17 maio 2024

O que é um modelo?

Edward J. Kormondy & Daniel E. Brown

Um modelo é uma simplificação de algo real. Ele pode representar um objeto (como uma réplica plástica de um avião a jato), uma organização (como uma tabela de fluxo de posições em uma corporação) ou um processo, tanto conhecido quanto hipotético (como o fluxo energético em um ecossistema). Já que as populações humanas possuem um grande número de processos com-plexos, os estudiosos muitas vezes se utilizam de modelos heurísticos (que ajudam o entendimento mas que não são, necessariamente, ‘verdadeiros’) para reduzir a complexidade

Fonte: Kormondy, E. J. & Brown, D. E. 2002 [1999]. Ecologia humana. SP, Atheneu.

15 maio 2024

No atelier


Maxime [Pierre Jules] Dethomas (1867-1929). Portrait à l’atelier. ~1910.

Fonte da foto: Wikipedia.

13 maio 2024

Shell, Exxon, BP, Petrobras etc.: os maiores responsáveis pelo aquecimento global vão pagar pelos estragos?

Felipe A. P. L. Costa [*]

A opinião pública brasileira, como toda e qualquer opinião pública mundo afora, não navega em águas turbulentas – digo: não vai além das informações sensoriais e do senso comum (ver Ecologia sensorial e a mente humana).

Formadores de opinião, em especial aqueles que se veem como progressistas, já deveriam ter identificado corretamente a origem da desordem atmosférica ora em curso.

Estou a me referir aqui à velocidade com que a química atmosférica foi alterada ao longo dos últimos, digamos, 67 anos (ver RS debaixo d’água: O problema não está nas nuvens, está na anarquia dos mercados e na omissão dos governantes).

Do mesmo modo como a indústria do tabaco (ver Petróleo, picanha, cigarro ou cinema: O que de fato está a levar todos nós para o inferno?) sempre foi responsável pela elevação na incidência de câncer entre fumantes, os maiores responsáveis pelo aquecimento global são as petroleiras – grandes corporações que sugam, sujam e matam, tido Shell, Exxon, BP, Petrobras etc.

Sim, é fato que o agronegócio também tem um impacto negativo bastante significativo. Proporcionalmente, porém, é um impacto bem menor e, em geral, mais localizado. Por exemplo, a degradação ambiental que prospera hoje no Mato Grosso, no Paraná, no Rio Grande do Sul e em Goiás é liderada pelo agronegócio, em especial a cultura da soja (ver Desflorestamento: pausa para o lanche?). No entanto, os problemas ecológicos que caracterizam essas regiões (e.g., erosão e perda de solo, assoreamento de corpos d’água, envenenamento de córregos e rios e desperdício de água) têm um impacto principalmente local.

A força e a abrangência do impacto passam a ter uma relevância maior quando as atividades passam a interferir na composição ou no comportamento da atmosfera – e.g., por meio da emissão de gases-estufa. Esse é um dos motivos pelos quais a queima de combustíveis fósseis é mais preocupante. Há, porém, um fator adicional: a diferença da quantidade de sujeira injetada na atmosfera pelas duas atividades.

O total de CO2 emitido pelo uso da terra (e.g., desflorestamento e manutenção de grandes rebanhos) corresponde a pouco menos de um quinto do que é emitido pela queima de combustíveis fósseis, notadamente carvão (e.g., geração de eletricidade em países temperados) e petróleo (e.g., produção de gasolina, diesel e querosene para movimentar veículos rodoviários e aeronaves).

Essa balança mudou há quase um século. Até o início do século 20, atividades relacionadas ao uso da terra eram os maiores responsáveis pela emissão de carbono de origem antropogênica (C-Antro). A partir da década de 1920, no entanto, a balança começou a pender para o lado dos combustíveis fósseis.

Atualmente, as emissões mundiais de C-Antro correspondem a um valor anual médio de 10,8 Gt (1 Gt – lê-se gigatonelada – equivale a 1 bilhão ou 1 × 10^9 toneladas). Desse total, 1,2 Gt vem do uso da terra e 9,6 Gt vêm da queima de combustíveis fósseis.

O que significa dizer que para cada 1 t de C-Antro que é injetada na atmosfera pelo uso da terra, a queima de combustíveis fósseis injeta 8 t (ver Um balanço do ciclo global do carbono). Em percentuais, 83% do C-Antro são gerados pela queima de combustíveis fósseis, enquanto 17% são gerados pelo uso da terra.

Diante desses números, não parece exagero dizer que, além da indústria bélica, outro grande inimigo da humanidade são as petroleiras que operam mundo afora.

CODA.

Por que o governador do Rio Grande do Sul, em vez de tergiversar ou de saltitar por aí como um animador de auditório viciado em saquear o bolso dos telespectadores, não vai aos tribunais exigir uma reparação de danos por parte das corporações (Shell, Exxon, BP, Petrobras etc.) que estão a promover a desordem climática que ora enfrentamos?

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NOTA.

[*] Este artigo contém material extraído e adaptado do livro A força do conhecimento & outros ensaios: Um convite à ciência (no prelo). Outros trechos da obra já foram anteriormente divulgados – e.g., Livros, lentes & afins; Revolução Agrícola, a mãe de todas as revoluções; O que é cultural, afinal?; Quem quer ser um cientista?; Algumas notas sobre o método científico; As origens da política; Podemos aprender com os nossos erros; e Ciência, tecnologia, negócios. Sobre a campanha Pacotes Mistos Completos (por meio da qual é possível adquirir, sem despesas postais, os quatro livros anteriores do autor), ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para adquirir os quatro volumes ou algum volume específico ou para mais informações, faça contato com o autor pelo endereço felipeaplcosta@gmail.com. Para conhecer outros artigos ou obter amostras dos livros anteriores, ver aqui.

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12 maio 2024

17 anos e sete meses no ar

F. Ponce de León

Neste domingo, 12/5, o Poesia Contra a Guerra está a completar 17 anos e sete meses no ar.

Desde o balanço anterior – ‘17 anos e meio no ar’ – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: H. G. Wells, James Fenimore Cooper, Jean Baptiste de La Salle e Robert Foley. Além de material de autores que já haviam sido publicados antes.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes artistas: Enrique Simonet e Ignacio Zuloaga.

10 maio 2024

Terrestrialidade e evolução humana

Robert Foley

O argumento de que a terrestrialidade é importante na evolução dos hominídeos é óbvio e autoevidente. E deriva de duas observações simples e básicas: uma, que a maioria dos primatas, em contraste com os humanos, é arborícola, e a outra, que entre os primatas que adotaram um modo de vida terrestre, os hominídeos desenvolveram uma das formas de locomoção mais extremas e especializadas – bipedismo. Esse grau de divergência em relação aos padrões evolutivos e adaptativos dos nossos parentes mais próximos parece ser uma explicação adequada para a singularidade humana.

Fonte: Foley, R. 1987. Another unique species. Londres, Longman.

08 maio 2024

RS debaixo d’água: O problema não está nas nuvens, está na anarquia dos mercados e na omissão dos governantes

Felipe A. P. L. Costa

APRESENTAÇÃO. – Nos últimos dias, a começar em 27/4, várias regiões do estado do Rio Grande do Sul foram assoladas por chuvas torrenciais. Em alguns municípios, a precipitação foi tão acima da média que o volume que caiu em 3-7 dias foi o equivalente ao esperado para um trimestre ou mesmo para um semestre inteiro. O quadro é desolador. Muita gente perdeu tudo. Boa parte dessa gente vai tentar reconstruir o que perdeu, mas muito o farão em outro bairro ou em outra cidade. O ritmo de crescimento da população gaúcha, entre os mais baixos do país, deverá cair ainda mais. O estado corre o risco de produzir a maior onda interna de refugiados do clima desde o início do século. A desorientação e as sucessivas trapalhadas do governo estadual são em boa medida fruto do desmanche dos serviços públicos. Em escala menor, o problema se reproduz em um sem número de municípios gaúchos. Meses atrás, o próprio prefeito de Porto Alegre estava a defender a derrubada do muro de contenção que hoje protege uma parte da cidade contra o avanço das águas do lago Guaíba (dito também rio). A ideia partiu de grupos empresariais que querem ocupar o terreno a troco de ‘modernizar’ o precário sistema de proteção que existe hoje (ver, e.g., aqui e aqui). A rigor, o RS é um dos estados mais atrasados na área ambiental. O problema vem de longe e envolve vários setores – e.g., caça de animais nativos, uso extensivo de agrotóxicos, destruição das áreas de preservação permanente, escassez de unidades de conservação e falta de proteção para hábitats-chave, a começar pelo campo limpo. A situação se agravou muito nos últimos anos. O atual governador, por exemplo, tudo fez para acabar com os últimos freios impostos pela legislação ambiental (e.g., aqui). A situação se tornou tão precária que hoje os próprios empreendedores estão autorizados a agir como licenciadores – algo do tipo eu mesmo me autorizo a provocar um incêndio ou a erguer uma edificação às margens de um rio. Uma gambiarra como essa não pode dar certo em lugar nenhum do planeta. A situação calamitosa enfrentada pelos gaúchos tem as 20 impressões digitais do governador. Diante de tudo isso, o sujeito agora se posta diante das câmaras para pedir doações financeiras aos brasileiros (aqui). Está a mimetizar o comportamento parasitário e oportunista de gente que vive a explorar a boa-fé alheia em redes sociais. Se não sabe o que fazer, a não ser despejar perdigotos em microfones e desfilar travestido de trabalhador salva-vidas, ele deveria renunciar ao cargo. O governador tem a voz empostada e, como é um dos queridinhos da impressa limpinha, ele agora bem que poderia sobreviver como galã de novelas. Ia tirar o emprego de alguns canastrões por aí, mas faria menos mal aos gaúchos.

[Para ler e/ou capturar o artigo completo, clique aqui.]

Piazza governo

Fernando Pinto do Amaral

Alguém tão parecido contigo. Porquê
sentar-me ali à espera que brilhasses
por interposta imagem? Não se sabe
onde começa exactamente um corpo. A água
irrompia, branquíssima de espuma,
e era ela a hipnotizar-me,
irreal e real
como a própria cidade a que chamaram
‘zona de guerra’ – ainda hoje lá estão
os três castelos entre ruas, praças
e essa mesma fonte: uma foca de pedra
acesa pela noite, olhando o céu,
as ingratas estrelas de setembro.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1993.

07 maio 2024

Do modo de escarrar

Jean Baptiste de La Salle

Você não deve abster-se de escarrar e é muito grosseiro engolir o que deve ser cuspido. Isso pode causar repugnância nos outros.

Ainda assim, não deve acostumar-se a escarrar demais e sem necessidade. Isso é não só grosseiro, mas enoja e aborrece as pessoas. Quando estiver na presença de pessoas bem-nascidas, e em lugares que são mantidos limpos, é educado escarrar dentro do lenço, ao mesmo tempo virando-se levemente para um lado.

É mesmo de boas maneiras para todos acostumarem-se a escarrar dentro do lenço quando estiverem nas casas dos grandes e em todos os lugares com pisos encerados ou de parquê. Mas é ainda mais necessário adquirir o hábito de assim proceder quando na igreja, tanto quanto possível... Acontece muitas vezes, porém, que nenhum chão de cozinha ou cocheira é mais sujo... do que o da igreja...

Depois de escarrar no lenço, você deve dobrá-lo imediatamente, sem olhar para ele, e colocá-lo no bolso. Deve tomar todo cuidado para nunca escarrar na própria roupa ou na de outra pessoa... Se notar escarro no chão, deve imediatamente pisá-lo com o pé. Se observá-lo no [casaco] de alguém, não é delicado dizer isso, mas dar ordens a um criado para limpá-lo. Se não houver um criado presente, você mesmo deve retirá-lo sem ser notado. Isto porque a boa educação consiste em não chamar a atenção da pessoa para qualquer coisa que possa ofendê-la ou confundi-la.

Fonte: Elias, N. 1990 [1939]. O processo civilizador. RJ, Jorge Zahar. Excerto de livro publicado em 1729.

05 maio 2024

A guerra dos mundos

H. G. Wells

Havia toda sorte de coisas que as pessoas estavam esquadrinhando e revivendo: coisas infernais, coisas estúpidas; coisas que não haviam sido tentadas em tempo algum; máquinas enormes, explosivos terríveis, canhões descomunais. Vocês conhecem a maneira absurda de agir desse tipo de pessoas engenhosas que fazem tais coisas: produzem-nas do mesmo modo como os castores constroem diques, sem qualquer preocupação quanto aos rios que irão desviar e quanto às terras que irão inundar!

Fonte: Ziman, J. 1981 [1976]. A força do conhecimento. BH, Itatiaia & Edusp. Excerto de livro originalmente publicado em 1898. H. G. Wells é a assinatura literária de Herbert George Wells (1866-1946).

02 maio 2024

Do homicídio ao omnicídio

Mario Bunge

Quase todos os códigos morais condenam o homicídio. Alguns deles, porém, assim como muitas religiões e ideologias políticas, admitem o homicídio legalizado, quer dizer, a pena de morte e as matanças perpetradas em nome da fé ou do ideário. Por exemplo, tanto cristãos como muçulmanos justificam a execução de hereges e as guerras santas. O Antigo Testamento, que condena Caim por ter assassinado o próprio irmão, relata com entusiasmo os genocídios de tribos inteiras que foram promovidos por Jeová em sua ira santa.

Por que condenar o assassinato no varejo e o justificar no atacado? Uma possível explicação dessa duplicidade moral é o tribalismo. Os membros de uma tribo devem evitar a violência dentro da tribo, de modo a assegurar a coesão interna. Ao contrário, as tribos estrangeiras são vistas como ameaças ou como inferiores e, em ambos os casos, como indignas de continuarem a existir. Em outros casos, a causa da violência massiva (ocupação, guerra, cruzada etc.) é a avidez por terras ou mercados, ou a competição pelo poder econômico, político ou cultural (em particular o ideológico). Estas e outras explicações podem estar corretas, mas não são justificativas morais.

Quem condena o homicídio simples deve condenar, com muito mais razão, o assassinato em massa. Qualquer que seja a escala, o assassinato é objetivamente mau, pois todos nós temos direito à vida (princípio moral) e por que, em larga escala, é mau negócio (princípio prático). De fato, a violência dificulta a convivência de grupos distintos, sobretudo no mundo de hoje, no qual todos os grupos sociais do mundo andam lado a lado. Além disso, abre lugar para a vingança, a qual debilita todas as partes envolvidas. (Veja-se a história da Máfia.)

Ainda que toda morte violenta seja condenável, é óbvio que o assassinato de N pessoas é N vezes pior que o de uma só pessoa. Por isso mesmo, a defesa da vida de N pessoas é N vezes mais valiosa que a de uma só. Ninguém tem direito de iniciar uma ação violenta, mas todos nós temos o dever de lutar por uma ordem social sem violência individual ou coletiva e, portanto, sem necessidade de defesa individual ou coletiva. Esta meta, antes utópica, se converteu hoje em uma necessidade imediata, dado o risco de extinção da espécie humana por meio da arte nuclear de matar.

Vale a pena relembrar os graus de homicídio, se quisermos atualizar as ideias a respeito dos pecados mortais. Esses graus são:

1. Assassinato de uma pessoa.
2. Matança, ou assassinato de um grupo social relativamente pouco numeroso.
3. Guerra, ou tentativa de assassinato indiscriminado de um grande número de pessoas.
4. Genocídio, ou extermínio de um grupo social numeroso e bem definido (raça, classe social ou partido político).
5. Omnicídio, ou assassinato da humanidade (ou mesmo de todos os seres vivos).

Fonte (em espanhol): Bunge, M. 1989. Mente y sociedad. Madri, Alianza.

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