31 março 2014

Quarenta anos

Fernando Py

Sinto a velhice em mim oculta e rude
em meio ao sol e ao riso da manhã,
nesse engano das horas, nessa vã
esperança de eterna juventude
que se desfaz de mim, e sou maçã
mordida, podre, e rio e não me ilude
esse carinho, essa algazarra. O alude
dentro de mim começa. Mesmo sã,
a estrutura se abala em sombra e ruga
e os caminhos só descem, pesa o fardo,
e entre cinzas de mim, alheio, ardo
de um fogo já morrente em sua fuga.

Mesquinho embora, curvo e pungitivo,
meu corpo vibra e se deseja vivo.

Fonte: Nejar, C. 2011. História da literatura brasileira. SP, Leya. Poema – dedicado ‘a Carlos Nejar’ – publicado em livro em 1981.

29 março 2014

À morte de uma corça

António Manuel Couto Viana

Dois olhos verdes, subitamente,
Galgam a noite.
Nenhum capim ou pedra onde o animal se acoite:
Olha-me frente a frente.

O seu doirado corpo, esguio, erecto,
É um frémito de medo.
E outra vez sou menino, ante o brinquedo
Belo e secreto.

Porque é que o antigo instinto agora em mim descubro?
Porque me vem à tona a brava natureza?
– A alegria de possuir tanta beleza
Num estampido rubro.

Alguém (fui eu?), terrível como um deus,
Soltou a morte dos seus muros de aço.
E a corça tombou, abrindo, ao espaço,
Gestos brancos de adeus.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia dapoesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1954.

27 março 2014

Entre flores


José Mongrell Torrent (1870-1937). Entre flores [Valenciana y crisantemos]. 1920.

Fonte da foto: The Athenaeum.

25 março 2014

Transformações sociais e sexualidade

Marilena Chaui

Resta-nos uma última referência: a relação entre repressão sexual e a divisão social das classes, referência feita esparsamente no decorrer deste livro e que foi estudada por Rose Marie Muraro, num livro intitulado Sexualidade da mulher brasileira – Corpo e classe social no Brasil.
[...]

Rose Marie Muraro trabalha ainda com a hipótese da diferença entre o mundo urbano e o rural. Assim, apesar das diferenças e semelhanças de classe no imaginário sexual, a divisão campo-cidade parece assumir um papel importante e a autora escreve: “Em suma, em relação à sexualidade, vê-se uma grande diferença entre o mundo rural e o urbano (que irá acentuar-se mais ainda nas classes médias): a queda real da supremacia masculina, o abalo do dispositivo familiar e do casamento como ideologia e representação, mas permanece sempre a clivagem entre homens e mulheres. Cai muito também no meio urbano a desvalorização da mulher após a menopausa, que é muito alta no campo, mais entre as mulheres do que [entre] os próprios homens. É interessante notar que a proibição do aborto, embora diminuindo na classe operária, é a que permanece como uma distância menor em relação ao campesinato”.

A idéia geral do livro de Muraro é a de transformações sociais globais com relação à sexualidade, em decorrência das transformações econômicas e sociais do país – queda do tabu da virgindade, do casamento como saída natural para a sexualidade, maior aceitação do homossexualismo, da masturbação, dos anticoncepcionais. O carro-chefe dessa mudança ideológica é a classe média urbana liberal e intelectualizada, mais próxima dos padrões dos países chamados desenvolvidos.
[...]

Fonte: Chaui, M. 1984. Repressão sexual. SP, Brasiliense.

23 março 2014

Na Fazenda Paraíso

Cora Coralina

Na Fazenda Paraíso, grandes terras de Sesmaria, nos dias
da minha infância ali viviam meu avô, minha bisavó Antônia,
que todos diziam Mãe Yayá, minha velha tia Bárbara, que era tia Nhá-Bá.
Essa governava a casa da cozinha ao coalho, passando pela copa,
onde fazia o queijo com o coalho natural e guardava os potes
sempre cheios de doce, e tinha uma pequena forma de açúcar,
coberta de barro, inviolada para uso exclusivo dela e da velha mãe.
Era um açúcar todo especial da garapa coada e mel espumado.
Essa tia, que renunciara ao casamento para melhor garantia
do seu lugar no céu, tinha se extremado em limpeza e asseio,
zelo pela administração da casa, amor à capela da fazenda
e cuidados com a velha mãe.
Tinha a sua horta, canteiros de couve e cebolinha verde,
salsa, hortelã e ervas santas, milagrosas, de curar.
Pimenteiras não faltando, mostarda e sarralhas,
tomatinho por todos os lados.
Rodeando o cercado, plantas de fumo, suas flores rosadas,
rejeitadas das abelhas.
Suas roseiras, jasmineiros, cravos e cravinas, escumilhas,
onde beija-flores faziam seus ninhos delicados
e pingentes de outros ninhos de um passarito amarelo sem mérito cantor,
engraçadinho piador – o caga-sebo.
Nas mangueiras enfolhadas faziam seus ninhos apanelados
e dobravam o canto inigualável, nas longas tardes de outubro,
todos os sabiás dos reinos de Goiás.
Corria pelo meio da horta o rego d’água e era o mundo verde do agrião.
A terra era fofa, recoberta de uma camada espessa de cana moída
e apodrecida, transformada em húmus, trazida da bagaceira do engenho.
Era um feudo privativo da tia Nhá-Bá, portão fechado a chave,
cerca impenetrável, era o seu reinado assistido pela
Nicota que trabalhava no terreiro.
Naquele vai-e-vem o dia todo meu avô dizia a ela: “Ocê não cansa, mana?”
E a resposta invariável: “Quando durmo”.
Minha bisavó, Mãe Yayá, passava o seu dia sentada
numa antiga mala encourada, e sobre esta estendido um couro de lobo.
Trazia, também, tiras do couro e palhas roxas
amarradas em atilhos nas pernas para evitar cãibras.
Vivia, já naquele tempo, vida vegetativa, assistida pela filha.
E meu avô, todos os dias, antes de outra iniciativa,
ia tomar a benção à velha mãe, saber o que lhe faltava.
Ela requeria sempre uma braçada de lenha recortada,
cavaqueira que ele mandava do engenho de serra,
era agasalhada debaixo da mesa onde lhe serviam as refeições.
Suas comidinhas apresentadas em pires e tigelinhas antigas,
sua mesa sempre recoberta de toalha grossa de tear
marcada com pontos de cruz, pontos de marca, se dizia, sua cama,
antiga marquesa, de sobrecéu e babados, ela, a velinha curvada,
passado no busto um xale de lã de cor indefinida de velhice crônica.
Agasalho de frio e de calor.
Nos pés, chinelos e meias pretas, saia escura, uma bata clara
abotoada no pescoço, mangas de punho.
Nas orelhas, uns brincos rebuçadinhos de preto, dizendo luto permanente.
Eram periodicamente descobertos e de novo recobertos,
isso, contavam os da casa, desde a morte do marido, já passados muitos anos.

Essa matriarca era de uma saúde admirável
e não mais se intrometia na direção da casa.
Tinha um pitinho pequenino de barro, feito a capricho pelas paneleiras do lugar.
O fumo era preparado por tia Nhá-Bá, colhido nas hortas. Destaladas,
murchas as folhas, eram entregues à velha mãe que fazia a torção
de forma especial, que só ela sabia fazer.
Eram postas para curtir num pequeno varal, num canto remoto do oratório.
Ela governava aquilo e daquela reserva se fazia com muita ciência
e pachorra, o torrado de meu avô. Trabalho esse entregue a Nicota.

Daquela bisavó emanava um cheiro indefinido e adocicado
de folhas murchas a que se misturavam fumo desfiado, cânfora e baunilha.
Sua sala, onde passava o dia, tinha pelos cantos amarrados,
murchos, pendurados de folhas diversas: congonha-do-campo,
arnica da serra, folha-santa, artemísia e gervão,
arrancadas com as raízes que eram sempre renovadas pelos moradores
que traziam seus agrados e respeito.
Tudo isso impregnava seus aposentos de um cheiro característico
e vago que gostávamos de respirar e que, dizia meu avô,
dava saúde à velha mãe.
Sua comidinha parca era repartida com os gatos,
que ela, com uma vara fina e longa, mantinha em disciplina.
Sua preocupação constante: saber das horas e se a serra estava encoberta.
Qualquer resposta que lhe dessem, satisfazia.
Durante o dia eram suas várias caminhadas para a cozinha.
Acender o pito, ali, alguém tinha que colher
e assentar na panelinha atochada de fumo uma brasinha minúscula
que fumaçava agradavelmente. Todos na casa e na fazenda
lhe pediam a benção e veneravam a grande anciã.

De noite, frio ou calor, chuva ou relâmpago, trovões,
céu barrado de estrelas ou lua, clara como o dia,
vinha para o meio da grande varanda uma telha-vã
com um braseiro trazido pela Ricarda.
Uma braçada de cavacos ou sabugos de milho das reservas de debaixo da mesa.
Vinha antes o couro de lobo, estendia-se no centro de um antigo canapé
forrado de sola negra, tacheado de tachas amarelas.
Tia Nhá-Bá trazia pelo braço a velha mãe,
fazia-a sentar no meio do vasto canapé,
aconchegava o chalé, ajeitava o saquitel das coisas misteriosas, inseparáveis
e acendia-se o braseiro.
De lado, bancos pesados, a mesa das refeições.
Meu avô puxava o tamborete da cabeceira, tomava assento.
Tio Jacinto vinha e se ajeitava, nós, gente menor, rodeávamos o fogo
sentadas em pedaços de couro de boi, pelo chão.
Gente grande nos bancos em fileira.
Ricarda, acocorada, alimentava o fogo.
Ficávamos ali em adoração naquele ritual sagrado,
que vem de milênios, de quando o primeiro fogo se acendeu na terra.
Contavam-se casos. Conversas infindáveis de outros tempos
e pessoas mortas.

Às tantas, vinha da cozinha o pote de canjica, bem cozida, caldo grosso,
colher de pau revolvendo aquele conteúdo amarelado ou todo branco.
Tia Nhá-Bá trazia da copa um pote bojudo, panela funda de barro,
cheia de leite com uma nata amarelada e grossa, a concha de tirar,
duas rapaduras cheirosas para serem raspadas.
Cada qual pegava seu  prato fundo, tigela e colher.
Tia Nhá-Bá servia com abundância, canjica e leite, rapadura à vontade.
Comia-se ruidosamente. Repetia-se e ainda sobrava canjica fria e grossa,
gelatinosa, para o demanhã seguinte.
Ruim era para a criançada, quando se matava uma vaca
e se juntava ao cozido um tal chamado osso-de-corrê.
Meu Deus, botavam a canjica a perder. Ninguém suportava.
Só os mais velhos exaltavam a substância daquela mistura.
Era ruim com sal, pior com rapadura. A meninada não tolerava aquilo.
Gente do terreiro vinha buscar as sobras e levava o pote quase cheio.
Pelas nove horas amortecia o fogo. Ricarda cabeceava de sono.
O braseiro ia se cobrindo lentamente de cinza clara.
Cada qual procurando as camas, colchões barulhentos de palha em couro
pelo chão, dormida das melhores.
De tempos em tempos um cerimonial complementar,
a que a criançada queria assistir.
A queima dos feixes de ervas ressecadas, já trocados por feixes novos.
Ricarda trazia a ramalhada. Tia Nhá-Bá ia lentamente arrumando
no braseiro esmorecido de jeito a evitar chamas,
e todo o casarão se enchia de uma fumaça de cheiro incomparável,
que de vez em quando me vem ao olfato da memória.
A velha matriarca, meu avô, tio Jacinto, nós todas,
tomávamos configurações fantásticas
naquele incensatório ritual e rústico.
Meu avô dizia que aquela fumaceira
que se esvaía lentamente pelos telhados e frestas,
desinfetava os miasmas e era a saúde da casa.

Dali caíamos num sono que o dia seguinte nos acordava
com o alarido dos pássaros e o berro das vacas crioulas,
muito diferente do mugido das raças casteadas.
Todo o gado da fazenda era crioulo e as raças eram chamadas
toutina, caraúna, mocha, curraleira e outras.
Não se falava em castas importadas, não havia doenças no gado,
esse parecia indene, era rústico e manso.
E o melhor para limpar de bernes e carrapatos era o sal grosso torrado,
e a salga geral se fazia uma vez por ano.
Era a vaquejada festiva. Vinha gente da cidade e vizinhos das fazendas,
rapaziada roceira, na esperança de ver as moças,
alguns olhares, alguma conversa, possível noivado, casamento.
Arrebanhavam o gado, traziam em correria para os currais.
Salgava-se, marcava-se a rês salgada cortando a ponta da cerda.
Marcava-se a ferro quente a rês ainda desferrada.
Castravam-se os machos. Alguns castradores mais antigos faziam
num canto do curral um braseiro e, ali, em espeto já preparados,
assavam e comiam com farinha, sal, pimenta e limão, as glândulas
espremidas dos garrotes. A casa via aquilo enojada. Não participava.
Era prática, uso, entre castradores velhos. Prolongavam-lhe a virilidade.
As cozinheiras se danavam quando solicitavam panelas
para variar do assado. Pediam que as quebrassem depois do uso.
Eles chacoteavam, lúbricos, e elas riam disfarçadas.
A casa da fazenda estava sempre cheia. Parentes da cidade que traziam amigos,
caçadores que alegravam meu avô. Todo o terreiro se movimentava
e os moradores recebiam carnes abundantes das cargas abatidas.
Os couros eram esticados com varas e pendurados de alto a baixo
no grande varandado da frente da casa.

Meninos sem conta interessados na caça morta.
O forno de barro estava sempre aceso
e a copa e a mesa das refeições transbordavam
da fartura e da abundância da casa grande.

Havia no tempo, uma prática medicinal, prescrição médica:
– Mudar de ares. Gente enfastiada, anêmica, insatisfeita,
nervosa da cidade, descorada, falta de apetite, vinham tentar melhoras
nos ares sadios, no leite farto e frutas das fazendas.
Eram bem aceitos e se fazia a grande hospitalidade antiga.
Tudo de melhor para os hóspedes. Havia mesmo na fazenda dois quartos
chamados quartos de hóspedes.
Deixávamos as camas, passávamos a dormir no couro, o que adorávamos,
nos colchões barulhentos de palha nova que ajudávamos a rasgar.
Um forro grosseiro e uma coberta de tear bastavam para nós.
Dormíamos de três a quatros juntas, e que sono!
Acordávamos cedo e corríamos para o curral.

Copos e canecas na mão e o primeiro apojo espumado e morno
tinha um gosto renovado e puro.
Depois, o mundo do engenho. A garapa da cana serenada,
a garapa fervida, o melado com mandioca cozida no respiradouro da fornalha,
“forrando o estômago” para o almoço às nove horas, invariavelmente.
Aqueles hóspedes ganhavam novas cores, nutrição, nesse regime de fartura
e ares puros. Banhos nos ribeirões, passeios pelos campos.
Comiam fruta do mato, carne de caça, leite de curral, ovos quentes, gemada,
transbordando os pratos de mingau de fubá fino, de milho canjica.
Café com leite, chocolate, a que se adicionavam gemas batidas, ovos quentes.
Tudo substancial e forte. Voltavam outros para a cidade,
carregando ainda lataria de doces e frutas do quintal, ovos, frangos
e queijos. Era a regra do tempo. Aqueles hóspedes alegravam
e se tornavam amigos, prometendo voltar.
Quando a gente menina esquecia alguma regrinha da boa cortesia,
era chamada de parte, corrigida, admoestada,
acima de tudo nos velhos tempos,
os deveres sagrados da hospitalidade.

Fonte: Coralina, C. 2004. Melhores poemas, 2ª edição. SP, Global. Poema publicado em livro em 1983.

21 março 2014

Ditirambo

Oswald de Andrade

Meu amor me ensinou a ser simples
Como um largo de igreja
Onde não há nem um sino
Nem um lápis
Nem uma sensualidade

Fonte: Pinto, J. N. 2004. Os cem melhores poetas brasileiros do século, 2ª edição. SP, Geração Editorial. Poema publicado em livro em 1925.

19 março 2014

O pássaro, esse pássaro...

J. A. Artze

Se eu lhe tivesse cortado as asas
Ele teria sido meu,
Não teria voado para longe...
Mas, então,
Já não seria mais um pássaro,
E era o pássaro que eu amava.

Fonte: Freire, C. 2004. Babel de poemas: uma antologia multilíngüe. Porto Alegre, L&PM. ‘J. A. Artze’ é assinatura de José Antonio [Joxean, Josanton] Artze. Poema publicado em livro em 1969.

17 março 2014

Genética de populações

Newton Freire-Maia

A genética de populações é feita de teoria, observação e experiência. A teoria funda-se, naturalmente, no mecanismo mendeliano de herança e teve, como a própria genética, um início bem estabelecido, através de uma descoberta fundamental – o teorema de Hardy-Weinberg, em 1908. Na década seguinte, alguns trabalhos esparsos foram publicados, mas foi principalmente entre 1921 e 1931 que se estenderam e aprofundaram as bases da nova ciência, através das fundamentais contribuições de Sewall Wright, R. A. Fisher e J. B. S. Haldane. Assim é que, em 1921, Wright publicou num único número de Genetics, as cinco partes do seu Sistems of mating e, em 1922, Coefficients of inbreeding and relationship. Em 1923, lançou a teoria do coeficiente de pistas e, em 1931, o fundamental trabalho Evolution in Mendelian Populations, onde, entre outros problemas, desenvolveu o conceito de população efetiva e estudou a teoria da deriva genética. Fisher que, em 1918, já tinha publicado The correlattion between relatives on the supposition of Mendelian inheritance, desenvolveu sua teoria da dominância em 1922 e, em 1930, publicou sua famosa obra The Genetical Theory of Natural Selection. Entre 1924 e 1930, Haldane publicou oito das nove partes do seu trabalho A mathematical theory of natural and artificial selection, no qual abordou todos os problemas fundamentais da genética de populações. Nos anos subseqüentes, Wright desenvolveu e ampliou suas descobertas dos primeiros anos, tendo criado, em 1943, a teoria do isolamento pela distância. Fisher dedicou-se, até sua morte, principalmente ao desenvolvimento dos aspectos matemáticos da seleção natural e do endocruzamento, tendo publicado, em 1949, o livro The Theory of Inbreeding. Haldane, em 1937, lançou o conceito de carga genética, desenvolvendo a teoria do que hoje se chama de carga mutacional e segregacional; estudou vários aspectos dos casamentos [consangüíneos], das taxas de mutação, da pressão de seleção etc. e, em 1957, publicou o trabalho The cost of natural selection, onde desenvolveu o conceito da carga substitucional.
[...]

Fonte: Freire-Maia, N. 1974. Genética de populações humanas. SP, Hucitec & Edusp.

15 março 2014

Uma criança


Edgar Maxence (1871-1954). Portrait d’enfant. s/d.

13 março 2014

Estatisticamente justo

Manuel Leote Esquível

Seja o desenvolvimento decimal de um número real positivo menor do que 1. Se o número é racional, então o desenvolvimento decimal, ou é finito, isto é, a partir de uma certa ordem só aparecem zeros – por exemplo, 0,1234500000... –, ou então é infinito, mas periódico, isto é, a partir de uma certa ordem o desenvolvimento repete-se – por exemplo, 0,123123123...

Mas, se o número é irracional, então o desenvolvimento decimal é infinito e não periódico – por exemplo, π – 3 = 0,141592653589793238462643383279...

Neste último caso é impossível detectar uma ordem, uma regularidade, uma periodicidade qualquer. ‘Estocástico’ é o adjetivo que mais convém para caracterizar um tal comportamento. O aparecimento de qualquer um dos dez dígitos parece só conhecer as leis do aleatório. É natural então perguntar: com que frequência aparece cada um dos dez dígitos num tal desenvolvimento decimal?

Se supusermos um número ‘estatisticamente equilibrado’, essa frequência deve ser 1/10. Então com que frequência aparece cada um dos cem pares de dígitos – 00, 01, 02,... 99 – no desenvolvimento decimal de um número ‘estatisticamente justo’?

A resposta é, necessariamente, 1/100.

Da mesma forma, esperamos que cada um dos 10 n-uplos de dígitos apareça com uma frequência de 1/10n num número ‘estatisticamente justo’, isto para um inteiro n qualquer.
[...]

Fonte: Esquível, M. L. 1988. Análise matemática – Itinerários. In: Leite, M. C. et al. Pensar a ciência. Lisboa, Gradiva.

12 março 2014

Oitenta e nove meses no ar

F. Ponce de León

Nesta quarta-feira, 12/3, o Poesia contra a guerra completa sete anos e cinco meses no ar. Ao longo desse período, o contador instalado no blogue registrou 237.296 visitas.

Desde o balanço anterior – Oitenta e oito meses no ar – foram aqui publicados pela primeira vez textos dos seguintes autores: Ernesto de Souza, Helmut Sick, James D. Watson, Lindolf Bell, Maria José Aragão, Messias Carrera, Par Lagerkvist e Richard Corfield. Além de alguns outros que já haviam sido publicados em meses anteriores.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Henri Evenepoel e Ximena Armas.

11 março 2014

Rum Creosotado

Ernesto de Souza

Veja, ilustre passageiro,
O belo tipo faceiro
Que o Senhor tem a seu lado;
E, no entanto, acredite:
Quase morreu de bronquite;
Salvou-o o RUM CREOSOTADO.

Fonte: Martins, W. 1978. História da inteligência brasileira, vol. 5. SP, Cultrix & Edusp. Versos, datados da segunda década do século 20, usados em campanha publicitária do ‘Rhum Creosotado’, fabricado pelo próprio autor.

09 março 2014

Medusa de fogo

Cassiano Ricardo

A simples bulha surda
do meu coração batendo
poderá te acordar.
Mesmo a penugem da lua
que cai sobre o ombro nu
das árvores, tão de leve,
poderá te acordar.

A simples caída da bolha
d’água sobre a folha,
por ser fria como a neve,
poderá te acordar.
Só porque a rosa lembra
um grito vermelho,
retiro-a de diante do espelho
porque – de tão rubra –
poderá te acordar.

E se nasce a manhã,
calço-lhe logo pés de lã,
porque ela, com seus pássaros,
poderá te acordar.
Mesmo o meu maior silêncio,
o meu mudo pé-ante-pé,
de tão mudo que é,
não irá te acordar?

Ó medusa de fogo,
conserva-te dormida.
Com o teu fogo ruivo e meu,
qual monstruosa ferida.
Como data esquecida.
Como aranha escondida
num ângulo da parede.
Como uma água-marinha
que morreu de sede.

E eu serei tão breve
que, um dia, deixarei
também, até de respirar,
para não te acordar.
Ó medusa de fogo,
dormida sob a neve!

Fonte: Ricardo, C. 2003. Melhores poemas de Cassiano Ricardo. SP, Global. Poema – com a dedicatória ‘A Cândido Mota Filho’ – publicado em livro em 1960.

07 março 2014

Radioatividade artificial

Maria José Aragão

Os átomos estáveis podem converter-se em átomos radioativos através da colisão com partículas a alta velocidade.

A primeira reação nuclear que foi produzida em laboratório foi efetuada por Lord Rutherford, em 1919, bombardeando nitrogênio com partículas α.

N14 + He4 → O17 + H1

A partícula α, como se viu, é descrita como associada a dois nêutrons e a dois prótons, que, na desintegração α, é emitida pelo núcleo de hélio. Então, na reação de Rutherford, um núcleo de nitrogênio reage com um núcleo de hélio que é lançado à alta velocidade sobre o primeiro, resultando dois novos núcleos, um de oxigênio com massa atômica 17 e um de hidrogênio com massa atômica 1, ou seja, um próton.

O núcleo de oxigênio 17 é estável, pelo que a reação nuclear não leva à produção de radioatividade artificial. Os cientistas começaram, então, uma pesquisa sistemática, bombardeando átomos com partículas α à grande velocidade.

Os primeiros trabalhos desenvolvidos com partículas α à alta velocidade foram feitos com o bismuto (Bi83), também chamado rádio C. Mas outros elementos sofrem reações idênticas, com a formação de núcleos instáveis, que, por sua vez, comportam-se como núcleos radioativos.
[...]

Fonte: Aragão, M. J. 2008. História da química. RJ, Interciência.

05 março 2014

O bebê


Henri Evenepoel (1872-1899). Le bébé (Le jouet brisé). 1895.

Fonte da foto: Wikipedia.

03 março 2014

Tesourinhas

Messias Carrera

Os insetos desta ordem são chamados vulgarmente de “tesourinha” ou “lacrainha” por causa da presença de dois apêndices, como se fossem dois ferrões, que se encontram no ápice do abdome. Na realidade são apêndices do 10º segmento abdominal que recebem o nome de cercos. Os Dermáteros raramente passam de 1 cm de comprimento; suas antenas são filiformes e longas; as mandíbulas desenvolvidas; o protórax grande; as asas anteriores muito pequenas e coriáceas (élitros), as posteriores membranosas e grandes, dobradas em leque por baixo dos élitros; existem espécies sem asas; pernas curtas; tarsos com três artículos; abdome com onze segmentos; cercos desenvolvidos, com hastes às vezes paralelas, mas quase sempre convergentes, em forma de pinça. A presença de cercos tão desenvolvidos permite distinguir rapidamente os Dermápteros [...] dos besouros Estafilinídeos, família de Coleópteros cujas espécies também possuem élitros muito reduzidos.

São insetos terrestres, de hábitos noturnos, escondendo-se durante o dia sob a casca das árvores, nas fendas do solo ou das pedras. Locomovem-se com agilidade, mantendo os cercos voltados para cima, como acontece com Doru lineare, espécie muito comum de tesourinha que ocorre no Brasil, desde Minas Gerais até o Rio Grande do Sul. Este inseto, com 10 mm de comprimento, corpo castanho-avermelhado e élitros amarelos, costuma entras em nossas casas nas noites de calor, quando então os vemos andar celeremente sobre a mesa que a luz ilumina. Os Dermápteros são inofensivos e sem grande importância econômica. Nutrem-se principalmente de vegetais, mas existem espécies com hábitos alimentares diferentes; Strongylopsalis mathurinii, espécie do Rio de Janeiro, ataca vísceras secas de bovinos destinadas à fabricação de salsichas, bem como charque, couros, ossos, chifres e cascos; esta mesma espécie foi criada em laboratório com queijo; certas espécies são carnívoras, canibais, capturando suas presas e levando-as à boca com as pinças do ápice do abdome.

Em uma espécie de Forficula da Europa se observou o estremo zelo que a fêmea dispensa à sua desova e às formas jovens que daí se originam. Hábitos semelhantes se observaram em duas espécies brasileiras: Forcepsia pulla e Strongylopsalis mathurinii. O instinto maternal desta última é bastante acentuado e perdura até a primeira semana após a eclosão das ninfas. A fêmea, que desova em local sombrio e abrigado, não se afasta da postura, ajeitando os seus ovos, cuidadosamente, com as antenas e peças bucais; depois, procura romper com as mandíbulas a casca dos ovos, para auxiliar as ninfas a se libertarem. Os filhotes, uma vez livres, reúnem-se em baixo ou ao redor do corpo materno, às vezes bem perto da boca para recolher o alimento que a mãe regurgita. É notável a sua fúria quando se trata de defender a prole; se algum inseto se aproxima da ninhada, ela avança decididamente contra o intruso, atacando-o com os cercos, voltando em seguida para junto dos filhotes. Depois de uma semana as ninfas começam a se afastar em busca do seu próprio alimento, dispensando os cuidados maternos.
[...]

Fonte: Carrera, M. 1980. Entomologia para você, 5ª edição. SP, Nobel.

01 março 2014

Poema espiritual

Murilo Mendes

Eu me sinto um fragmento de Deus
Como sou um resto de raiz
Um pouco da água dos mares
O braço desgarrado de uma constelação.

A matéria pensa por ordem de Deus
Transforma-se e evolui por ordem de Deus
A matéria variada e bela
É uma das formas visíveis do invisível.
Cristo, dos filhos do homem és o perfeito.

Na Igreja há pernas, seios, ventre e cabelos
Em toda parte, até nos altares.
Há grandes forças de matéria na terra no mar e no ar
Que se entrelaçam e se casam reproduzindo
Mil versões dos pensamentos divinos.

A matéria é forte e absoluta
Sem ela não há poesia.

Fonte: Cereja, W. R. & Magalhães, T. C. 1995. Literatura brasileira. SP, Atual. Poema publicado em livro em 1938.

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