31 outubro 2006

Tesouro da juventude

Murilo Antunes

A pedalar, camisa aberta no peito
passeio macio
levo na bicicleta o meu tesouro da juventude
passo roubando fruta de feira
passo a puxar meu estilingue
e vai pedra certeira no poste
passa o veterano e já cansado herói de guerra
grito lá vem a bomba
e meu tesouro me leva pelas ruas de Santa Tereza
a rodar, a rodar...

A pedalar encontro amigo do peito
sentado na esquina
pula, pega garupa
segura o bonde ladeira acima
ganha o meu tesouro da juventude
ainda que a cidade anoiteça ou desapareça
piso no pedal do sonho
e a vida ganha mais alegria
ganha o meu tesouro da juventude
que foi em Pedra Azul e em toda parte
onde eu tive o que eu sou

Fonte: encarte que acompanha o LP do álbum Pintura (1988), de Paulinho Pedra Azul.

28 outubro 2006

Um (outro) fim de tarde no Paraíso

F. Ponce de León

Sábado de céu azul, com poucas nuvens, após uma semana de tempo nublado. Estamos na primeira metade da primavera e, embora a estação das chuvas ainda não tenha chegado para valer, a terra não está tão seca como estava no fim do inverno. Sol quente e umidade, eis a receita para um crescimento vigoroso: folhas novas surgem de um dia para o outro e sementes adormecidas logo germinam.

As primeiras chuvas da primavera lavam a vegetação, removendo a camada marrom de poeira que cobria a folhagem, principalmente aquela que margeia as estradas mais movimentadas. É um banho revigorante, durante o qual todos os personagens – árvores, arbustos, trepadeiras, ervas miúdas – que atravessaram o inverno sem perder as folhas parecem se esbaldar.

Nessa época do ano, a trilha sonora produzida por um emaranhado de grilos, cigarras, rãs e aves interdependentes ganha timbres ainda mais nítidos, principalmente à noite. É também quando colunas cada vez mais numerosas de vagalumes saem em revoadas noturnas, pontilhando e iluminando o céu. Em noites de céu claro, é fácil confundir vagalumes com estrelas da Via Láctea.

Faltam algumas horas para escurecer e a trilha sonora que ouvimos agora é outra: o cocoricó de galos – o nosso e o de alguns vizinhos, ao longe – e as notas que saem das teclas de um piano, embalando a todos aqui em casa. São os dedinhos de anjo de Alicia de Larrocha, traduzindo para nossos ouvidos a caligrafia serena de Schubert.

Ouvindo a música e vendo o jogo de sol e sombras em volta da casa, fico a imaginar que uma rajada mais forte de vento – como aquela que passou por aqui ontem à tarde – virá daqui a pouco e nos levará para cima... Um vôo por sobre o cafezal e a floresta logo adiante, subindo as montanhas. Lá de cima, acenamos para os vizinhos e dizemos adeus a um país de trilha sonora decadente e desafinada.

Gran Circo

Márcio Borges

Vem chegando a lona suja

o grande circo humano

com a fome do palhaço
e a bailarina louca

vamos festejar

a costela que vai se quebrar

no trapézio é bobagem

a miséria pouca


Bem no meio desse picadeiro

vão acontecer

morte glória

e surpresas no final da história

pão e circo prata e lua

um sorriso vai se desenhar

no amargo dessa festa

junto dessa escória


Sobe e desce a montanha
o grande circo humano

no seu lombo, no seu ombro magro

carregando

prata e luar

o mistério que vai se mostrar

no arame

equilíbrio sob o sol raiando


Sonha espera o grande circo humano

coração partido circo humano


Fonte: encarte que acompanha o LP do álbum Minas (1975), de Milton Nascimento.

27 outubro 2006

Nanas de la cebolla

Miguel Hernández

La cebolla es escarcha
cerrada y pobre:
escarcha de tus días
y de mis noches.
Hambre y cebolla:
hielo negro y escarcha
grande y redonda.

En la cuna del hambre
mi niño estaba.
Con sangre de cebolla
se amamantaba.
Pero tu sangre,
escarchada de azúcar,
cebolla y hambre.


Una mujer morena,

resuelta en luna,

se derrama hilo a hilo

sobre la cuna.

Ríete, niño,

que te tragas la luna

cuando es preciso.


Alondra de mi casa,

ríete mucho.

Es tu risa en los ojos

la luz del mundo.

Ríete tanto

que en el alma al oírte,

bata el espacio.


Tu risa me hace libre,

me pone alas.

Soledades me quita,

cárcel me arranca.

Boca que vuela,

corazón que en tus labios

relampaguea.


Es tu risa la espada

más victoriosa.

Vencedor de las flores

y las alondras.

Rival del sol.

Porvenir de mis huesos

y de mi amor.


La carne aleteante,

súbito el párpado,

el vivir como nunca

coloreado.

¡Cuánto jilguero

se remonta, aletea,

desde tu cuerpo!


Desperté de ser niño.

Nunca despiertes.

Triste llevo la boca.

Ríete siempre.

Siempre en la cuna,

defendiendo la risa

pluma por pluma.


Ser de vuelo tan alto,

tan extendido,

que tu carne parece

cielo cernido.

¡Si yo pudiera

remontarme al origen

de tu carrera!


Al octavo mes ríes

con cinco azahares.

Con cinco diminutas

ferocidades.

Con cinco dientes

como cinco jazmines

adolescentes.


Frontera de los besos

serán mañana,

cuando en la dentadura

sientas un arma.

Sientas un fuego

correr dientes abajo

buscando el centro.


Vuela niño en la doble

luna del pecho.

Él, triste de cebolla.

Tú, satisfecho.

No te derrumbes.

No sepas lo que pasa

ni lo que ocurre.


Fontes: encarte que acompanha o LP do álbum Gracias a la vida (1976), do grupo Tarancón, e versão integral publicada no sítio eletrônico La Insignia.

26 outubro 2006

Desenredo

Adélia Prado

Grande admiração me causam os navios
e a letra de certas pessoas que esforço por imitar.

Dos meus, só eu conheço o mar.

Conto e reconto, eles dizem ‘anh’.

E continuam cercando o galinheiro de tela.

Falo de espuma, do tamanho cansativo das águas,

eles nem lembram que tem o Quênia,

nem de leve adivinham que estou pensando em Tanzânia.

Afainosos me mostram o lote: aqui vai ser a cozinha,

logo ali a horta de couve.

Não sei o que fazer com o litoral.

Fazia tarde bonita quando me inseri na janela, entre meus tios,

e vi o homem com a braguilha aberta,

o pé de rosa-doida enjerizado de rosas.

Horas e horas conversamos inconscientemente em português

como se fora esta a única língua do mundo.

Antes de depois da fé eu pergunto cadê os meus que se foram,

porque sou humana, com capricho tampo o restinho de molho na panela.


Saberemos viver uma vida melhor que esta,

quando mesmo chorando é tão bom estarmos juntos?

Sofrer não é em língua nenhuma.

Sofri e sofro em Minas Gerais e na beira do oceano.

Estarreço de estar viva. Ó luar do sertão,

ó matas que não preciso ver pra me perder,

ó cidades grandes, estados do Brasil que amo como se os tivesse inventado.

Ser brasileira me determina de modo emocionante

e isto, que posso chamar de destino, sem pecar,

descansa meu bem-querer.

Tudo junto é inteligível demais e eu não suporto.

Valha-me noite que me cobre de sono.

O pensamento da morte não se acostuma comigo.

Estremecerei de susto até dormir.

E no entanto é tudo tão pequeno.

Para o desejo do meu coração

o mar é uma gota.


Fonte: Mello, M. A., org. 2003.
Poesia sempre. RJ, José Olympio.

Uma definição de cultura

John Tyler Bonner

Existem provavelmente poucas palavras que tenham tantas definições quanto “cultura”. Recordo-me de que, quando era aluno do Professor William Weston, em Harvard, havia uma grande sala em frente ao seu gabinete, do outro lado do corredor, onde produzíamos diversas condições ambientais e de nutrição para cultivar fungos e mixomicetos. Foi aí que aprendi a hoje esquecida arte de como produzir gelatina (ágar) de batata a partir de batatas de verdade. Do lado de fora da porta de vidro dessa sala de uso comum dos estudantes, havia uma placa com uma palavra gravada em grandes letras douradas: CULTURA.


No outro extremo, há os que usam a palavra num sentido que associo a Matthew Arnold e ao
Oxford English Dictionary: cultura é um refinamento de gostos e de juízos artísticos; é o ponto máximo na purificação e no aprimoramento intelectual.

Afortunadamente, as definições em ciência são arbitrárias e eu definirei a palavra num sentido que se situa algures no enorme espaço entre os dois extremos da palavra acima mencionados. Entendo por cultura a transferência de informação por meios comportamentais, sobretudo pelo processo de ensino e aprendizagem. É usada num sentido que contrasta com a transmissão de informação genética, passada de uma geração à seguinte pela herança direta de genes. A informação transmitida de forma cultural acumula-se como tradição e conhecimento, mas a ênfase desta definição recai sobre o modo de transmissão e não sobre o seu resultado.


Nessa definição simples, tomei o grande cuidado de não a limitar ao homem, visto que, tal como foi enunciada, existem muitos exemplos bem-conhecidos de cultura entre outros animais, especialmente entre aqueles que, como os primatas, praticam amplamente a cooperação. (...)


Há uma tendência para contrastar as palavras
biológico e cultural, mas Marion Levy fez-me ver que isso é deveras lamentável. A cultura, tal como a defini, é uma propriedade adquirida por organismos vivos. Portanto, nesse sentido, é tão biológica quanto qualquer outra função de um organismo – por exemplo, a respiração ou a locomoção. De vez que estou enfatizando o modo como a informação é transmitida, poderíamos chamar uma delas de evolução cultural e a outra de evolução genética, entendendo-se que ambas são biológicas nas medida em que uma e outra envolvem organismos vivos.

Fonte: Bonner, J. T. 1983. A evolução da cultura nos animais. RJ, Zahar.


25 outubro 2006

Joquim

Vitor Ramil

Satolep
Noite
No meio de uma guerra civil
O luar na janela não deixava a baronesa dormir
A voz da voz de Caruso
Ecoava no teatro vazio
Aqui nessa hora é que ele nasceu
Segundo o que contaram pra mim

Joquim era o mais novo
Antes dele havia seis irmãos
Cresceu o filho bizarro
Com o bizarro dom da invenção
Louco, Joquim louco
O louco do chapéu azul
Todos falavam e todos sabiam
Quando o cara aprontava mais uma

Joquim, Joquim

Nau da loucura no mar das idéias

Joquim, Joquim

Quem eram esses canalhas

Que vieram acabar contigo?


Muito cedo

Ele foi expulso de alguns colégios

E jurou: “nessa lama eu não me afundo mais”

Reformou uma pequena oficina

Com a grana que ganhara vendendo velhas invenções

Levou pra lá seus livros, seus projetos

Sua cama e muitas roupas de lã

Sempre com frio, fazia de tudo

Pra matar esse inimigo invisível


A vida ia veloz nessa casa

No fim do fundo da América do Sul

O gênio e suas máquinas incríveis

Que nem mesmo Julio Verne sonhou

Os olhos do jovem profeta

Vendo coisas que só ontem fui ver

Uma eterna inquietude e virtuosa revolta

Conduziam o libertário


Dezembro de 1937

Uma noite antes de sair

Chamou a mulher e os filhos e disse:

“Se eu sumir procurem logo por mim”

E não sei bem onde foi

Só sei que teria gritado a uma pequena multidão

“Ao porco tirano e sua lei hedionda

Nosso cuspe e o nosso desprezo!”


Joquim...


No meio da madrugada, sozinho

Ele foi preso por homens estranhos

Embarcaram num navio escuro

E de manhã foram pra capital

Uns dias mais tarde, cansado e com frio

Joquim queria saber onde estava

E num ar de cigarros de uns lábios de cobra

Ele ouviu: “Estás onde vais morrer”


Jogado numa cela obscura

Entre o começo do inferno e o fim do céu

Foi assim que depois de muitas histórias

A mulher enfim o encontrou

E ele ainda ficou ali por mais dois anos

Sempre um homem livre apesar da escravidão

As grades, o frio, mas novos projetos

Entre eles um avião


O mundo ardia na guerra

Quando Joquim louco saiu da prisão

Os guardas queimaram os projetos e os livros

E ele apenas riu e se foi

Em Satolep alternou o trabalho

Com longas horas sob o sol

Num quarto de vidro no terraço da casa

Lendo Artaud, Rimbaud, Breton


Joquim...


No início dos anos 50

Ele sobrevoava o Laranjal

Num avião
construido apenas das lembranças

Do que escrevera na prisão

E decidido a fazer outros, outros e outros

Joquim foi ao Rio de Janeiro

Aos orgãos certos, os competentes

Tirar um licença


O sujeito lá responsável por essas coisas lhe disse:

“Está tudo certo, tudo muito bem

O avião é surpreendente, eu já vi

Mas a licença não depende só de mim”

E a coisa assim ficou por vários meses

O grande tolo lambendo o mofo das gravatas

Na luz esquecida das salas de espera

O louco e seu chapéu


Um dia alguém lhe mandou um bilhete decisivo

E, claro, não assinou embaixo

“Desiste”, estava escrito, “muitos outros já tentaram

E deram com os burros n’água

É muito dinheiro, muita pressão, nem Deus conseguiria”

E o louco cansado, o gênio humilhado

Voou de volta pra casa


Joquim...


No final de longa crise depressiva

Ele raspou completamente a cabeça

E voltou à velha forma com a força triplicada

Por tudo o que passou

Louco, Joquim louco

O louco do chapéu azul

Todos falavam e todos sabiam

Que o cara não se entregava


Deflagrou uma furiosa campanha

De denúncias e protestos

Contra os poderosos

Jogou livros e panfletos do avião

Foi implacável em discursos notáveis

Uma noite incendiaram sua casa

E lhe deram quatro tiros

Do meio da rua ele viu as balas

Chegando lentamente


Os assassinos fugiram num carro

Que como eles nunca se encontrou

Joquim cambaleou ferido alguns instantes

E acabou caído no meio-fio

Ao amigo que veio ajudá-lo, falou:

“Me dê apenas mais um tiro por favor

Olha pra mim, não há nada mais triste

Que um homem morrendo de frio”


Joquim...


Fonte: encarte que acompanha o LP do álbum Tango (1987), de Vitor Ramil. Os versos de Joquim são uma livre adaptação de Joey (Bob Dylan & Jacques Levy), do álbum Desire (1976), de Bob Dylan.

24 outubro 2006

Os estudantes, os intelectuais e a luta de classes

Ernest Mandel

1.

(...)

Qual é o objectivo da reforma universitária tal como é proposta pelos reformadores liberais do mundo ocidental? É uma tentativa para arrumar a organização da Universidade a fim de que esta satisfaça as necessidades da economia e da sociedade neo-capitalista. Esses senhores dizem: “Claro, não é nada bom ter um ‘proletariado acadêmico’; não é nada bom ter muita gente que deixe a Universidade sem poder encontrar emprego. Isto é para muitos a razão da tensão e da explosão social. Mas como resolver o problema? Fá-lo-emos reorganizando a Universidade e distribuindo o número de lugares acessíveis segundo as necessidades da economia neo-capitalista. Num país que tem necessidade de 100 mil engenheiros, asseguraremos 100 mil engenheiros em vez de dispormos de 50 mil sociólogos ou 20 mil filósofos que não podem encontrar emprego compatível. Isto desembaraçar-nos-á das principais causas da revolta estudantil”.


Eis uma tentativa para subordinar a função da Universidade, muito mais que no passado, às necessidades imediatas da economia e da sociedade neo-capitalista. Ela produzirá um grau ainda mais elevado de alienação estudantil. Se tais reformas são aplicadas, os estudantes nunca encontrarão uma estrutura e um ensino universitário que correspondam aos seus desejos. Não poderão escolher uma carreira, um domínio do saber, as disciplinas que gostam e correspondem às suas aspirações, às necessidades da sua própria realização em função das suas próprias personalidades. Serão obrigados a aceitar os cursos, disciplinas e domínios do saber que correspondem aos interesses dos poderes da sociedade capitalista e não às suas necessidades enquanto seres humanos. Assim, um nível mais elevado de alienação será imposto através de uma reforma da Universidade.

(...)


2.

Durante os últimos vinte e cinco anos, a função da Universidade no Ocidente modificou-se progressivamente. Neste processo, a Universidade foi, em larga medida, mais o sujeito do que o objecto de uma evolução social programada que se pode resumir numa fórmula: transição da segunda para a terceira fase da história do modo de produção capitalista, ou mais abreviadamente, escalada do neo-capitalismo.

(...)


A tendência para tornar a Universidade funcional é levada ao extremo quando o ensino e a pesquisa universitária são subordinadas aos projetos específicos de empresas privadas ou de serviços governamentais (pensamos no papel de certos colégios universitários britânicos e americanos na pesquisa sobre armas biológicas, bem como nos war games praticados em certas universidades americanas, que se ocupam das guerras civis neste ou naquele país colonial).

(...)


A superespecialização, a instrumentalização e a proletarização do trabalho intelectual são as manifestações objectivas da alienação crescente do trabalho e conduzem inevitavelmente a uma consciência subjetiva crescente dessa alienação. A sensação de perda de todo o controle sobre o conteúdo e o desenrolar do seu próprio trabalho está tão difundido nos nossos dias nos chamados especialistas, incluindo aqueles que saem da Universidade, como entre os trabalhadores manuais.


Fonte: Mandel, E. 1978. Os estudantes, os intelectuais e a luta de classes. Lisboa, Edições Antídoto.


Traduzir-se

Ferreira Gullar

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?

Fonte: encarte que acompanha LP do álbum Traduzir-se (1981), de Raimundo Fagner.

23 outubro 2006

Em mim

Luiz Ruffato

E a solidão que ora sinto
abismos abissais

não é montanha após montanha

é algo mais

céus sobre as minas

mãos sobre as minhas


Talvez não entenda

a lenda silenciosa em mim

não é costume após costume

é muito mais


Não está em mim só

está em mim

em mim em mim em mim

nas gerais


Fonte: encarte que acompanha LP do álbum Nem tudo que nasce é novo (1990), de Luizinho Lopes.


Le petit prince

Antoine de Saint-Exupéry

1.
(...)
Les grandes personnes m’ont conseillé de laisser de côté les dessins de serpents boas ouverts ou fermés, et de m’intéresser plutôt à la géographie, à l’histoire, au calcul et à la grammaire. C’est ainsi que j’ai abandonné, à l’âge de six ans, une magnifique carrière de peintre. J’avais été découragé par l’insuccès de mon dessin numéro 1 et de mon dessin numéro 2. Les grandes personnes ne comprennent jamais rien toutes seules, et c’est fatigant, pour les enfants, de toujours leur donner des explications.

J’ai donc dû choisir un autre métier et j’ai appris à piloter des avions. J’ai volé un peu partout dans le monde. Et la géographie, c’est exact, m’a beaucoup servi. Je savais reconnaître, du premier coup d’œil, la Chine de l’Arizona. C’est très utile, si l’on est égaré pendant la nuit.

J’ai ainsi eu, au cours de ma vie, des tas de contacts avec des tas de gens sérieux. J’ai beaucoup vécu chez les grandes personnes. Je les ai vues de très près. Ça n’a pas trop amélioré mon opinion.

Quand j’en rencontrais une qui me paraissait un peu lucide, je faisais l’expérience sur elle de mon dessin n° 1 que j’ai toujours conservé. Je voulais savoir si elle était vraiment compréhensive. Mais toujours elle me répondait: “C’est un chapeau.” Alors je ne lui parlais ni de serpents boas, ni de forêts vierges, ni d’étoiles. Je me mettais à sa portée. Je lui parlais de bridge, de golf, de politique et de cravates. Et la grande personne était bien contente de connaître un homme aussi raisonnable.

16.
La septième planète fut donc la Terre.

La Terre n’est pas une planète quelconque! On y compte cent onze rois (en n’oubliant pas, bien sûr, les rois nègres), sept mille géographes, neuf cent mille businessmen, sept millions et demi d’ivrognes, trois cent onze millions de vaniteux, c’est-à-dire environ deux milliards de grandes personnes.

Pour vous donner une idée des dimensions de la Terre je vous dirai qu’avant l’invention de l’électricité on y devait entretenir, sur l’ensemble des six continents, une véritable armée de quatre cent soixante-deux mille cinq cent onze allumeurs de réverbères.

Vu d’un peu loin ça faisait un effet splendide. Les mouvements de cette armée étaient réglés comme ceux d’un ballet d’opéra. D’abord venait le tour des allumeurs de réverbères de Nouvelle-Zélande et d’Australie. Puis ceux-ci, ayant allumé leurs lampions, s’en allaient dormir. Alors entraient à leur tour dans la danse les allumeurs de réverbères de Chine et de Sibérie. Puis eux aussi s’escamotaient dans les coulisses. Alors venait le tour des allumeurs de réverbères de Russie et des Indes. Puis de ceux d’Afrique et d’Europe. Puis de ceux d’Amérique du Sud. Puis de ceux d’Amérique du Nord. Et jamais ils ne se trompaient dans leur ordre d’entrée en scène. C’était grandiose.

Seuls, l’allumeur de l’unique réverbère du pôle Nord, et son confrère de l’unique réverbère du pôle Sud, menaient des vies d’oisiveté et de nonchalance: ils travaillaient deux fois par an.

Fonte: Saint-Exupéry, A. 1970 [1946]. Le petit prince. Paris, Gallimard.


22 outubro 2006

Tum-tá-tá

Walter Freitas

ei, neném,
são rãs e sapos

no quintal vazio

ei, neném,

são chuvas finas

na beira do rio


um bicho brabo nas brenha

pras bandas lá da Mucajá

neném, a ginga das égua

na noite preta, tum-tá-tá


que é tanto terço

no roxo do frio

tum-tá-tá

são sete embalos na rede navio


um tiro longe

quem fere pras bandas lá da Mucajá?

neném, teus fio no mundo

na noite preta, tum-tá-tá


mata de mata que na terra de tua saia,

menina, mãe d’água aguou

terra de terra que na mata de teu cabelo

rescende cheiro cheiroso, chuva, funga que fungou

rio de rio de rio que maresia dos olhos,

menina desembocou

noite de noite que na cabeceira da ponte se afoga

peixe bubuia, moça, caboco embrenhou


um pau-de-arara, silêncio,

pras bandas lá da Mucajá

tum-tá-tá morto, matado

na noite preta, tum-tá-tá


ei, neném, adeus, quem dera

velas, ai marés

ei, neném, rio acre, o mundo

ai igarités


preta tu não tem medo

tu não tem guia manicoré

flor, flor dos aramados

ferpa, farpado, seu coroné


Fonte: encarte que acompanha o LP do álbum Interior (1986), de Nilson Chaves & Vital Lima.

Arrumação

Elomar

Josefina sai cá fora e vem vê
olha os fôrro ramiado vai chuvê
vai trimina reduzi toda a criação
das bandas de lá do ri Gavião
chiquêra pra cá já roncou o truvão

Futuca a tuia, pega o catadô
vamo plantá o feijão no pó

Mãe Purdença inda num cuieu o ái
o ái roxo dessa lavora tardã
diligença pega o panicum balai
vai cum tua irmã, vai num pulo só
vai cuiê o ái, o ái de tua avó

Futuca a tuia, pega o catadô
vamo plantá o feijão no pó

Lua nova sussarana vai passá
“sêda branca”, na passada ela levô
ponta d’unha lua fina risca no céu
a onça prisunha, a cara de réu
o pai do chiquêro a gata comeu
foi um truvejo c’ua zagaia só
foi tanto sangue de dá dó
os ciganos já subiro o bêra ri
é só danos todo ano nunca vi
paciênca já num guento a pirsiguição
já sô um caco véi nesse meu sertão
tudo qui juntei foi só pra ladrão

Futuca a tuia, pega o catadô
vamo plantá o feijão no pó

Fonte: encarte que acompanha o LP do álbum Cantoria 2 (1986), de Elomar, Geraldo Azevedo, Vital Farias e Xangai.


21 outubro 2006

Thick as a brick

Ian Anderson

Really don’t mind if you sit this one out.


My words but a whisper – your deafness a SHOUT. I may make you feel but I can’t make you think. Your sperm’s in the gutter – your love’s in the sink. So you ride yourselves over the fields and you make all your animal deals and your wise men don’t know how it feels to be thick as a brick. And the sand-castle virtues are all swept away in the tidal destruction the moral melee. The elastic retreat rings the close of play as the last wave uncovers the newfangled way. But your new shoes are worn at the heels and your suntan does rapidly peel and your wise men don't know how it feels to be thick as a brick.


And the love that I feel is so far away: I’m a bad dream that I just had today – and you shake your head and say it’s a shame.


Spin me back down the years and the days of my youth. Draw the lace and black curtains and shut out the whole truth. Spin me down the long ages: let them sing the song.


See there! A son is born – and we pronounce him fit to fight. There are black-heads on his shoulders, and he pees himself in the night. We’ll make a man of him put him to trade teach him to play Monopoly and to sing in the rain.


The poet and the painter casting shadows on the water – as the sun plays on the infantry returning from the sea. The do-er and the thinker: no allowance for the other – as the failing light illuminates the mercenary’s creed. The home fire burning: the kettle almost boiling – but the master of the house is far away. The horses stamping – their warm breath clouding in the sharp and frosty morning of the day. And the poet lifts his pen while the soldier sheaths his sword.


And the youngest of the family is moving with authority. Building castles by the sea, he dares the tardy tide to wash them all aside.


The cattle quietly grazing at the grass down by the river where the swelling mountain water moves onward to the sea: the builder of the castles renews the age-old purpose and contemplates the milking girl whose offer is his need. The young men of the household have all gone into service and are not to be expected for a year. The innocent young master – thoughts moving ever faster – has formed the plan to change the man he seems. And the poet sheaths his pen while the soldier lifts his sword.


And the oldest of the family is moving with authority. Coming from across the sea, he challenges the son who puts him to the run.


What do you do when the old man’s gone – do you want to be him? And your real self sings the song. Do you want to free him? No one to help you get up steam – and the whirlpool turns you
way off-beam.

[LATER]

I’ve come down from the upper class to mend your rotten ways. My father was a man-of-power whom everyone obeyed. So come on all you criminals! I’ve got to put you straight just like I did with my old man – twenty years too late. Your bread and water’s going cold. Your hair is too short and neat. I’ll judge you all and make damn sure that no-one judges me.


You curl your toes in fun as you smile at everyone – you meet the stares. You’re unaware that your doings aren’t done. And you laugh most ruthlessly as you tell us what not to be. But how are we supposed to see where we should run? I see you shuffle in the courtroom with your rings upon your fingers and your downy little sidies and your silver-buckle shoes. Playing at the hard case, you follow the example of the comic-paper idol who lets you bend the rules.


So! Come on ye childhood heroes! Won’t you rise up from the pages of your comic-books your super crooks and show us all the way. Well! Make your will and testament. Won’t you? Join your local government. We’ll have Superman for president let Robin save the day.


You put your bet on number one and it comes up every time. The other kids have all backed down and they put you first in line. And so you finally ask yourself just how big you are – and take your place in a wiser world of bigger motor cars. And you wonder who to call on.


So! Where the hell was Biggles when you needed him last Saturday? And where were all the sportsmen who always pulled you though? They’re all resting down in Cornwall – writing up their memoirs for a paper-back edition of the Boy Scout Manual.


[LATER
]
See there! A man born – and we pronounce him fit for peace. There’s a load lifted from his shoulders with the discovery of his disease. We’ll take the child from him put it to the test teach it to be a wise man how to fool the rest.


[QUOTE
]
We will be geared to the average rather than the exceptional God is an overwhelming responsibility we walked through the maternity ward and saw 218 babies wearing nylons cats are on the upgrade upgrade? Hipgrave. Oh, Mac.


[LATER]

In the clear white circles of morning wonder, I take my place with the lord of the hills. And the blue-eyed soldiers stand slightly discoloured (in neat little rows) sporting canvas frills. With their jock-straps pinching, they slouch to attention, while queueing for sarnies at the office canteen. Saying – how’s your granny and good old Ernie: he coughed up a tenner on a premium bond win. The legends (worded in the ancient tribal hymn) lie cradled in the seagull’s call. And all the promises they made are ground beneath the sadist’s fall. The poet and the wise man stand behind the gun, and signal for the crack of dawn. Light the sun.


Do you believe in the day? Do you? Believe in the day! The Dawn Creation of the Kings has begun. Soft Venus (lonely maiden) brings the ageless one.


Do you believe in the day? The fading hero has returned to the night – and fully pregnant with the day, wise men endorse the poet’s sight.


Do you believe in the day? Do you? Believe in the day!


Let me tell you the tales of your life of your love and the cut of the knife the tireless oppression the wisdom instilled the desire to kill or be killed. Let me sing of the losers who lie in the street as the last bus goes by. The pavements are empty: the gutters run red – while the fool toasts his god in the sky. So come all ye young men who are building castles! Kindly state the time of the year and join your voices in a hellish chorus. Mark the precise nature of your fear. Let me help you pick up your dead as the sins of the father are fed with the blood of the fools and the thoughts of the wise and from the pan under your bed. Let me make you a present of song as the wise man breaks wind and is gone while the fool with the hour-glass is cooking his goose and the nursery rhyme winds along. So! Come all ye young men who are building castles! Kindly state the time of the year and join your voices in a hellish chorus. Mark the precise nature of your fear. See! The summer lightning casts its bolts upon you and the hour of judgement draweth near. Would you be the fool stood in his suit of armour or the wiser man who rushes clear. So! Come on ye childhood heroes! Won't your rise up from the pages of your comic-books your super-crooks and show us all the way. Well! Make your will and testament. Won’t you? Join your local government. We’ll have Superman for president let Robin save the day. So! Where the hell was Biggles when you needed him last Saturday? And where were all the sportsmen who always pulled you through? They’re all resting down in Cornwall – writing up their memoirs for a paper-back edition of the Boy Scout Manual.


[OF COURSE]

So you ride yourselves over the fields and you make all your animal deals and your wise men don’t know how it feels to be thick as a brick.


Fonte: capa do LP do álbum
Thick as a brick (1972), do Jethro Tull.

20 outubro 2006

Canção para os fonemas da alegria

Thiago de Mello

Peço licença para algumas coisas.

Primeiramente para desfraldar

este canto de amor publicamente.


Sucede que só sei dizer amor
quando reparto o ramo azul de estrelas

que em meu peito floresce de menino.


Peço licença para soletrar,

no alfabeto do sol pernambucano

a palavra ti-jo-lo, por exemplo,


e poder ver que dentro dela vivem

paredes, aconchegos e janelas,

e descobrir que todos os fonemas


são mágicos sinais que vão se abrindo
constelação de girassóis gerando

em círculos de amor que de repente

estalam como flor no chão da casa.


Às vezes nem há casa: é só o chão.

Mas sobre o chão quem reina agora é um homem

diferente, que acaba de nascer:


porque unindo pedaços de palavras

aos poucos vai unindo argila e orvalho,

tristeza e pão, cambão e beija-flor,


e acaba por unir a própria vida

no seu peito partida e repartida

quando afinal descobre num clarão


que o mundo é seu também, que o seu trabalho

não é a pena paga por ser homem,

mas o modo de amar – e de ajudar


o mundo a ser melhor. Peço licença

para avisar que, ao gosto de Jesus,

este homem renascido é um homem novo:


ele atravessa os campos espalhando

a boa-nova, e chama os companheiros

a pelejar no limpo, fronte a fronte


contra o bicho de quatrocentos anos,

mas cujo fel espesso não resiste

a quarenta horas de total ternura.


Peço licença para terminar

soletrando a canção de rebeldia

que existe nos fonemas da alegria:


canção de amor geral que eu vi crescer

nos olhos do homem que aprendeu a ler.

Fonte: Freire, P. 1978. Educação como prática da liberdade, 8a edição. RJ, Paz e Terra. O poema foi originalmente publicado em 1965.

A mídia

Noam Chomsky

Sejam chamadas de “liberais” ou de “conservadoras”, as principais mídias são grandes empresas pertencentes e interligadas a conglomerados maiores ainda. Como as outras empresas, elas vendem um produto para o mercado. O mercado são os anunciantes, isto é, outras empresas. O produto é o público. É a elite da mídia que estabelece uma agenda básica, à qual as outras se adaptam. O produto é, portanto, um público relativamente privilegiado.

Assim, temos as grandes empresas vendendo um público razoavelmente rico e privilegiado a outras empresas. Obviamente o quadro apresentado reflete os valores e os interesses, estreitos e preconceituosos, dos vendedores, dos compradores e dos produtos.

Outros fatores reforçam a mesma distorção. Os dirigentes culturais (editores, colunistas importantes, etc.) compartilham interesses de classe e associações com os dirigentes do governo e das empresas, além de outros setores privilegiados. Há, na verdade, um fluxo regular de pessoal de alto nível entre empresas, governo e mídia. Para se ter acesso às autoridades estatais, é importante manter posições competitivas: “vazamento de informações”, por exemplo, são amiúde maquinações produzidas enganosamente por autoridades, em cooperação com a mídia, que finge nada saber.

Por sua vez, as autoridades estatais exigem cooperação e submissão. Outros centros de poder também têm dispositivos para punir o distanciamento da ortodoxia, abrangendo desde a bolsa de valores até um eficiente sistema de difamação e calúnia.

O resultado não é, logicamente, inteiramente uniforme. Para servir aos interesses dos poderosos, a mídia deve apresentar um quadro toleravelmente realista do mundo. Entretanto, às vezes a integridade e a honestidade profissional impedem a missão primordial. Os bons jornalistas geralmente são bem conscientes dos fatores que caracterizam o produto da mídia, e procuram usar as aberturas que aparecem. O resultado é que se pode aprender muito, por meio de uma leitura crítica e isenta, com aquilo que é produzido pela mídia.

A mídia é apenas uma parte de um sistema doutrinário maior: as outras partes são os jornais de opinião, as escolas e as universidades, as pesquisas acadêmicas, e assim por diante. Estamos mais cônscios da mídia, particularmente a mídia de maior prestígio, porque é nela que estão concentrados aqueles que analisam criticamente a ideologia. O sistema maior tal como é não tem sido estudado, porque é muito difícil investigá-lo sistematicamente. Mas há bons motivos para acreditar que ele representa os mesmos interesses que os da mídia, como qualquer um pode imaginar.

O sistema doutrinário, que produz aquilo que chamamos “propaganda”, ao falar de inimigos tem dois alvos distintos: um dos alvos é aquele que, algumas vezes, é chamado de “classe política”, cerca de 20% da população relativamente instruída, mais ou menos articulada e que desempenha algum papel na tomada de decisões. Sua aceitação da doutrina é fundamental, porque ela (a classe política) está em posição de traçar e implementar diretrizes políticas.

Em seguida, vêm os outros 80% da população. Estes são “os espectadores da ação”, a quem Lippmann descreveu como a “a horda confusa”. Eles existem supostamente para obedecer a ordens e sair do caminho das pessoas importantes. Eles são o verdadeiro alvo dos meios de comunicação de massa: os tablóides, as comédias familiares, a Super Taça [Super Bowl] e assim por diante.

Esses setores do sistema doutrinário servem para distrair a grande massa e reforçar os valores sociais básicos: a passividade, a submissão às autoridades, as predominantes virtudes da avareza e da ganância pessoal, a falta de consideração com os outros, o medo de inimigos reais e imaginários, etc. A finalidade é manter a já confusa horda mais confusa ainda. Não é necessário dizer para eles se aterem ao que está acontecendo no mundo. Na verdade, isso é até indesejável, pois se eles observarem demais a realidade, podem se decidir a transformá-la.

Isso não quer dizer que a mídia em geral não possa ser influenciada pela população. As instituições dominantes – sejam elas políticas, econômicas ou doutrinárias – não são imunes às pressões populares. A mídia independente (alternativa) pode também desempenhar um papel importante. Embora ela, até por definição, careça de recursos, tem a mesma importância que as organizações populares: ao reunir pessoas com recursos limitados, que podem multiplicar sua eficiência e sua própria compreensão, pela interação – esta é precisamente a ameaça democrática tão temida pelas elites dominantes.

Fonte: Chomsky, N. 1996. O que Tio Sam realmente quer. Brasília, Editora da UnB.

19 outubro 2006

Canção do tempo das chuvas


Elizabeth Bishop

Oculta, oculta,
na névoa, na nuvem,
a casa que é nossa,
sob a rocha magnética,
exposta a chuva e arco-íris,
onde pousam corujas
e brotam bromélias
negras de sangue, liquens
e a felpa das cascatas,
vizinhas, íntimas.

Numa obscura era
de água
o riacho canta de dentro
da caixa torácica
das samambaias gigantes;
por entre a mata grossa
o vapor sobe, sem esforço,
e vira para trás, e envolve
rocha e casa
numa nuvem só nossa.

À noite, no telhado,
gotas cegas escorrem,
e a coruja canta sua copla
nos prova
que sabe contar:
cinco vezes — sempre cinco —
bate o pé e decola
atrás das rãs gordas, que
coaxam de amor
em plena cópula.

Casa, casa aberta
para o orvalho branco
e a alvorada cor
de leite, doce à vista;
para o convívio franco
com lesma, traça,
camundongo
e mariposas grandes;
com uma parede para o mapa
ignorante do bolor;

escurecida e manchada
pelo toque cálido
e morno do hálito,
maculada, querida,
alegra-te! Que em outra era
tudo será diferente.
(Ah, diferença que mata,
ou intimida, boa parte
da nossa mínima,
humilde vida!) Sem água

a grande rocha ficará
desmagnetizada, nua
de arco-íris e chuva,
e o ar que acaricia
e a neblina
desaparecerão;
as corujas irão embora,
e todas as cascatas
hão de murchar ao sol
do eterno verão.

Fonte: versão enviada pelo tradutor, Paulo Henriques de Britto, a quem agradeço pela gentileza, e que integra as coletâneas Poemas do Brasil (1999) e O iceberg imaginário (2001), da editora Companhia das Letras. Ao final do poema, publicado originalmente em 1965, a autora anotou: Sitio da Alcobacinha, Fazenda Samambaia, Petrópolis. A foto da casa foi obtida no Portal Vitruvius.

Flores raras e banalíssimas

Carmen L. Oliveira

(...)
Era uma noite prodigiosa (...). O céu era tão profundo e claro que, ao fitá-lo, não havia outro remédio senão a gente perguntar, involuntariamente, a si mesma se era verdade que sob semelhante céu pudessem viver criaturas tão más e tétricas.

Lota e Bishop estavam sentadas no sofá, com uma manta sobre os joelhos. Fazia um friozinho. Apenas uma arandela estava acesa, jogando uma luz difusa para o alto.

Bishop se entregava à tranqüilidade suave daquele instante. Estava feliz. Depois de quatro anos de tormento para conseguir escrever, chegara aquele [1956] bonançoso. Tinha publicado um livro, tinha merecido o prêmio [Pulitzer] mais importante por ele. Verdade que ao invés dos cinco mil dólares esperados tinha recebido apenas quinhentos. Em compensação, tinha sido contemplada com uma bolsa inesperada da Partisan Review. Tinha concluído a tradução de Minha vida de menina e conseguido que Farrar, Straus, and Giroux a publicasse. Já estava escrevendo novos poemas.

Lota falava, prazenteira. Estava orgulhosa da sua Cookie. Por seu turno, garantia, ia importar, ia improvisar, ia endoidecer, mas até o final do ano a casa estaria concluída. Então poderiam ir juntas para Nova York, para ficar o tempo que Bishop quisesse.

Como há quase cinco anos, Bishop escutava em silêncio. a mão na mão de Lota. A voz de Lota caía bem com aquela penumbra. Bishop queria cantar aquela intimidade, a doçura daquele toque, a pertinência daquela vidinha obscura no meio do mato.

Um salmo começou a se delinear. Nos dias que se seguiram, Bishop iniciou um poema de louvação àquela amor, louvando aquela casa. Não como um marco de arquitetura, mas como uma permanente open house à natureza, onde a neblina entrava pela janela e atravessava a sala indolentemente no meio de uma conversa.
(...)

Fonte: Oliveira, C. L. 1996. Flores raras e banalíssimas: a história de Lota de Macedo Soares e Elizabeth Bishop, 2a edição. RJ, Rocco.

18 outubro 2006

Mothers of the disappeared

Bono

Midnight, our sons and daughters
Were cut down and taken from us
Hear their heartbeat…
We hear their heartbeat
In the wind
we hear their laughter
In the rain
We see their tears
Hear their heartbeat…
We hear their heartbeat
Night hangs like a prisoner
Stretched over black and blue
Hear their heartbeat…
We hear their heartbeat
In the trees
Our sons stand naked
Through the walls
Our daughters cry
See their tears in the rainfall

Fonte: encarte que acompanha o LP do álbum The Joshua Tree (1987), do U2.

Biko

Peter Gabriel

September ’77
Port Elizabeth weather fine
It was business as usual
In police room 619
Oh Biko, Biko, because Biko
Oh Biko, Biko, because Biko
Yihla Moja, Yihla Moja
– The man is dead

When I try to sleep at night
I can only dream in red
The outside world is black and white
With only one colour dead
Oh Biko, Biko, because Biko
Oh Biko, Biko, because Biko
Yihla Moja, Yihla Moja
– The man is dead

You can blow out a candle
But you can’t blow out a fire
Once the flames begin to catch
The wind will blow it higher
Oh Biko, Biko, because Biko
Yihla Moja, Yihla Moja
– The man is dead
And the eyes of the world are
watching now
watching now

Fonte: encarte que acompanha o LP do álbum
Peter Gabriel (1980), de Peter Gabriel.

17 outubro 2006

O declínio da cultura ocidental

Allan Bloom

2.
(...)
Quando reparei pela primeira vez no declínio da leitura, no final da década de 60, passei a perguntar às minhas enormes turmas dos anos preliminares, e a grupos de alunos mais novos, que livros realmente contavam para eles. A maioria ficava em silêncio, embaraçada com a pergunta. Para eles, era estranha a noção de livros como companheiros.
(...)

3.
Se os estudantes não possuem livros, em compensação adoram a música. Semelhante apego é o que há de mais notável nesta geração. Estamos na era da música e dos estados de espírito que a acompanham.
(...)
[A] música dos devotos de hoje, porém, não conhece classes nem nações. Está disponível 24 horas por dia, em toda parte. Possuímos estéreo em casa e no carro; temos concertos, vídeos musicais e assim por diante, não esquecendo os walkmen. Em resumo, não há um só lugar – nem os transportes públicos ou as bibliotecas – em que os estudantes não possam comunicar-se com a Musa, até mesmo nos momentos de estudo. Acima de tudo, aliás, o solo musical ganhou tropical riqueza. Nada de esperar por gênios imprevisíveis. Agora os gênios abundam, produzindo sem parar; cada herói que tomba, dois logo se erguem para assumir o lugar. O que menos escasseia é o novo e o inesperado.
(...)
Pense num garoto de 13 anos sentado na sala de estar de sua residência estudando matemática com os fones de ouvido do walkman ligado ou então assistindo à televisão. Está usufruindo as liberdades duramente conquistadas ao longo de séculos pela aliança do gênio filosófico e do heroísmo político, consagrada pelo sangue dos mártires. Goza de conforto e de ócio, graças à economia com a maior produtividade que a história já conheceu; a ciência penetrou nos segredos da natureza para lhe proporcionar som eletrônico e reprodução de imagem que imita a vida. E, afinal, em que culminou o progresso? Uma criança púbere cujo corpo vibra com ritmos orgásmicos, cujos sentimentos se articulam em hinos às alegrias do organismo ou à morte dos pais, cuja ambição é ficar famoso e rico imitando a rainha das marafonas, que faz a música. Resumindo, a vida, se transformou numa interminável fantasia masturbatória pré-empacotada.
(...)

Fonte: Bloom, A. 1989. O declínio da cultura ocidental: da crise da universidade à crise da sociedade. SP, Best Seller.

A angústia da influência científica

John Horgan

Ao tentar compreender o ânimo dos cientistas modernos, descobri que as idéias da crítica literária tinham, afinal, alguma serventia. Em seu interessante ensaio de 1973, A angústia da influência, Harold Bloom equiparou o poeta moderno a Satã no Paraíso perdido de Milton. Assim como Satã lutava para afirmar sua individualidade desafiando a perfeição de Deus, da mesma forma o poeta moderno deve travar uma luta edípica para se definir em relação a Shakespeare, Dante e outros mestres. Em última análise, a tentativa é vã, segundo Bloom, porque nenhum poeta pode ter a esperança de se aproximar da perfeição de tais antepassados, quanto mais de superá-los. Os poetas modernos são figuras essencialmente trágicas, retardatárias.

Os cientistas modernos também são retardatários, e sua carga é muito mais pesada do que a dos poetas. Os cientistas não têm que aturar apenas o Rei Lear de Shakespeare, mas também as leis do movimento de Newton, a teoria da seleção natural de Darwin e a teoria da relatividade geral de Einstein. Essas teorias não são apenas belas; são também verdadeiras, como nenhuma obra de arte consegue ser. A maioria dos pesquisadores simplesmente admite sua incapacidade de superar o que Bloom chamava “os embaraços de uma tradição que se tornou demasiado rica para precisar de algo mais”. (...) Outros se tornam o que Bloom, zombando, classificou de “simples rebelde, iconoclasta infantil das categorias morais convencionais”. Os rebeldes denigrem as teorias dominantes da ciência, considerando-as fabricações sociais inconsistentes, e não descrições rigorosamente testadas da natureza.

Os “poetas fortes” de Bloom aceitam a perfeição de seus predecessores e, ainda assim, lutam para transcendê-la por meio de vários subterfúgios, inclusive uma sutil interpretação errônea da obra deles; só desse modo os poetas modernos se libertam da influência estultificante do passado. Da mesma forma, há cientistas fortes, que buscam interpretar erroneamente e, portanto, transcender a mecânica quântica, a teoria do big bang ou a evolução de Darwin.

Fonte: Horgan, J. 1998. O fim da ciência: uma discussão sobre os limites do conhecimento científico. SP, Companhia das Letras.


16 outubro 2006

Pedro canoero

Teresa Parodi

Pedro canoero
todo tu tiempo se ha ido
sobre la vieja canoa
lentamente te lo fue llevando el río.

Pedro canoero
ya no has vuelto por la costa
te quedaste en la canoa
como un duende sin edad y sin memoria.

Pedro canoero
te mecía el agua
lejos de la costa
cuando te dormías.
Pedro canoero
corazon de arcilla
sobre la canoa
se te fue la vida.

Pedro canoero
la esperanza se te iba
sobre el agua amanecida
tu esperanza Pedro al fin
no tuvo orillas.

Pedro canoero
te mecía el agua
lejos de la costa
cuando te dormías.
Pedro canoero
corazon de arcilla
sobre la canoa
se te fue la vida.

Fonte: encarte que acompanha o LP do álbum
Mercedes Sosa (1987), de Mercedes Sosa.

Vida na varanda

F. Ponce de León

O velho estava na varanda de casa, sentado em uma cadeira de balanço, tentando enfrentar o calor de trinta e tantos graus. Ansiava por alguma brisa naquele fim de tarde alaranjado; naquele fim de mundo que tanto amava; quase no fim da vida. Seus ralos fios de cabelo branco estavam grudados na nuca, de tanto suor. Com quase 90 anos de idade, para ele era ainda mais difícil afugentar todos aqueles mosquitos, insistentes e irritantes.

Era sexta-feira e, como de costume, um dos rapazes do mercadinho devia aparecer com as compras. De quando em quando, ele olhava para a porteira, torcendo para que tudo aquilo terminasse logo. (O calor, o suor, as moscas, a espera das compras.) Lá dentro, a menina preparava alguma coisa para a janta; da cozinha, porém, não saía nada: nem barulho, nem cheiro bom.

(Por que os filhos não arranjavam logo uma empregada melhor? Uma mais velha, que soubesse cozinhar direito e que prestasse mais atenção em sua conversa. Como se não bastasse toda a esquisitice, para ele a menina estava era esvaziando a biblioteca. Mas por que uma analfabeta estaria roubando seus livros?)

Ah, finalmente: parece que o rapaz das compras vem chegando. Sim, agora é ele. Pelo tamanho dos embrulhos, deve ter trazido a lista toda. A empregada aparece na porta para recebê-lo e o rapaz chega, carregando tudo de uma vez só. Tira o capacete, cumprimenta o velho e entra com os pacotes. Os dois demoram lá dentro e o velho acaba cochilando.

A empregada volta, trazendo um copo de limonada. O rapaz também aparece: ajeita-se, despede-se, sobe na moto e vai embora. A empregada recolhe o copo e chama o velho para dentro. (Já está na hora da janta.) Após o jantar, o velho recosta na poltrona, em um dos cantos da sala. Sob a luz amarelada de um abajur, tenta ler dois ou três parágrafos, mas acaba dormindo. (O calor não dá trégua.)

Acorda cedo, com a camisa de pijama grudada no corpo. Olha para o relógio: cinco e meia. Ainda no escuro, levanta-se e vai sozinho ao banheiro. Limpa-se. Vendo-se no espelho, pensa em fazer a barba, mas logo desiste. Vai até a cozinha. A menina ainda não se levantou. (Esta já é a terceira vez essa semana que ele acorda antes da empregada – ô gentinha lerda, sô!)

Após o café, o velho vai para a biblioteca. Lê e escreve um pouco. Pára logo. Já é sábado, e ele agora só pensa na visita dos netos e bisnetos. Quando chega na varanda e olha para o céu, percebe que vai chover. Pior: vai chover forte. Em dias assim, a chuva é apenas uma desculpa que filhos, noras e genros usam para não aparecer por aqui. (Os filhos foram morar na rua e aprenderam a odiar o barro da roça.)

Que se danem. Na verdade, o que mais o incomoda é saber que seus netos e bisnetos também não virão. Resta a varanda. E a cadeira. (Talvez um copo de limonada.)

15 outubro 2006

Testamento

Manuel Bandeira

O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros — perdi-os...
Tive amores — esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.

Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.

Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.

Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!

Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!

Fonte: encarte que acompanha o LP do álbum Estrela da vida inteira (1986), de Olivia Hime. O poema foi originalmente publicado em 1943.

Cataguases

Ascânio Lopes

Nem Belo Horizonte, colcha de retalhos iguais,
cidade européia de ruas retas, árvores certas,
casas simétricas,
crepúsculos bonitos, sempre bonitos;
nem Juiz de Fora: ruído. Rumor.
Apitos. Klaxons.
Cidade inglesa de céu enfumaçado, cheio de chaminés negras;
nem Ouro Preto, cidade morta,
Bruges sem Rodenbach,
onde estudantes passadistas continuam a tradição das coisas que já esquecemos;
nem Sabará, cidade relíquia,
onde não se pode tocar para não desmanchar o passado arrumadinho;
nem Estrela do Sul, a sonhar com tesouros,
tesouros nos cascalhos extintos de seu rio barrento;
nem Uberaba, nem, nem, cidades arrivistas, de gente que pretende ficar.
Não! Cataguases... Há coisa mais bela e serena oculta nos teus flancos.
Nas tuas ruas brinca a inconsciência das cidades
que nunca foram, que não cuidam de ser.
Não sabes, não sei, ninguém compreenderá, jamais, o que desejas, o que serás.
Não és do futuro, não és do passado, não tens idade.
Só sei que és
a mais mineira das cidades de Minas Gerais.
Nem geometria, nem estilo europeu, nem invasão americana de platibandas, nem bangalôs dernier-cri.
Tuas casas são largas casas mineiras feitas na previsão de muitos hóspedes.
Não há em ti o terror das cidades plantadas na mata virgem
nem o ramerrão dos bondes atrasados cheios de gente apressada.
Nem os dísticos de “aqui esteve”, “aqui aconteceu”.
Nem o tintim áspero dos padeiros.
Nem a buzina incômoda dos tintureiros.
Teus leiteiros ainda levam o leite em burricos.
Os padeiros deixam o pão às janelas (cidade mineira).
Teu amanhecer é suave.
Que alegria de só ter gente conhecida, faz teu habitante voltar-se para cumprimentar todos que passam.
Delícia de não encontrar estrangeiros de olhar agudo, esperto, mau, a suspeitar riquezas nas terras.
Alegria dos fordes, brincando (são dois) na praça.
(Depois vão dormir juntinhos numa só garagem.)
Jacaré!
João Arara!
João Gostoso!
teus tipos populares.
A criançada atira-lhes pedras e eles se voltam imprecando.
Rondas alegres de meninos nas ruas, às tardes, sem perigo de veículos.
Papagaios que se embaraçam nos fios da luz, balões que sobem,
foguetes obrigatórios nas festas da chegada do chefe político.
Jardins onde meninas ariscas passeiam meia hora só antes do cinema.
Ar morno e sensual de voluptuosidade gostosa que vibra nas tuas tardes chuvosas, quando as goteiras pingam nos passantes.
e batem isócronas nos passeios furados.
Há em ti a delícia da vida que passa porque vale a pena passar,
que passa sem dar por isso, sem supor que se vai transformando.
Em ti se dorme tranqüilo sem guardas-noturnos.
Mas com o cricri dos grilos,
o ram-ram dos sapos.
O sono é tranqüilo como o de uma criança de colo.
Vale a pena viver em ti.
Nem inquietude.
Nem peso inútil de recordações,
mas a confiança que nasce das coisas que não mudam bruscas,
nem ficam eternas.

Fonte: Ruffato, L. 2005. Ascânio Lopes: todos os possíveis caminhos. Cataguases, Instituto Francisca de Souza Peixoto. O poema foi dedicado pelo autor a Carlos Drummond de Andrade e publicado originalmente no jornal Diário de Minas (BH), em 6/3/1927.

Canção amiga

Carlos Drummond de Andrade

Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.

Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não me vêem, eu vejo
e saúdo velhos amigos.

Eu distribuo um segredo
como quem ama ou sorri.
No jeito mais natural
dois carinhos se procuram.

Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas.

Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.

Fonte: encarte que acompanha os LPs do álbum duplo Clube da esquina 2 (1978), de Milton Nascimento. Poema originalmente publicado em 1948.

Home

Roger Waters

Could be Jerusalem, or it could be Cairo

Could be Berlin, or it could be Prague

Could be Moscow, could be New York

Could be Llanelli, and it could be Warrington

Could be Warsaw, and it could be Moose Jaw

Could be Rome

Everybody got somewhere they call home


When they overrun the defences

A minor invasion put down to expenses

Will you go down to the airport lounge

Will you accept your second class status

A nation of waitresses and waiters

Will you mix their martinis

Will you stand still for it

Or will you take to the hills


It could be clay and it could be sand

Could be desert

Could be a tract of arable land

Could be a house, could be a corner shop

Could be a cabin by a bend in the river

Could be something your old man handed down

Could be something you built on your own

Everybody got something he calls home


When the cowboys and Arabs draw down

On each other at noon

In the cool dusty air of the city boardroom

Will you stand by a passive spectator

Of the market dictators

Will you discreetly withdraw

With your ear pressed to the boardroom door

Will you hear when the lion within you roars

Will you take to the hills


Will you stand, will you stand for it

Will you hear, ohhhh! ohhh! when the lion within you roars


Could be your father and it could be your mother

Could be your sister, could be your brother

Could be a foreigner, could be a Turk

Could be a cyclist out looking for work, Norman

Could be a king, could be the Aga Khan

Could be a Vietnam vet with no arms and no legs

Could be a saint, could be a sinner

Could be a loser or it could be a winner

Could be a banker, could be a baker

Could be a Laker, could be Kareem Abdul Jabar

Could be a male voice choir

Could be a lover, could be a fighter

Could be a super heavyweight, or it could be something lighter

Could be a cripple, could be a freak

Could be a wop, gook, geek

Could be a cop, could be a thief

Could be a family of ten living in one room on relief

Could be our leaders in their concrete tombs

With their tinned food and their silver spoons

Could be the pilot with God on his side

Could be the kid in the middle of the bomb sight

Could be a fanatic, could be a terrorist

Could be a dentist, could be a psychiatrist

Could be humble, could be proud

Could be a face in the crowd

Could be the soldier in the white cravat

Who turns the key in spite of the fact

That this is the end of the cat and mouse

Who dwelt in the house

Where the laughter rang and the tears were spilt

The house that Jack built

Where the laughter rang and the tears were spilt

The house that Jack built

Bang, bang, shoot, shoot

White gloved thumb, Lord thy will be done

He was always a good boy his mother said

He’ll do his duty when he’s grown, yeah

Everybody’s got someone they call home


Fonte: encarte que acompanha LP do ábum Radio K. A. O. S. (1987), de Roger Waters. Na versão gravada, a faixa começa com o seguinte trecho de diálogo ao fundo:
Jim: Oh God!

Californian Weirdo: Sole has no eyes.

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