. [...] Para ser de alguma utilidade para plantas e animais, esses átomos de nitrogênio voltados para si mesmos precisam ser cindidos e em seguida unidos a átomos de hidrogênio. [...] Até que [...] Fritz Haber descobrisse como realizar esse truque em 1909, todo o nitrogênio utilizável na Terra tinha sido em algum momento fixado por bactérias existentes no solo [...] ou, mais raramente, pelo choque elétrico de um relâmpago [...].

Menos de um século se passou desde o advento da invenção de Fritz Harber, e mesmo assim ela já mudou a ecologia da Terra. Mais da metade do suprimento mundial de nitrogênio utilizável é atualmente produzido pelo homem. [...] “Perturbamos o ciclo global do nitrogênio”, escreveu Vaclav Smil, “mais do que qualquer outro, mesmo o do carbono”. As consequências podem ser mais difíceis de prever do que os efeitos do aquecimento global provocado pela nossa interferência no ciclo do carbono, mas podem ser não menos graves. O dilúvio de nitrogênio sintético fertilizou não apenas os campos de cultivo, mas também as florestas e os oceanos, beneficiando algumas espécies (o milho e as algas estão entre os dois maiores beneficiários) e em detrimento de várias outras. [...] Ao fertilizar o mundo, alteramos a composição das espécies do planeta e fazemos encolher sua biodiversidade.

Fonte: Pollan, M. 2007. O dilema do onívoro. RJ, Intrínseca.

08 janeiro 2022

Entre o apego e a reação contra o estalinismo

Isaac Deutscher

Entretanto, Kruschev, o epígono do estalinismo, foi quase totalmente obscurecido pela imagem popular do campeão e herói da desestalinização. E nisso reside o paradoxo de sua carreira: apesar de seu empenho no estalinismo e a grande participação que teve em seus equívocos, Kruschev teve que assumir uma participação ainda maior em sua destruição. Viu-se dividido entre o seu apego e a sua reação contra o estalinismo, o que em termos pessoais correspondia à sua adoração por Stalin e à sua memória viva da insuportável humilhação sofrida nas mãos deste. E nisso era o representante de toda uma geração de líderes do partido, cujas costas serviram de degraus à ascensão de Stalin e que, este no poder, teve de suportar os chutes e os caprichos do mestre. Desamparados enquanto Stalin era vivo, vingaram-se no fantasma. Conseguiram, entretanto, condições de satisfazer sua ânsia emocional de vingança somente porque interesses políticos mais amplos – as necessidades da nação – requeriam a desestalinização.

Fonte: Deutscher, I. 1969 [1964-66]. A falência do krushevismo. In: Miliband, R. & Saville, J., orgs. Problemas e perspectivas do socialismo. RJ, Zahar. Trecho de artigo originalmente publicado em 1965.

06 janeiro 2022

As estrangeiras


Évariste Carpentier (1845-1922). Les étrangères. 1887.

Fonte da foto: Wikipedia.

04 janeiro 2022

Matemáticas: fim ou instrumento?

Pierre Thuillier

Isto depende, sem dúvida, da própria natureza das matemáticas; estas aparecem como uma disciplina extremamente abstrata, extremamente pura, que escapa totalmente (ou quase) dos condicionamentos sociais. Engels, de fato, notou que a mecânica impulsionou o desenvolvimento das matemáticas e que, de um modo geral, o desenvolvimento das ciências está condicionado ‘pela produção’ (Dialética da natureza); e um matemático moderno, E. H. Moore, declarou sem ambiguidade: “Em seus ideais, assim como em seus êxitos, toda a ciência – e isto vale para a lógica e as matemáticas – é função de sua época.”

Fonte (tradução livre): Thuillier, P. 1990 [1983]. El saber ventrílocuo. Cidade do México, Fondo de Cultura Económica
.

02 janeiro 2022

Quando eu morrer quero ficar

Mário de Andrade

Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus inimigos,
Sepultado em minha cidade,
   Saudade.

Meus pés enterrem na rua Aurora,
No Paiçandu deixem meu sexo,
Na Lopes Chaves a cabeça
   Esqueçam.

No Pátio do Colégio afundem
O meu coração paulistano:
Um coração vivo e um defunto
   Bem juntos.

Escondam no Correio o ouvido
Direito, o esquerdo nos Telégrafos,
Quero saber da vida alheia,
   Sereia.

O nariz guardem nos rosais,
A língua no alto do Ipiranga
Para cantar a liberdade.
   Saudade...

Os olhos lá no Jaraguá
Assistirão ao que há-de vir,
O joelho na Universidade,
   Saudade...

As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atirem pro Diabo,
Que o espírito será de Deus.
   Adeus.

Fonte: Moriconi, I., org. 2001. Os cem melhores poemas brasileiros do século. RJ, Objetiva. Poema publicado em livro em 1945.

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